“Como a nossa força e organizaçao cresce, eles ficam incomodados”
Ameaçados pelas contínuas perseguições e invasões de madeireiros em seu território, os indígenas do povo Ka’apor, no Maranhão, reafirmam sua disposição de defender o seu território e o seu modo de viver. Em nota produzida durante o encontro sobre educação escolar no Centro de Formação de Saberes Ka’apor, ocorrido na Terra Indígena (TI) Alto Turiaçu, nos dias 21 e 22 de janeiro, os indígenas denunciam as violações que ainda sofrem e explicam sua decisão de fortalecer ainda mais a autogestão e proteção de seus territórios.
A nota, que é assinada pelo Conselho Gestão Ka’apor, relata o histórico de violações que este povo têm sofrido desde que os Karaí – não-indígenas – passaram a impor seu modo de vida às aldeias.
“Comidas e bebidas da cidade, roupas de branco, doencas, ensinaram fazer pastos, criar do jeito dos karai, fazer amizades com karai, vender nossas caças, vender estacas para cerca dos fazendeiros, ensinaram a derrubar e vender madeira de nosso território. A gente foi vendo que tudo isso era para destruir nosso território, nossa vida”, afirmam.
Em 2013, o povo Ka’apor realizou a sua primeira grande assembleia, onde foi debatida a importância da autonomia dos indígenas na gestão de seu território e no fortalecimento de sua cultura, por meio de um acordo de convivência que buscava erradicar “os vícios dos brancos nas aldeias, proteger nosso território, valorizar e fortalecer nosso jeito de ser Ka’apor” (clique aqui e aqui para saber mais).
Segundo os indígenas, a autodefesa de seus territórios e o fortalecimento de sua cultura gerou represálias de madeireiros e poderosos da região. “Como a nossa força e organização cresce, eles ficam incomodados. Agora estão colocando incêndios nos limites de nosso território no tempo do verão, políticos oferecendo presentes falsos para lideranças buscando dividir nossos parentes, madeireiros perseguindo lideranças e apoiadores de nossa luta, organizando invasão de aldeias”.
A nota cita casos recentes de assassinatos, atentados a tiros e invasões a seu território, e se detém sobre o caso mais recente, em dezembro de 2015, que terminou com dois indígenas Ka’apor baleados por madeireiros. Em 19 de dezembro, guardas florestais do povo Ka’apor, que atuam na proteção das matas e do território contra as queimadas e a extração ilegal de madeira, detiveram sete madeireiros do município Zé Doca (MA), encontrados extraindo madeira dentro dos limites da área. A intenção dos indígenas era entregá-los ao Ibama.
Em represália, mais de 20 madeireiros invadiram a aldeia Turizinho e, numa ação extremamente violenta, deixaram dois indígenas baleados.
Conforme a nota do Conselho Ka’apor, além da impunidade dos agressores e invasores, os indígenas sofreram com a criminalização na mídia local e foram acusados injustamente de manter um dos madeireiros como refém. “Os que invadiram a aldeia Turizinho, roubaram nossos equipamentos e materiais de trabalho na mata e atiraram em nossos guardas agroflorestais que estavam identificando focos de incêndios na região da Vitória da Conquista, estão andando livremente na cidade de Zé Doca, inclusive a pessoa que estão dizendo que está desaparecida”.
Os indígenas também questionam a omissão do governo do estado do Maranhão e das prefeituras locais na defesa do território e no combate aos crimes ambientais dos madeireiros. “A gente acha que o governo e as prefeituras estão ganhando dinheiro também com esse tipo de agressão ao nosso território. Muitos políticos da região também apoiam a agressão ao nosso território”.
Conforme a nota do conselho, a resposta dos Ka’apor às violações, invasões e assassinatos – como o de Eusébio Ka’apor, ocorrido em abril de 2015 – ainda recorrentes é reforçar o pacto de convivência estabelecido para fortalecer a cultura e o modo de ser Ka’apor: “vamos continuar respeitando nosso acordo de convivência, nossas formas de organização e decisão para viver em diálogo e na paz”.
Clique aqui para ler a nota do Conselho na íntegra.
Fotos: arquivo Cimi/Ruy Sposati