Indígenas denunciam ataque a tiros no tekoha Guaiviry, no MS
Na mesma semana em que ocorreram os violentos ataques que causaram a destruição de um dos acampamentos do tekoha – lugar onde se é – Kurusu Ambá, indígenas denunciam outro ataque de pistoleiros contra o povo Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul, desta vez no tekoha Guaiviry, localizado nos municípios de Aral Moreira e Ponta Porã.
Segundo o relato de uma liderança do tekoha, não identificada por razões de segurança, pelo menos 16 tiros de calibre 12 foram disparados contra os indígenas por homens não identificados na noite de quarta-feira.
“Às oito da noite, apareceram dois Hilux de cor prata, cheio de pessoas dentro, e começaram a disparar. Ninguém foi atingido, mas deixaram um monte de casco de calibre 12. A criançada já está toda ficando tudo com medo”, afirma a liderança.
“A gente não reconheceu ninguém que tava dentro das Hilux, mas vimos que eles foram pra fazenda Querência”, complementa o indígena, referindo-se a uma das fazendas que estão sobrepostas ao território tradicional inígena. Segundo a liderança, após os ataques, os Guarani e Kaiowá viram mais dez carros saindo da fazenda e temem que novos ataques estejam sendo articulados por fazendeiros.
Os indígenas também denunciam que há cerca de 20 dias outro carro com homens armados apareceu na área, fazendo ameaças e perguntando pelo nome de lideranças da comunidade.
Quinta-feira (4) pela manhã, um funcionário da Funai esteve em Guaiviry. Segundo ele, os indígenas guardaram cartuchos dos disparos efetuados contra o acampamento.
Os ataques a Guaiviry aconteceram em sequência à série de ataques contra o tekoha Kurusu Ambá, onde fazendeiros e jagunços atacaram acampamentos nos quais a permanência dos indígenas já foi garantida pela Justiça Federal e pelo Supremo Tribunal Federal (STF) até que o processo demarcatório seja concluído (clique aqui e aqui para saber mais).
A situação de Kurusu Ambá é semelhante à de Guaiviry, onde a Justiça Federal suspendeu um mandado de reintegração de posse contra os indígenas, em outubro de 2015. Na decisão, acatando o entendimento do Ministério Público Federal (MPF), o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) negou o pedido de reintegração dos fazendeiro da Fazenda Três Poderes, uma das que incidem sobre a terra tradicional, e garantiu a permanência dos Guarani e Kaiowá sobre a área até que o estudo de identificação e delimitação do território tradicional seja concluído.
Terra de Nísio Gomes
Em 18 de novembro de 2011, apenas alguns dias após os indígenas retomarem uma área do tekoha Guaiviry sobre a qual está sobreposta a fazenda Nova Aurora, o rezador Nísio Gomes foi assassinado por pistoleiros, em uma emboscada feita por fazendeiros para retirar os Guarani e Kaiowá da região. Além de matarem o rezador Kaiowá, os assassinos levaram seu corpo, que nunca mais foi encontrado.
Após inquérito concluído pelo MPF em 2012, 19 pessoas foram indiciadas pelo homicídio de Nísio Gomes, entre fazendeiros, advogados, o presidente do sindicato rural e Secretário Municipal de Obras do município de Aral Moreira (MS), pistoleiros e vigilantes da empresa de segurança Gaspem, que teria sido contratada pelos fazendeiros para a ação contra os indígenas.
A partir do inquérito, os indiciados passaram a responder por homicídio qualificado, lesão corporal, ocultação de cadáver, formação de quadrilha, porte ilegal de arma de fogo e corrupção de testemunha. O processo ainda corre na Justiça Federal de Ponta Porã.
Morosidade que gera violência
Expulsos da área em nome da expansão agropecuária na década de 60 e enviados para reservas do serviço de proteção ao índio (SPI), os Guarani e Kaiowá reivindicam a demarcação do tekoha Guaiviry desde 2004.
Em 2007, Guaiviry foi uma das áreas que foram objeto de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) celebrado entre o MPF e a Funai com a finalidade de dar andamento aos estudos de identificação e delimitação de diversas terras do povo Guarani e Kaiowá no MS.
Informações do MPF dão conta de que o estudo da terra de Guaiviry pela Funai já teria sido concluído em 2013. Hoje, quase uma década depois do TAC, contudo, o relatório ainda não foi publicado, contribuindo para a insegurança e vulnerabilidade dos Guarani e Kaiowá de Guaiviry.
Fotos: Cimi/MS