26/01/2015

Após 13 anos, famílias correm risco de despejo do Acampamento Nova Vida, em MG

As 32 famílias do Acampamento Nova Vida, em Novo Cruzeiro, localizado no Vale do Jequitinhonha (MG), correm o risco de despejo caso o pedido de reintegração de posse, marcado para essa segunda-feira (26), se cumpra.

A área de 340 hectares, ocupada há 13 anos, abriga 32 famílias (cerca de 110 pessoas) que produzem alimentos orgânicos, como milho e feijão, para Novo Cruzeiro e outros municípios da região.

Para o coordenador nacional do MST, Enio Bohnenberger, a ordem para de reintegração emitida pelo comando da Polícia Militar de Belo Horizonte, por meio da 3ª Vara Agrícola, é digna de repúdio, uma vez que área já é ocupada há anos e se transformou numa colônia agrícola da região.

“As famílias não vão sair de suas casas e da terra onde trabalharam duramente por anos. Os Sem Terra transformaram essa área num espaço produtivo, construíram estradas de acesso, mata-burros para possibilitar a transposição de córregos e rios, além de casas, área de lazer, centro de reuniões, uma rádio comunitária; isso sem falar do cultivo de policultura, sustentada a partir de cultivares de base, como milho, feijão, mandioca, abóboras e etc”, disse Enio.

Os Sem Terra entraram com uma petição na Vara de Conflitos Agrários da Região para impedir a reintegração. Segundo o coordenador, a prefeitura municipal apóia as famílias acampadas, e entrou com uma segunda petição com o intuito de impedir a reintegração. “Vamos fazer o que for preciso para garantir a permanência de todas as famílias na área”, afirma.

Em nota de repúdio enviada à imprensa, o professor doutor Rogério Fernandes Macedo, da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e do Instituto Brasileiro de Estudos Contemporâneos (IBEC), lembra que governador Fernando Pimentel (PT) pode colocar fim ao drama das famílias.

Para tanto, bastaria que o governo do Estado fizesse valer a ordem da prefeitura de Novo Cruzeiro, que no final de 2014 decretou o Acampamento Nova Vida como sendo área de interesse público, convertida em Colônia Agrícola.

Ele lembra que a prefeitura já dispôs em sua previsão orçamentária os recursos necessários à remuneração do proprietário, bem como a posição do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que já declarou reiteradas vezes interesse em comprar a área e destiná-la à Reforma Agrária.

Até o momento, policiais e helicópteros rondam o local para fazer um mapeamento da área. Não houve conflito direto. O prazo de reintegração se estendeu até quarta-feira (28).

 

Leia a nota na íntegra

 

Nota de repúdio à ordem de reintegração de posse, contra o Acampamento Nova Vida, em Novo Cruzeiro, Minas Gerais, Brasil

 

Há de se repudiar aqui a ordem de reintegração de posse, a ser executada no dia 26 de janeiro de 2014, segunda-feira, contra 32 famílias do MST, que vivem há 13 anos no Acampamento Nova Vida. Esta área está localizada na porção nordeste do Estado de Minas Gerais, na parcela média da Mesorregião do Vale do Jequitinhonha, mais precisamente na cidade de Novo Cruzeiro. Ao longo desses 13 anos, tais famílias lavraram a terra com muito esforço, solidariedade e organização: retirando dela alimentos variados, orgânicos, promotores da saúde e da vida, não só para a cidade de Novo Cruzeiro, mas para dezenas de outros municípios. Ali, pode-se ver exemplo pujante de policultura, sustentada a partir de cultivares de base, tais como milho, feijão, mandioca, abóboras, somados às múltiplas culturas que a imaginação pode sugerir. Além dos alimentos, desde 2001, os trabalhadores estruturaram toda a área, construindo estradas de acesso, mata-burros para possibilitar a transposição de córregos e rios; construíram casas; área de lazer, como campo de futebol; centro de reuniões, onde são decididos coletivamente os destinos de todos; construíram uma rádio comunitária; elaboraram plano de preservação da mata de tipo atlântica, tanto nos topos das chapadas, quanto à 60 metros das margens do Rio Gravatá, embora a legislação exija apenas 30 metros; estabeleceram próximas às residências áreas de cultivo coletivo, que complementa o produto das lavouras principais. A tudo isso, soma-se a profícua atividade apicultora, que rende aproximadamente 70 quilos de mel silvestre, a cada retirada.

É digno de repúdio ignorar que a alta produtividade do Acampamento Nova Vida dá provas definitivas de que a miséria e a fome no Vale do Jequitinhonha e Mucuri são pré-requisitos da riqueza incalculável, acumulada pelos oligopólios dos ramos madeireiros, carvoeiros, químicos, da indústria papeleira, da construção civil, da siderurgia, da mineração, entre outros. Esses promovem com suas atividades destrutivas a destruição da vida, ampliando a miséria e a fome. São proprietários insensíveis à tragédia alheia: não plantam e não deixam plantar, como costumava dizer Darcy Ribeiro.

Como é possível permitir que esses trabalhadores sejam despejados? Se isso ocorrer, todos testemunharão no dia 26 de janeiro de 2015 a tragédia revelar as suas várias faces: 1) a conversão das 32 famílias produtivas (aproximadamente 107 pessoas ao total) em sem tetos, desprovidos de renda, desabrigados; 2) a destruição da vida de aproximadamente 30 crianças e jovens; 3) a possibilidade real de derramamento de sangue, em face da atuação da polícia no cumprimento da ordem de reintegração de posse e da resistência dos trabalhadores, que criaram vínculos fortíssimos ao longo desses 13 anos; consequentemente, 4) a transformação da cidade de Novo Cruzeiro em palco de um conflito social, que pode atingir proporções inéditas; 5) a destruição da lavoura, tão produtiva, que ampliará 6) a crise alimentar que se abate sobre o Vale do Jequitinhonha a séculos; 7) a degradação dos recursos naturais – notadamente florestais e hídricos –, tão bem preservados e geridos pelos trabalhadores rurais; enfim, a lista é infinita, proporcional à dimensão da tragédia que se avista no horizonte.

Esta nota de repúdio registra uma possível rota de saída: basta imediatamente o Governador do Fernando Pimentel, do Partido dos Trabalhadores, colocar fim nesse drama, dando ciência ao Poder Judiciário do Estado de Minas Gerais que a Prefeitura de Novo Cruzeiro decretou, no final de 2014, o Acampamento Nova Vida área de interesse público, convertida em Colônia Agrícola; que a Prefeitura já dispôs em sua previsão orçamentária os recursos necessários à remuneração do proprietário. Que o Incra já declarou reiteradas vezes interesse em comprar a área e destiná-la à Reforma Agrária. Que pare imediatamente o processo de reintegração de posse.

 

Ass: Prof. Doutor Rogério Fernandes Macedo.

Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri – UFVJM.

Instituto Brasileiro de Estudos Contemporâneos – IBEC.

Fonte: Por Maura Silva, do MST
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