Indígenas Guarani e Kaiowá retomam nova área de Kurusu Ambá e são atacados por pistoleiros
Um grupo de indígenas Guarani e Kaiowá do acampamento de Kurusu Ambá, no cone sul do Mato Grosso do Sul, realizou na madrugada desta segunda-feira, 22, a retomada de uma área que compõe o território tradicional reivindicado pela comunidade. Dessa vez, os Guarani e Kaiowá ocuparam a sede da fazenda Madama, que incide na terra indígena e alvo de outras retomadas.
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A recuperação territorial ocorreu, conforme lideranças ouvidas pela reportagem, porque a comunidade “não aguenta mais viver debaixo do veneno, com fome e esperando pelo governo”. Segundo Tapé Rendy, assim identificado por razões de segurança, “logo depois que montamos acampamento na retomada, nos atacaram. Pistoleiros atiraram por cima de nossas cabeças, gritaram xingamentos, mas não foi só pistoleiro não”.
De acordo com os Guarani e Kaiowá, policiais do Departamento de Operações de Fronteira (DOF), subordinada à Secretaria de Justiça e Segurança Pública do MS, estavam no local de onde partiam os tiros contra os indígenas. “Vimos pelas roupas deles lá. Com os tiros uma parte foi pro mato, mas voltou já. Ninguém feriu não. Assustou a gente, mas continuamos aqui”, informa Tapé Rendy.
O Ministério Público Federal (MPF), Fundação Nacional do Índio (Funai) e Polícia Federal foram acionados. “O que pedimos aqui é proteção porque temos direito de ter nossa terra, de garantir vida melhor pras crianças. Kurusu Ambá já teve criança que morreu de fome, liderança que morreu de tiro. A Xurite Lopes, então. Mataram ela com tiro pelas costas, feito animal”, lembra Tapé Rendy.
Desde 2007, mais de dez lideranças indígenas morreram durante retomadas no território que abrange o tekoha – lugar onde se é – Kurusu Ambá. A matriarca Xurite Lopes foi uma delas. Todavia, a dezena de mortes não sensibilizou o governo brasileiro: a demarcação de Kurusu segue paralisada e as ameaças contra as atuais lideranças avolumam relatos e denúncias às autoridades e organizações de direitos humanos no Brasil e no exterior. A última foi feita no final do último mês de abril por Elizeu Guarani e Kaiowá em Nova York, durante o Fórum Permanente para Questões Indígenas da Organização das Nações Unidas (ONU). Ao retornar do Fórum, Elizeu sofreu mais uma ameaça de morte.
A fome também é um outro sério problema em Kurusu Ambá. Ilhados por plantações de soja, os indígenas não conseguem plantar e as únicas fontes de água foram poluídas pelos agrotóxicos lançados sobre o monocultivo. Crianças morrem de fome, de doenças geradas pelo contato com o veneno. Por conta disso, enviaram no natal de 2012 uma carta para a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República denunciando o que sofrem. Leia aqui na íntegra. A realidade não mudou. Mais uma retomada ocorreu.
Enquanto isso, a situação da demarcação segue na mesma: um Grupo de Trabalho Técnico (GT) da Funai foi instaurado em 2008. A terra indígena foi identificada pelo órgão indigenista, mas a demarcação não foi adiante. No começo deste mês de junho, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, ao lado da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão da Procuradoria-Geral da República (PGR), visitaram aldeias Guarani e Kaiowá para produção de relatório daquilo que consideram um dos maiores crimes contra os direitos humanos de povos indígenas no mundo.
Histórico de violência de Kurusu Ambá:
– A terra sagrada de Kurusu Ambá trata-se de um território tradicional imemorial do povo Kaiowá e passou a ser reivindicado através de retomadas por parte dos indígenas, a partir de janeiro 2007. Na ocasião, os indígenas foram expulsos de seu território pela ação de pistoleiros. Diversos indígenas foram espancados e tiveram seus corpos baleados e a rezadora Xurite Lopes, uma senhora de mais de 70 anos, foi assassinada.
– No mesmo ano, obstinados por recuperar seu território, os indígenas iniciaram novo processo de retomada e novamente tiveram uma liderança assassinada por pistoleiros. Desta vez, foi o indígena Ortiz Lopes que acabou perdendo a vida na tentativa de devolver aos Kaiowá seu Tekoha.
– Em 2009, durante a terceira tentativa de retomada, com o GT da FUNAI já instaurado, Osvaldo Lopes foi também assassinado.
– A partir deste novo ataque sofrido, os indígenas voltaram a viver em acampamentos de lona ao longo das rodovias e estradas existentes entre Amambai e Coronel Sapucaia em situação completamente desumana, que gerou a morte de uma grande quantidade de crianças.
– Em novembro de 2009, os indígenas retomaram pela 4ª vez o pequeno pedaço de sua terra tradicional, ocupando uma pequena faixa de mato nos limites da reserva legal onde incide a fazenda Maria Auxiliadora. Sofreram processos de reintegração de posse, porém sua permanência foi garantida por decisão do Tribunal Regional Federal (TRF) 3.
– Apesar de estarem dentro dos limites do seu território os indígenas foram mantidos estes últimos anos em uma espécie de confinamento. Com a paralisação dos procedimentos demarcatórios, os Kaiowá ficaram alijados de sua própria terra, sobrevivendo de maneira desumana, sem ao menos terem suas condições básicas de vida supridas.