Povo indígena Ka’apor integra tecnologia no monitoramento e proteção do seu território tradicional
No final de agosto de 2015, ativistas do Greenpeace trabalharam com 12 lideranças Ka’apor, moradores da Terra Indígena Alto Turiaçu, no norte do Maranhão, para começar a integrar o uso de tecnologia às atividades autônomas de monitoramento e proteção do seu território tradicional. Entre as ferramentas sugeridas e adotadas na ação pelas lideranças Ka’apor estão mapas mais precisos, armadilhas fotográficas e rastreadores via satélite.
Ativadas por sensores de movimento e temperatura, as armadilhas fotográficas têm o intuito de registrar atividade madeireira dentro da TI, como a entrada e saída de caminhões. As câmeras serão instaladas pelos indígenas em locais estratégicos para permitir a captura de imagens de caminhões invadindo o território indígena. De forma complementar, os rastreadores, quando instalados nos caminhões madeireiros, vão permitir monitorar as rotas, fechando o quebra cabeça entre a origem e o destino dos veículos que transportam a madeira obtida ilegalmente da área que deveria ter sua proteção garantida pelo governo. Depois de instalado no caminhão, o aparelho é configurado para enviar informações sobre sua localização a cada cinco minutos. Nas primeiras incursões do grupo para selecionar os pontos de instalação das armadilhas fotográfica já foram identificadas novas estradas clandestinas abertas pelos madeireiros.
Uma das últimas extensões remanescentes de floresta amazônica no estado do Maranhão, a Terra Indígena (TI) Alto Turiaçu sofre intensamente com invasões de madeireiros e caçadores. Até 2014, 8% (quase 41 mil hectares) da Terra Indígena foram desmatados. E, de acordo com dados do DEGRAD (Sistema de Mapeamento da Degradação Florestal na Amazônia Brasileira, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais-INPE), entre 2007 e 2013, 5.733 hectares de floresta foram degradados pela exploração ilegal de madeira dentro da Alto Turiaçu.
A pressão pelos madeireiros sobre as terras do povo Ka’apor não é difícil de entender. Madeireiros abrem estradas e avançam sobre a floresta em busca das espécies nobres de madeira, como o Ipê, cujo metro cúbico processado e exportado pode atingir o valor de até 1.300 euros. Acuados pelo ritmo incessante da devastação, os Ka’apor denunciam desde 2008 as invasões dos madeireiros, uma prática ilegal que é acompanhada também pela violência e mortes.
Cansados de esperar por auxílio na proteção de seu território e de suas vidas, os Ka’apor decidiram defender-se dos madeireiros de maneira autônoma desde 2013. De forma coordenada, lideranças indígenas têm feito a vigilância da terra para evitar maior avanço do desmatamento e a abertura de novos ramais de transporte de madeira ilegal. Ramais e trilhas com maior movimentação de madeireiros e caçadores estão permanentemente ocupados pelos Ka’apor com novas aldeias, ou áreas de proteção, para facilitar a vigilância. Ao todo a TI já conta com 18 aldeias, oito delas criadas nos últimos dois anos em função deste processo.
“A gente faz essas ações porque a nossa realidade é a floresta. É na floresta que está a nossa vida. Sem a floresta, nós não somos os Ka’apor. ‘Ka’apor’ significa ‘moradores da floresta’ e por isso nós estamos defendendo ela”, explica Miraté Ka’apor uma das lideranças envolvidas nas atividades de autovigilância da TI.
Essas ações ajudaram a colocar um freio no avanço da exploração ilegal de madeira, mas geraram represálias, ameaças e perseguições. Muitas aldeias foram invadidas por madeireiros que ameaçam constantemente os indígenas da região. “Como a gente se organizou para expulsar os invasores, agora temos que ter muito cuidado. Isso tornou muito perigoso pra gente sair até a cidade, principalmente por conta desses madeireiros que ficam procurando saber onde é que a gente está”, conta Miraté Ka’apor.
De acordo com o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), quatro índios Ka’apor foram mortos e outros 15 atentados foram sofridos contra suas lideranças nos últimos quatro anos. Em 26 de abril de 2015, Eusébio Ka’apor, uma das lideranças mais ativas no combate ao desmatamento, foi morto com um tiro nas costas. Ele voltava de uma visita ao filho em uma aldeia vizinha à cidade de Santa Luzia do Paruá quando foi abordado por pistoleiros. O crime, apesar das evidências do envolvimento de madeireiros, até hoje não foi devidamente investigado pelas autoridades locais. No início de setembro (01/09), as principais lideranças Ka’apor receberam novas ameaças de morte, em uma clara tentativa de interromper as ações dos indígenas de proteção do território.
A Justiça Federal determinou que a Fundação Nacional do Índio (Funai), a Polícia Federal e o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) apresentassem um plano de fiscalização para a terra indígena e a instalação de postos de segurança fixos no início de 2014. Até o momento, nada foi feito.
"Essas tecnologias aprimoram as atividades autônomas de vigilância e proteção territorial dos Ka’apor e conferem tanto aos índios quanto às autoridades a oportunidade de dar um basta na violência instaurada pelos madeireiros na região", diz Marina Lacorte, da campanha da Amazônia do Greenpeace. "Se com recursos humanos próprios e apoio tecnológico os Ka’apor conseguem fazer a fiscalização e proteção de seu território, por que o Estado não é capaz de fazer o mesmo?”, questiona.
“O governo precisa coibir a invasão de madeireiros na Alto Turiaçu e demarcar todas as terras indígenas brasileiras bem como garantir sua integral e efetiva proteção”, diz Marina. “A superação definitiva do desmatamento e a construção de alternativas viáveis para o desenvolvimento sustentável na Amazônia passam necessariamente pelo fortalecimento da governança e defesa dos direitos dos indígenas e das populações tradicionais, os principais guardiões da biodiversidade amazônica", complementa.
Sobre a campanha ‘Chega de Madeira Ilegal’, do Greenpeace
Desde maio de 2014 o Greenpeace vem expondo o problema da exploração ilegal e predatória de madeira na Amazônia. Uma investigação de dois anos levada à cabo pela organização no estado do Pará revelou que o atual sistema de controle da madeira não é apenas falho, mas alimenta a degradação florestal e o desmatamento. Frequentemente, em vez de conter o crime, ele é usado para ‘acobertar’ madeira produzida de forma predatória e ilegal.
Assim como a certeza da impunidade, a facilidade com que a madeira roubada recebe documentação legítima, e passa a ser vendida livremente no mercado, motiva muitas das invasões às terras indígenas na Amazônia. Além de destruir a floresta, a extração predatória e ilegal de madeira ainda contribui para agravar os conflitos e a disputa pela terra.
“A falta de controle sobre o setor madeireiro e a facilidade que se tem de fraudar o sistema e documentar essa madeira criminosa são dramáticas. Tanto o governo federal quanto os estaduais são responsáveis pela gestão das nossas florestas. Como primeiro passo para uma reforma robusta do sistema de controle de madeira o governo brasileiro deve rever todos os planos de manejo aprovados na Amazônia desde 2006, com processos públicos, transparentes e integrados", diz Marina.