28/03/2016

“Há muito tempo alertamos sobre racismo contra nós, mas universidades têm sido omissas”

Estudantes indígenas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e apoiadores divulgaram uma carta em solidariedade ao estudante indígena Nerlei Kaingang, agredido no dia 19 de março, em Porto Alegre (RS). A agressão do estudante Kaingang por seis homens ocorreu em frente à Casa do Estudante da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), universidade na qual Nerlei é cotista indígena e cursa Medicina Veterinária (saiba mais).

Câmeras de segurança filmaram a violência contra o indígena, que chegou a perder os sentidos após a agressão, e testemunhas já identificam os agressores como estudantes de engenharia da UFRGS e da Pontifícia Universidade Católica (PUC-RS).

“Esses [agressores] seguem com os nomes em sigilo e, provavelmente, frequentando as aulas normalmente como se nada tivesse acontecido. Já Nerlei, pelo contrário, segue abalado e sem frequentar as aulas”, afirma a nota dos estudantes indígenas da UFSC.

“A agressão física foi a gota d’água, o extremo das agressões sofridas diariamente, essa não é a primeira vez que nós Povos Indígenas sofreremos com ato semelhante”, complementam os estudantes.

Na nota, os estudantes indígenas afirmam que situações de racismo e preconceito são corriqueiras contra cotistas indígenas e já vêm sendo denunciadas há tempos, sem que providências de combate a essas práticas sejam tomadas por parte das instituições.

“Nossa presença em universidades públicas vem acontecendo de forma crescente e tem incomodado a elite conservadora e causado desconforto em todos aqueles que perpetuam ideias estereotipadas sobre nós. Há muito tempo estamos alertando sobre casos de racismo contra nós, mas as universidades vêm sendo omissas aos fatos, compactuando com tais atos”, diz a nota.

“Esse é o momento de questionar que universidade queremos, qual é seu papel diante de crimes como esse e reafirmar que a inclusão não é apenas dispor de vagas, precisamos discutir permanência”, concluem os indígenas, que cobram uma postura mais firme das universidades no combate à discriminação racial e a expulsão dos envolvidos no crime contra Nerlei.

Um inquérito para investigação do ocorrido e identificação dos suspeitos já foi aberto na Polícia Federal e um procedimento interno para apurar o caso também foi aberto na UFRGS.

Leia, abaixo, a íntegra da carta dos estudantes indígenas da UFSC e apoiadores:

Carta aberta dos estudantes indígenas da UFSC em solidariedade ao parente de luta Kaingang estudante da UFRGS

Nós, estudantes indígenas da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, viemos tornar público nossa solidariedade com nosso parente de luta Nerlei Kaingang que sofreu violência física e psicológica, decorrente de preconceito étnico-racial, e também repudiar tamanha brutalidade criminosa. Na madrugada do dia 19 de março deste ano (2016), o estudante de medicina veterinária Nerlei, pertencente ao povo Kaingang, foi agredido brutalmente por um grupo, de aproximadamente seis pessoas em frente a Casa do Estudante Universitário (CEU) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O crime motivado por racismo, foi filmado por uma câmera de segurança do local. Segundo Nerlei Kaingang os agressores repetiram a seguinte frase “o que esses índios estão fazendo aqui?”. Além de diversas palavras carregados de ódio e racismo, Nerlei Kaingang foi covardemente espancado, chegando a perder os sentidos. Dois dos estudantes agressores que cometeram crime de ódio, racismo e agressão física contra Nerlei Kaingang, são estudantes da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), e os outros são também estudantes da UFRGS que, em sua maioria são dos cursos das engenharias. Esses seguem com os nomes em sigilo e, provavelmente frequentando as aulas normalmente como se nada tivesse acontecido. Já Nerlei pelo contrário, segue abalado e sem frequentar as aulas. Segundo seu advogado, ele passa bem, na medida do possível e retornará às aulas na segunda-feira. Mas nós sabemos que não está nada bem, a agressão física foi a gota d’agua, o extremo das agressões sofridas diariamente, essa não é a primeira vez que nós Povos Indígenas sofreremos com ato semelhante. Nossa presença em universidades públicas vem acontecendo de forma crescente e tem incomodado a elite conservadora e causado desconforto em todos aqueles que perpetuam ideias estereotipadas sobre nós. Há muito tempo estamos alertando sobre casos de racismo contra nós, mas as universidades vêm sendo omissas aos fatos, compactuando com tais atos. É bom frisar que a UFRGS tornou público o caso de Nerlei Kaingang, mas se limitou a cinco pobres linhas, que em nenhum momento questiona o porquê de os seguranças da moradia não terem intervindo no ocorrido. Também vemos como uma falha, a instituição não usar do ocorrido como um momento propício para a promoção da igualdade. Tornar público um caso criminoso como esse, é o mínimo que se espera de uma instituição pública. Na segunda-feira a UFRGS abrirá sindicância sobre o ocorrido para apurar os fatos.

Em caso recente nós estudantes indígenas da UFSC também fomos alvos de racismo, por meio de um grupo do facebook que leva o nome da instituição, tivemos nossa imagem exposta, nossa presença na universidade questionada e ainda fomos alvo de chacotas. Tais atos não são incomuns a nós, mas não vamos naturalizar, não foi um mal entendido, foi crime, prescrito na Constituição Federal. Esse é o momento de questionar que universidade queremos, qual é seu papel diante de crimes como esse e reafirmar que a inclusão não é apenas dispor de vagas, precisamos discutir permanência. Fazemos coro a expulsão desses criminosos, não podemos aceitar conviver com pessoas que cometem esse tipo de crime. Que sirva de exemplo, a violência não é apenas física, o racismo não é só o explícito, mas a nossa resistência é certa, casos como esse não serão esquecidos e muito menos abafados.

Toda solidariedade ao parente Nerlei Kaingang e ao seu sobrinho, que Ãgglenẽ e os espíritos da natureza conforte sua alma, nossos Aggõnhka sempre nos protegerão, nós somos povos guerreiros e isso não vai nos silenciar. Isso não vai acabar em branco.

Força! Luta! Resistência! A Universidade vai ser Indígena!

Fonte: Assessoria de Comunicação do Cimi
Share this: