02/05/2016

Povo Pataxó da TI Comexatiba cria guarda indígena, denuncia o ICMBio e exige demarcações

Em um recanto Pataxó do sul da Bahia, no município de Prado, aldeia Alegria Nova, Terra Indígena Comexatiba, aconteceu o “Seminário Abril Indígena: Bem Viver, Territórios Regularizados: JÁ!”, entre os dias 28 e 30 de abril. Durante o encontro, os Pataxó criaram uma guarda de defesa do território, denunciaram o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), exigiram a demarcação dos territórios indígenas e se posicionaram contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff (leia abaixo o documento final).  

Contando com a participação de 130 lideranças dos povos Pataxó, Tupinambá de Olivença e Pataxó Hã-Hã-Hãe, além de parceiros e aliados: Conselho Indigenista Missionário (Cimi); Frente Nacional de Lutas (FNL) e a Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (SJCDH) do Governo da Bahia.  

O seminário teve na sua mesa de abertura a presença dos caciques presentes no evento, além de representantes do Cimi e da FNL. O cacique Nailton Muniz fez um retrospecto da luta dos três povos no período entre 1982 e 2000. Zé Fragoso Pataxó, cacique da aldeia Tiba, fez um relato da sua luta e desafios enfrentados pelas comunidades do território Cahy/Pequi (Comexatiba). Joel Braz fez um relato das lutas ocorridas durantes os preparativos para as celebrações dos 500 anos, da formação da Frente de Luta e Resistência Pataxó, da retomada do Monte Pascoal e das perseguições que as lideranças sofreram neste período.

O cacique Caticoco e a liderança Rodrigo, da aldeia Alegria Nova, fizeram relatos sobre o processo de retomada de áreas incidentes no Parque Nacional do Descobrimento, sobreposto ao território dos Pataxó de Comexatiba. Nas falas das lideranças foram destaques os abusos e violências cometidas por funcionário do ICMBio. Usaram ainda da palavra o cacique Gil, da aldeia Mucugê, que falou sobre os invasores de suas áreas, afirmou que assim como no passado “os portugueses invadiram suas terras, hoje italianos, holandeses, noruegueses, americanos continuam fazendo a mesma coisa, através de suas empresas de eucaliptos, hotéis, turismo”.

Na parte da tarde o representante do Cimi, Haroldo Heleno, falou sobre a conjuntura nacional, destacando o momento delicado na política brasileira, mas lembrando que para os povos indígenas este momento de tensão e luta por garantia de direitos já ocorre há muito tempo, mas que não se pode aceitar que aqueles que sempre lesaram os povos indígenas voltem ao poder. Na conjuntura destacou os enormes perigos que correm as comunidades com a consolidação da bancada ruralista e suas armas contra os direitos dos povos, destacando o avanço da PEC 215 e a mais nova e perigosa armadilha contra os povos indígenas engendrada pela 2ª turma do STF: o Marco Temporal, que viola os artigos 231 e 232 da Constituição Federal e institucionaliza a violência ainda mais contra os direitos dos indígenas.

Mulheres e jovens em luta

Durante o evento tivemos alguns momentos especiais, como a reunião das mulheres, presentes no evento em grande número. As mulheres indígenas discutiram suas lutas, como se organizar, o machismo das aldeias e fizeram uma agenda de encontros e intercâmbios. Assim também aconteceu com os jovens que se reuniram para discutir organização, sonhos e também a construção uma agenda de encontros. A presença e participação dos jovens nos debates podem ser realçadas a cada encontro entre os povos indígenas do sul da Bahia.  

Houve ainda espaço para relatos sobre a situação da saúde dos povos indígenas e sobre a educação nas comunidades dos Pataxó. O representante da Federação Indígena dos Povos Pataxó e Tupinambá (FINPAT) falou sobre as diversas lutas que a federação tem feito na busca pelas garantiras os direitos das comunidades no extremo sul da Bahia.

O seminário teve entre seus pontos fortes os momentos de espiritualidade com rituais, e contando com a participação de todos e todas. Momentos que revitalizaram e animaram para a continuidade da luta. A todo o momento pedia-se aos povos para que avancem, e a resposta sempre era alta: Avançaremos!

Documento final

Os participantes do seminário formaram três grupos para discussão dos temas: território, segurança e meio ambiente. As discussões percorreram dois dias de seminário e a sistematização do processo foi lapidada pela plenária e em seguida votadas como encaminhamentos do documento final que pode ser lido na íntegra:

 

DOCUMENTO FINAL DO SEMINÁRIO ABRIL INDIGENA: BEM VIVER, TERRITÓRIOS REGULARIZADOS: JÁ!

Os participantes do Seminário Abril Indígena Sul da Bahia, realizado na Aldeia Alegria Nova. do Povo Pataxó, Terra Indígena Comexatiba, no município do Prado, no período de 28 a 30 de abril de 2016, contando com a participação de cerca de 130 lideranças dos povos Pataxó, Tupinambá de Olivença e Pataxó Hã-Hã-Hãe além de aliados e parceiros do Conselho Indigenista Missionário, Frente Nacional de Luta, Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do Estado da Bahia. Preocupados com o atual momento que passa o país definimos que não vamos aceitar mais este retrocesso em curso, onde os interesses desta minoria burguesa, representada pelas bancadas do boi, da bala e do baixo clero no Congresso Nacional e no Senado da República, dê mais um golpe duro na democracia. Sabemos que os atuais governos não vêm garantindo nossos direitos e que por muitas vezes se aliou aos interesses dos seus atuais inimigos para negociar nossos direitos como “moedas de troca”. Mas não aceitaremos passivamente que os inimigos históricos dos povos indígenas, quilombolas, dos sem-terra, dos sem tetos voltem a conduzir os rumos desta Nação. Não aceitaremos este “golpe” disfarçado de legalidade. Lutamos há 516 anos contra os atuais invasores de nossa “Pindorama” e continuaremos a luta sempre contra todos aqueles que violam a nossa Mãe Terra e agridem seus filhos.

Nas nossas reflexões e nos trabalhos de grupos definimos por exigir:

– A imediata suspensão dos mandados de segurança impostos aos processos de regularização dos territórios: Barra Velho do povo Pataxó no extremo sul da Bahia e contra o T.I. Tupinambá de Olivença no Sul da Bahia;

– A imediata revogação da prisão do cacique Babau e Teiy, ambos do povo Tupinambá, bem como urgência tomada de providências por parte das autoridades contra o processo de criminalização em curso contra as nossas lutas e as prisões e ameaças contra as nossas lideranças;

– A continuidade e melhoramento de programas governamentais que visam a proteção de defensores de direitos humanos, onde estão inseridos muitos de nossos lutadores respeitando a nossas especificidades e com recursos econômicos e humanos suficientes e independência política para que funcionem de forma eficiente;

– A imediata apuração e punição aos culpados da denúncia do povo Pataxó do sul da Bahia sobre o uso indevido e abuso de poder dos agentes do ICMBIO (ameaças, prisões, agressões psicológicas), feitas em carta aberta às autoridades e à sociedade brasileira no último dia 25 de abril de 2016;  

– A imediata apuração sobre a irregularidade e ilegalidades sobre o Conselho Consultivo da gestão do Parque Nacional do Descobrimento e a garantia da plena participação dos verdadeiros defensores da natureza, o povo Pataxó;

– A criação do Grupo de Guardiões Indígenas Federais Ambientais visando a verdadeira defesa da nossa mãe natureza;

– A Suspensão imediata das atividades de exploração mineral (areais, extração de minérios), monocultivos, agropecuária extensiva, especulação imobiliária, turismos e outros que incidem sobre as nossas comunidades e agridem, desmatam e degradam os nossos territórios e provocam os desgastes e o sumiço dos nossos recursos naturais;

– Apuração das denúncias de trabalho escravo envolvendo indígenas e a imediata punição dos envolvidos;

-A imediata rejeição pelo pleno do Supremo Tribunal Federal da interpretação sobre o Marco Temporal feito pela 2ª turma do STF que desconstroem os direitos dos povos indígenas tão duramente conquistados e consolidados na Constituição Federal de 1988;

– O imediato arquivamento das medidas legislativas (PECs, PLs), que ferem e retiram nossos direitos;

– A concretização de políticas públicas e governamentais que garantam a nossa saúde e educação e diferenciada, a segurança dos nossos territórios, a geração de ações que venham contribuir com os projetos de vida de nossas comunidades;

 Que projetos e políticas públicas que beneficiam as comunidades indígenas sejam impedidos de serem implementados com a argumentação dos órgãos executores que os mesmos não podem ser concretizados porque as áreas não estão regularizadas;

– Fortalecimento do órgão Funai para que possa atuar de forma eficaz e transparente na defesa dos nossos direitos, a exemplo dos acompanhamentos judiciais que hoje ocorrem de forma deficiente, quando acontece;

– Respeito a nossa ancestralidade e a imediata punição para aqueles que praticam pirataria e roubos dos nossos conhecimentos tradicionais e de nossos bens naturais;

– O imediato cumprimento e respeito ao decreto publicado no Diário Oficial da União, em 27 de julho de 2015, que reconhece 28,600 mil hectares do TI Comexatiba como de domínio do Povo Pataxó;

– A imediata apuração e punição para aqueles que envenenam as nossas águas, solos e o ar, com o uso de aviões pulverizadores, caminhões de agrotóxicos, como já denunciadas pelo povo Pataxó.

Ao mesmo tempo colocamos para a sociedade brasileira e às autoridades a nossa disposição de continuarmos lutando como fazemos há 516 anos, contando com a força dos nossos encantados e usando os nossos conhecimentos ancestrais, que ao longo destes séculos nos mantiveram vivos e resistentes ao avanço dos invasores de nossas terras sagradas e aos saqueadores de nossas riquezas, também nos comprometemos a fortalecer a nossa unidade, reforçar e apoiar as nossas organizações tradicionais, nos somarmos a outras lutas como a dos irmãos  e irmãs quilombolas, aos companheiros e companheiras sem-terra, fortalecer ainda mais a luta campo e cidade.

Continuar defendendo as nossas nascentes, as nossas matas, os nossos animais, como fontes de vida e ainda preservadas pelas nossas comunidades. Participar de Fóruns, Teias e Organizações que unem estas lutas. Valorizando nossos anciões depositários da nossa história, incentivar e fortalecer a organização de nossa juventude para que continuem firmes na construção da nossa caminhada na busca do Bem Viver. Lutando pela regularização de todos territórios indígenas: JÁ!

Diga ao povo que avance. AVANÇAREMOS!

Aldeia Alegria Nova, 30 de abril de 2016

Fonte: Cimi Regional Leste
Share this: