04/11/2016

Sem mandado, polícia invade escola do MST e atira contra estudantes com munição letal


por Ruy Sposati (MS) e Tiago Miotto (DF)

Cerca de dez viaturas das Polícias Civil e Militar invadiram a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), em Guararema (SP), na manhã desta sexta (4). Os policiais entraram no espaço educacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) sem mandado judicial e atirando para o chão com munição letal. Outras ações ocorreram também em Quedas do Iguaçu, Francisco Beltrão e Laranjeiras do Sul, no Paraná, e no Centro de Pesquisa e Estudo Geraldo Garcia (Cepege), em Sidrolândia (MS), também ligado ao movimento.

“Os policiais chegaram por volta das 09h25, fecharam o portão da Escola e pulou a janela da recepção dando tiros para o ar. Os estilhaços de balas recolhidos comprovam que nenhuma delas eram de borracha e sim balas letais”, afirmou o MST em nota divulgada pouco depois dos ataques.

Segundo informações de pessoas presentes no local, após a invasão, a polícia se retirou da escola e permaneceu por algumas horas do lado de fora, afirmando estar “aguardando um mandado de prisão”. Ao menos duas pessoas foram detidas, acusadas de desacato a autoridade. Outra pessoa foi atingida por estilhaços dos tiros disparados contra o chão, mas passa bem.

Num dos vídeos gravados pelas pessoas presentes no momento da ação, é possível ver um policial ameaçando quem estava dentro da escola: Eu acho que vocês vão perder. Eu acho que alguém vai sair morto daqui” (confira abaixo).

As invasões fazem parte da “Operação Castra”, deflagrada pela Polícia Civil do Paraná contra integrantes do MST, com a finalidade de enquadrá-los como membros de uma organização criminosa, e acusando-os de furto e dano qualificado, roubo, invasão de propriedade, incêndio criminoso, cárcere privado e porte de arma ilegal, entre outros crimes.

“O objetivo da operação é prender e criminalizar as lideranças dos Acampamentos Dom Tomás Balduíno e Herdeiros da Luta pela Terra, militantes assentados da região central do Paraná”, afirmou o MST em mais uma nota pública, referindo-se às ocupações onde mais de 3 mil famílias reivindicam para a reforma agrária terras públicas griladas pela empresa Araupel.

O movimento relaciona as ações desta sexta com a repressão e a violência que vem sofrendo de agentes públicos e privados no Paraná. Foi no acampamento Dom Tomás Balduíno que, em abril, dois militantes do MST foram mortos e outros ficaram feridos em uma emboscada realizada pela PM.

Mato Grosso do Sul

Além da ação repressiva na ENFF, outras ações ocorreram também em Quedas do Iguaçu, Francisco Beltrão e Laranjeiras do Sul, no Paraná, e no Centro de Pesquisa e Estudo Geraldo Garcia (Cepege), em Sidrolândia (MS), também ligado ao movimento.

Segundo relato do MST, três viaturas policiais com placas do Paraná entraram cedo da manhã no Cepege, buscando por militantes daquele estado, os quais estariam no centro de pesquisa localizado em Sidrolândia. Os policiais permaneceram no local até cerca de 9h da manhã, impedindo a utilização de celulares, e deixaram o local sem levar ninguém preso.
Informações divulgadas na imprensa dão conta de que a polícia cumpriu 14 mandados de prisão, 10 de busca e apreensão e dois de condução coercitiva, resultando na prisão de pelo menos oito pessoas.

Criminalização dos movimentos sociais

Duas semanas atrás, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu habeas corpus ao geógrafo Valdir Misnerovicz, coordenador do MST em Goiás e um dos coordenadores nacionais do movimento. Com base na Lei de Organizações Criminosas (nº 12.850/2013), Valdir estava preso desde o dia 31 de maio, acusado – junto com outros três militantes – de cárcere privado contra os proprietários e funcionários de duas fazendas no município de Santa Helena de Goiás.

“Por unanimidade, o STJ definiu que a militância no MST não se configura como participação em organização criminosa, reconhecendo que lutar não é crime”, afirmou o MST, em nota, após a decisão do STJ, depois de uma longa campanha pela liberdade de seus presos políticos.

Além de Valdir, outros dois integrantes da entidade, Luiz Batista Borges e Lázaro Pereira da Luz, permanecem presos desde os meses de abril e junho, respectivamente, no estado de Goiás. Há, ainda, outros dois militantes que tiveram a prisão decretada com base nas mesmas acusações, e encontram-se exilados.

Escalada

Desde sua aprovação – no contexto da preparação para os megaeventos sediados no Brasil -, a Lei de Organizações Criminosas vem sendo usada para criminalizar movimentos sociais e enquadrar militantes como integrantes de grupos criminosos.

“É evidente que está em curso no Brasil um processo de criminalização organizada contra os movimentos sociais, conduzido por forças do Estado brasileiro”, avalia o secretário executivo do Cimi, Cleber Buzato. Para ele, estas forças trabalham “a serviço do capital nacional e internacional, especialmente aquele vinculado ao agronegócio”.

Os povos indígenas e seus aliados também têm sofrido com a criminalização e a repressão, especialmente no contexto da luta pela demarcação de seus territórios tradicionais. São comuns ações repressivas contra comunidades inteiras e a criação de instrumentos legislativos com a finalidade de criminalizar os indígenas e aqueles que apoiam a luta por seus direitos constitucionais.

São exemplos a recente CPI contra o Cimi, na Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul – cuja principal base, o Inquérito 215/2013 da Polícia Federal, foi arquivada pela Segunda Câmara do Ministério Público Federal (MPF) por falta de provas – e a CPI contra a Funai e o Incra, recentemente reaberta, depois de vigorar por oito meses e ser encerrada sem sequer apresentar um relatório final.

Leia na íntegra nota do MST sobre a Operação Castra:


Mais Reforma Agrária e fim da criminalização do MST

Mais uma vez o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é vítima da criminalização por parte do aparato repressor do Estado Paranaense. A ação violenta batizada de “Castra” aconteceu na nessa sexta-feira (04/11/2016), no Paraná, em Quedas do Iguaçu; Francisco Beltrão e Laranjeiras do Sul; também em São Paulo e Mato Grosso do Sul.
O objetivo da operação é prender e criminalizar as lideranças dos Acampamentos Dom Tomás Balduíno e Herdeiros da Luta pela Terra, militantes assentados da região central do Paraná. Até o momento foram presos seis lideranças e estão a caça de outros trabalhadores, sob diversas acusações, inclusive organização criminosa.

Desde maio de 2014, aproximadamente 3 mil famílias acampadas, ocupam áreas griladas pela empresa Araupel. Essas áreas foram griladas e por isso declaradas pela Justiça Federal terras públicas, pertencentes à União que devem ser destinadas para a Reforma Agrária.

A empresa Araupel que se constitui em um poderoso império econômico e político, utilizando da grilagem de terras públicas, do uso constante da violência contra trabalhadores rurais e posseiros, muitas vezes atua em conluio com o aparato policial civil e militar, e tendo inclusive financiado campanhas políticas de autoridades públicas, tal como o chefe da Casa Civil do Governo Beto Richa, Valdir Rossoni.

Salientamos que essa ação faz parte da continuidade do processo histórico de perseguição e violência que o MST vem sofrendo em vários Estados e no Paraná. No dia 07 de abril de 2016, nas terras griladas pela Araupel, as famílias organizadas no Acampamento Dom Tomas Balduíno foram vítimas de uma emboscada realizada pela Policia Militar e por seguranças contratados pela Araupel. No ataque, onde foram disparados mais de 120 tiros, ocorreu a execução de Vilmar Bordim e Leomar Orback, e inúmeros feridos a bala. Nesse mesmo latifúndio em 1997 pistoleiros da Araupel assassinaram em outra embosca dois trabalhadores Sem Terra. Ambos os casos permanecem impunes.

Denunciamos a escalada da repressão contra a luta pela terra, onde predominam os interesses do agronegócio associado a violência do Estado de Exceção.

Lembramos que sempre atuamos de forma organizada e pacifica para que a Reforma Agrária avance. Reivindicamos que a terra cumpra a sua função social e que seja destinada para o assentamento das 10 mil famílias acampadas no Paraná.
Seguimos lutando pelos nossos direitos e nos somamos aos que lutam por educação, saúde, moradia, e mais direitos e mais democracia.

Lutar, construir Reforma Agrária Popular.
Curitiba, 04 de novembro de 2016.

Fonte: Assessoria de Comunicação do Cimi
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