A força do povo Gamela: “Pensavam que nós éramos matutos, mas nós somos índios”
"Nós vêm pelo raio do sol, nós somos da cidade, das aldeias, levanta a bandeira dos gamela minha gente, nós somos caboclos das aldeias”, grito do povo Gamela
Animados por essa cantoria e ao som do maracá e do tambor, o povo Gamela e os quilombolas da comunidade do Charco, representantes do Movimento das Quebradeiras de Coco do Maranhão (Miqcb) e do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) ocuparam na madrugada do último 15 de abril a MA-014, que liga as cidades de Viana e Matinha, no trecho que corta o território Gamela, comunidade Taquaritiua. O protesto confere mais uma etapa na caminhada dos Gamela, iniciada recentemente.
Com essa manifestação, o povo Gamela se somou à luta de tantos outros povos indígenas pelo Brasil afora e ao Acampamento Terra Livre (ATL), em Brasília, entre os dias 13 e 16 de abril, onde cinco pessoas do povo se juntaram a tantos outros povos do Brasil. As ações ocorreram ainda no escopo da Mobilização Nacional Indígena.
Os Gamela e os quilombolas bloquearam a estrada protestando contra as proposições legislativas que atentam contra os seus diretos constitucionais. São mais de 100 medidas. Também buscaram chamar a atenção à luta do povo Gamela, que a sociedade local e a Funai insistem e manter invisíveis.
O povo Gamela compareceu com muita força e alegria para o protesto na MA-014. Enfrentaram os xingamentos, ao longo do dia: “Cadê índio? Não estou vendo índio aqui”; “vão protestar em Brasília, vão prejudicar quem é culpado”. Ao mesmo tempo, também receberam a solidariedade de pessoas que cruzavam, a pé, a estrada bloqueada.
A Polícia Militar compareceu ao local, perto da hora do almoço, acompanhada do delegado da Polícia Civil de Viana, que cobre toda a região. Eles tentaram desbloquear a estrada. Cau Gamela explicou que se tratava de protesto nacional em defesa dos direitos dos povos indígenas; que os gamela também estavam lutando pela regularização fundiária de sua terra. E completou: “Queremos dizer para a sociedade que não estamos mortos, o povo Gamela vive. Não estamos lutando só por esta comunidade, mas pelo direito nosso e dos quilombolas também”.
O delegado dizia compreender o protesto, mas queria que os indígenas liberassem a estrada ao menos 20 minutos a cada duas horas. Em assembleia, os indígenas e quilombolas decidiram manter bloqueio, dizendo que já estavam respeitando a Constituição deixando passar ambulâncias e outros casos graves. Em coro, cantavam: “Ôê ó senador, eu já mandei te dizer/nós estamos na estrada, tua passagem eu não dou/nós somos os Gamela e somos vencedor”.
Sem sombra de dúvida esse foi um dos momentos mais fortes para esse povo, numa conjuntura de luta plena pelo reconhecimento étnico e territorial. Cada pessoa, mulher, homem, jovem, criança, dos diferentes grupos familiares, se empenharam nessa ação e demonstraram muita força, determinação e uma profunda alegria em lutar em defesa dos seus direitos. Foi muito grande a repercurssão dessa ação realizada pelos Gamela, pois entenderam que deram um passo para frente. Agora não tem mais volta: a luta pelo reconhecido da identidade étnica e a luta territorial são irreversíveis.
Histórico
O povo Gamela retomou a luta pelo reconhecimento étnico e territorial em 2013. Foi um processo interno, de tomada de consciência do quanto essa luta poderia ser difícil, porém necessária. Somente assim poderiam ser respeitados enquanto povo indígena.
Em agosto de 2014 o povo fez sua I Assembleia e nela, amparados pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), se autodeclararam povo Gamela. Dessa Assembleia fez-se uma Ata de Autodeclararão, que foi enviada para a Coordenação Regional da Funai, em São Luís (MA) e Brasília (DF). No mês de novembro, uma delegação do povo esteve na Funai de São Luís, onde falaram das suas necessidades e entregaram a Ata de Autodeclaração, uma vez mais. Essa mesma ação foi feita no Ministério Público Federal (MPF).
O que chama a atenção é que no protesto da MA-104 é que povo reafirma o fato da Funai ter se comprometido a realizar uma visita à comunidade no mês de dezembro de 2014, mas até agora não o fez. Agendaram a data, o povo se preparou e esperou. A comissão da Funai não apareceu sob a alegação de que o veículo da entidade estava na oficina. No último mês de março, informações davam conta de que o veículo seguia nas mãos do mecânico.
Os três meses na oficina e nenhum transporte de substituição revelam que existe por parte do órgão indigenista estatal, no mínimo, má vontade em atender um povo em luta pelo reconhecimento étnico e territorial. Por outro lado, a Funai inoperante é o desejo e favorece as ações dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário em permanente cruzada para desconstruir os direitos dos povos indígenas.