Juiz Kaiut determina mais um despejo contra Guarani e Kaiowá: dessa vez, a Retomada das Mães
Uma ordem de reintegração de posse poderá ser cumprida a qualquer momento contra a Retomada das Mães, tekoha – lugar onde se é – Itaguá, no município de Caarapó, Mato Grosso do Sul. O despejo, expedido pela Justiça Federal de Dourados, será contra 50 famílias Guarani e Kaiowá que vivem em 30 hectares de um território reivindicado como tradicional, na divisa com a Terra Indígena Pindoroky, já delimitada e também sob ordem de reintegração.
O despejo de Itaguá foi determinado pelo juiz Fábio Kaiut Nunes, o mesmo que decidiu por outras três reintegrações, com prazo de execução em andamento: Apika’i, Tey Juçu e Pindoroky. Na mira de Kaiut estão cerca de 200 famílias Guarani e Kaiowá que podem voltar a sobreviver, do dia para a noite, às margens de rodovias no cone sul do MS: entre as cercas das fazendas que transformam em propriedades privadas territórios tradicionais e o asfalto, paisagem de miséria e morte para os Guarani e Kaiowá.
Sobre a situação de Itaguá, a Fundação Nacional do Índio (Funai) entrou com recurso contra o despejo no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), em São Paulo, e aguarda decisão. Nesta quinta-feira, 30, um oficial de justiça esteve na Retomada das Mães para constatar quantos são os Guarani e Kaiowá que estão na área a ser reintegrada ao suposto proprietário. No tekoha, a resistência já começou com rezas e rituais.
Conforme informações da equipe do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) que atua na região, os indígenas são enfáticos: não sairão do tekoha, encravado entre plantações de cana. Com a paralisação do procedimento demarcatório de Pindoroky, os Guarani e Kaiowá não ocupam a totalidade do território. A superpopulação então provoca um quadro societário de confinamento e como não há espaço suficiente para o plantio, passam fome.
A solução, portanto, foi ocupar áreas tradicionais que na verdade compõem um único território, na região: o Tey Kue. A Retomada das Mães, parte desse mosaico caleidoscópico, é assim chamada porque a ocupação foi organizada e executada majoritariamente por mulheres; mães e avós cansadas da situação de miséria e violência. Há cerca de um ano, no início de agosto de 2014, fizeram a retomada e ergueram um acampamento de lona. Resistiram a tudo: ameaças, pistoleiros, fome. Prometem agora resistir à reintegração.
Uma cruz para Denílson
Em fevereiro de 2013, o corpo de Denílson Barbosa, Guarani e Kaiowá de 15 anos, foi encontrado sem vida depois que o jovem, o cunhado e o irmão de 11 anos foram atacados pelo fazendeiro Orlandino Carneiro Gonçalves, de 61 anos, com propriedade incidente no tekoha Pindoroky. Denílson levou um tiro à queima roupa, sem nenhuma chance de defesa, e mesmo sem apresentar o menor perigo contra a integridade física de seu assassino. No local em que o corpo do jovem foi encontrado, está enfincada uma cruz.
Na época, uma Guarani e Kaiowá declarou que as mulheres estavam cansadas de enterrar os próprios filhos – mortos por tiro, fome, suicídio. A cruz para Denílson tornou-se um símbolo para os indígenas. A retomada não tardou. Em busca da Terra Sem Males, enfrentaram pistoleiros e ameaças, pouco mais de um ano depois da morte de Denílson, e agora afirmam que enfrentarão a tentativa da Justiça de despejá-las, junto com suas famílias, de uma terra reduzida e devastada, mas Guarani e Kaiowá.