12ª Romaria Estadual da Terra e das Águas do Maranhão denuncia violações de direitos e desigualdades
Reunidos no município de Chapadinha, no Maranhão, nos dias 17 e 18 deste mês, aproximadamente trinta mil romeiros e romeiras participantes da 12ª Romaria Estadual da Terra e das Águas denunciaram também no documento final “as desigualdades provocadas pelo modo de produção capitalista; um modelo dito de "desenvolvimento" que estimula sonhos e privatiza os lucros; que expulsa e inviabiliza a permanência das comunidades tradicionais, dos povos indígenas, das famílias de camponeses e camponesas, das quebradeiras de coco, dos ribeirinhos, dos praianos nos seus territórios. E abre as portas para o empresariado fechando os olhos para as necessidades do povo”.
Os povos indígenas Krenyê e Kreepym, Gamela e Guajajara, todos do Maranhão, participaram da Romaria e apresentaram as problemáticas vividas por cada um deles, principalmente em relação às questões territoriais, além de denunciarem outras severas violações de seus direitos, inclusive a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215. Eles também fizeram rituais de batizado, protagonizados pelo povo Krenyê.
Leia abaixo o documento na íntegra:
Nós, romeiros e romeiras participantes da 12ª Romaria Estadual da Terra e das Águas, saudamos a todo o povo do Maranhão. Queremos partilhar a riqueza que foi a preparação e a realização desta grande Romaria. Foram doze seminários diocesanos e um estadual, uma cartilha, a produção de um videodocumentário, debatendo e atualizando a problemática da terra e das águas no Estado à luz do novo paradigma que e o Bem Viver para todos os povos.
Denunciamos o agravamento das situações de violação de direitos, de violência, inclusive institucional, das desigualdades provocadas pelo modo de produção capitalista; um modelo dito de "desenvolvimento" que estimula sonhos e privatiza os lucros; que expulsa e inviabiliza a permanência das comunidades tradicionais, dos povos indígenas, das famílias de camponeses e camponesas, das quebradeiras de coco, dos ribeirinhos, dos praianos nos seus territórios. E abre as portas para o empresariado fechando os olhos para as necessidades do povo.
Repudiamos o loteamento do estado para a implantação dos grandes empreendimentos:
– O inonocultivo de eucalipto, soja, cana de açúcar nas regiões do Baixo¬Parnaíba e do sul do Maranhão trazendo como consequências a poluição da Mãe Terra, com a morte e extinção das nossas águas, (rios, córregos, igarapés, lagos, campos inundáveis) e extinção de diversas espécies da fauna e da flora, o trabalho escravo e precarizacão do trabalho, o uso de agrotóxicos afetando as plantações dos pequenos agricultores e sendo consumido por todos através dos alimentos;
– A instalação de grandes empresas de mineração na região da Baixada e no Alto-Turi, ampliando o desmatamento e provocando desastres irreparáveis nos solos e recursos naturais;
– O avanço do agronegócio e da atividade pecuária, aumentando a concentração da terra, os coaflitos agrários, assassinatos de lideranças camponesas, indígenas e quilombolas, a expulsão de comunidades inteiras de seus territórios;
– A duplicação da Estrada de Ferro Carajás, o fortalecimento do polo siderúrgico com a implantação de uma fabrica de celulose na região Tocantina, aumentando os níveis de poluição, de casos de doenças degenerativas, expropriando terras, favorecendo a exploração sexual, o alcoolismo, sobretudo entre a juventudes;
– O avanço sobre as unidades de conservação ambiental, mostrando a mão violenta do Estado que sob o manto da legalidade legitima situações imorais como concessão de licenças ambientais para desmatar e matar rios e animais e, por outro lado, inviabiliza reprodução dos modos de vida de comunidades centenárias, como o que ocorre no Parque de Lençóis Maranhenses, Parque do Mirador no Cerrado, Reserva Biológica do Gurupi, Resex Tauá¬Mirim na zona rural de São Luis;
– A intensificação da invasão de terras indígenas regularizadas com a exploração ilegal de madeira deixando um rastro de destruição, de violência, assassinatos, impedindo a reprodução física e cultural desses povos; e nas terras que estão em processo demarcação existem casos que já duram mais de 10 anos sem resolução. Pior que isso é a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal anulando portarias declaratórias de terras já em fase de regularização, a exemplo da Terra Indígena Porquinhos, no Maranhão, e ainda o que dizer de juízes que dão ordem de despejos sem conhecer a situação da área e da população?
– Nos causa indignação e revolta a opção do atual governo estadual pela implementação do MATOPIBA (anunciado como projeto de modernização agrícola nos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), que irá destruir a última reserva de Cerrado e só atualiza o modelo colonial sobre as comunidades tradicionais, povos indígenas, quilombolas e áreas campesinas;
– A não regularização e reconhecimento dos territórios quilombolas ainda é uma vergonha e um grito que fere os nossos ouvidos, num Estado formado predominantemente pelo povo negro;
– A privatização de áreas de usufruto coletivo inviabilizando os modos de reprodução da vida de comunidades ribeirinhas, de praianos, de quebradeiras de coco, de sertanejos;
– É inadmissível que ainda hoje o Maranhão continue sendo um dos estados da federação que se destaca na exportação de mão-de-obra escrava. Pois, falta perspectiva de trabalho digno, de uma educação de qualidade, de cursos profissionalizantes e de políticas públicas que favoreçam a permanência dos trabalhadores e trabalhadoras no campo e na cidade. Isto atinge, de modo especial, a nossa juventude que vê seus sonhos se tornarem pesadelos.
– Tudo isso impactando no inchaço das periferias, causando o aumento da violência, do tráfico e uso de drogas, consequências da corrupção que desvia recursos públicos, violando direitos, negando políticas públicas, sobretudo de saúde e educação, em pequenas e médias cidades;
Anunciamos que pulsa no povo maranhense uma capacidade impressionante de resistência através da criatividade, da organização, da riqueza cultural, do fortalecimento e reconhecimento das identidades, das espiritualidades e da sabedoria. Somos um povo empobrecido pelas estruturas políticas e econômicas e sociais do Estado, mas um povo rico de vida, de natureza, de cultura e de inteligência e podemos afirmar que o Bem Viver já existe e está presente em muitas experiências, como a autogestão dos territórios, caso do povo indígena Ka’apor e Território Quilombola Rio do Curral, as experiências de economia solidária visibilizada na forca e garra das quebradeiras de coco, a retomada de territórios tradicionais, como do quilombo Charco e Quilombo Cruzeiro, a organização e articulação em teias e diversas redes de povos indígenas, geraizeiros, sertanejos, ribeirinhos, pescadores, quilombolas, quebradeiras de coco, extrativistas e assentados na partilha dos teres e dos saberes. Tudo isso se constitui como o Reino de Deus acontecendo entre nós.
Conclamamos a todos e todas que continuem firmes na luta pela terra, pelas águas e por todos direitos que garantem a dignidade de filhos e filhas de Deus; que denunciemos com coragem as estruturas geradoras de exclusão e desigualdades e não nos calemos nunca diante da injustiça, da violência e da morte; que sejamos capazes de assumir junto com os empobrecidos a defesa da vida e construção da sociedade do Bem Viver.
Que saibamos viver os princípios e valores da solidariedade, da reciprocidade, da acolhida, do respeito, da pluralidade, da construção coletiva e da igualdade nas nossas praticas cotidianas.
"Tire as sandálias, pois este chão é sagrado" (Ex 3, 5)
Chapadinha – Maranhão, 18 de outubro de 2015