Conselho das mulheres Guarani/Kaiowá divulga documento final de assembleia realizada em MS
Mulheres Guarani/Kaiowá, reunidas no 5º conselho Aty Guasu Kunhangue Arandu Ka’aguy, divulgam documento final da assembleia, realizada de 25 a 29 de junho na Terra Indígena Sucuriy, em Mato Grosso do Sul. Uma das deliberações da reunião das mulheres foi o pedido para que a Fundação Nacional do Índio (Funai) retire não índios que morem ilegalmente dentro das aldeias e terras indígenas do Estado. Leia o documento na íntegra:
Documento Final
5º Aty Guasu Kunhangue Arandu Ka’aguy
Nós, mulheres Guarani e Kaiowá de Mato Grosso do Sul, estivemos reunidas em nossa 5º Aty Guasu Kunhangue Arandu Ka’aguy, na Terra Indígena Sucuriy, município de Maracaju, entre os dias 25 e 29 de junho deste ano. Com a presença de lideranças, jovens, rezadores, professores e agentes de saúde para refletir sobre o nosso SER Mulher Guarani e Kaiowá e os problemas e desafios que afetam nossas comunidades.
A falta de nossos territórios tradicionais e suas conseqüências foi unânime nas falas de nossas lideranças, atribuindo à omissão do governo os principais problemas de violência contra nosso povo, enfrentados dentro de nossas áreas.
Temos clareza de que a falta de uma educação diferenciada adequada, torna-se instrumento de dominação de nosso povo. Os Tekoha em áreas de retomadas são os mais prejudicados e mesmo nas aldeias antigas a educação é precária, falta estrutura, contratação de pessoal entre outros fatores.
Avaliamos sobre a saúde indígena e a saúde da mulher indígena, e constatamos que a saúde indígena é a pior do Brasil, precária desde o atendimento básico, da entrega de medicamentos, os agendamentos de consultas e ainda pelo preconceito encontrado nos municípios quando pra lá é levado um de nossos parentes. Os vários relatos que ouvimos levam-nos a afirmar que nosso povo é vítima de um processo de negligência cuja conseqüência é a morte de nossas mulheres, por falta de atendimento básico.
Denunciamos a violência contra a mulher indígena, seja dentro das aldeias ou fora delas, afirmamos que para diminuir esse índice, que atinge também crianças e adolescentes, é necessário um maior acompanhamento desses casos, a ação de prevenção e formação dos indígenas sobre o tema.
Temos consciência da conjuntura indígena Estadual e Nacional, dos projetos de leis que buscam desconstruir nossos direitos, arduamente conquistados e legítimos, e por mais uma vez, anunciamos que não nos renderemos ao avanço dos setores que são contra nossa existência. Nisso, pontuamos que estamos atentos, informados e articulados, sobre todas as iniciativas que visam retirar nossos direitos, seja no Congresso Nacional, seja no Poder Executivo.
Com esperança recebemos em nosso meio a presidente da Associação Juízes para a Democracia (AJD) e Desembargadora em São Paulo, Kenarik Boujikian que nos trouxe uma homenagem feita pelos 270 juízes membros, simbolizada num quadro de Dom Quixote. Num momento em que nossos povos são vítimas de politicagem no judiciário, com os processos de nossas terras que demoram décadas para ser julgados, o gesto da AJD faz nosso povo acreditar que ainda há justiça neste País. Que há juízes comprometidos com a vida dos povos indígenas. Nossa Aty Guasu agradece este gesto, o quadro será sempre um símbolo de resistência e de esperança na incansável luta pela recuperação de nossos territórios e defesa de nossos direitos.
Fez-se presente, a Liga Camponesa Pobres (LCP) e o Movimento Feminino Popular, que, solidários ao movimento indígena, partilharam suas lutas e conquistas.
Contamos com a presença da presidente da Funai, Maria Augusta, que pode ouvir os apelos de nossas mulheres, por respeito e demarcação. As reivindicações de nossas comunidades foram incisivas, exigindo respostas sobre o motivo da paralisação dos processos de demarcação de nossos territórios e como conseqüência o aumento da violência física e legislativa contra nossos povos.
Reafirmamos à presidente da Funai que a Aty Guasu não acredita e não participará mais das mesas de “negociação” do ministro da Justiça, pois acreditamos que esta já se converteu em espaços de negação de direito e de sujeição do processo de demarcação à setores ruralistas antindígenas, que já demonstraram por diversas vezes que não querem negociar, pois ao mesmo tempo em que participam de mesas, atuam na surdina para modificar leis, judicializar os processos no Mato Grosso do Sul, e na formação de milícia armada para atacar nossas comunidades e matar nossas lideranças.
Não aceitamos a ação do ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, que impede, num gesto ilegal, a Funai de continuar com seu dever constitucional em demarcar nossas terras. O ministro brinca com o sangue de nossas lideranças ao nos negar a terra que é nosso direito.
Por isso, exigimos a imediata publicação dos relatórios de identificação dos oito GTs e as assinaturas das portarias declaratórias que estão na mesa do ministro. Caso contrário, responsabilizamos o ministro da Justiça, orientado por sua presidente, pelo sangue derramado em nossa luta pela recuperação de nossas terras. Reafirmamos que, diante da omissão do governo, vamos continuar a retomada de nossos territórios tradicionais.
Queremos ainda, com mais urgência, a instauração do GT de Dourados Pegua. Exigimos urgência neste GT, pois as comunidades que ali se localizam estão sofrendo com o perigo de serem despejadas, ameaçadas e mortas por atropelamentos.
Exigimos também que a Funai dê apoio à Aty Guasu Kunhangue, para fortalecer a luta da mulher indígena na busca pelos nossos direitos, que serão efetivados a partir de nossa organização. E como resultado de nossa organização, exigimos a contratação dos profissionais indígenas para trabalhar em todos os órgãos de atendimento nas áreas de retomadas, pois é fundamental para os Kaiowá e Guarani, bem como reforçamos o pedido de transporte com qualidade para a participação nos Aty Guasu contemplando a presença de nossos rezadores, agente de saúde, professores, lideranças, mulheres, jovens e crianças.
O Aty Guasu Kunhangue Arandu Ka’aguy decidiu que a partir de então não permitirá não índios morar dentro da aldeia, pois a permanência destas pessoas tem trazido muitos problemas, gerando violência, assediando nossas mulheres, implantando igrejas pentecostais que violam nossos ritos tradicionais, ocupam nossas terras e não respeitam nossos costumes agindo com preconceito e racismo, o caso mais grave é nas aldeias de Jaguapirú e Bororó em Dourados. A Funai deve respeitar a decisão da comunidade e retirar estes não índios.
Nosso povo Guarani e Kaiowá não irá desistir da retomada dos nossos Tekoha, que todas as comunidades estão se organizando para voltar aos seus Tekoha, e não mais permitiremos cair na ilusão das negociações feitas pelo governo, que mesmo sobre decisão judicial, se recusa a cumprir com seu dever.
Por fim, pedimos à presidente da Funai, presente nesta Aty Guasu, e que ouviu das próprias crianças e jovens o clamor por demarcação de nossos Tekoha, que leve até a presidente Dilma esse pedido.
Sucuriy, Maracaju/MS, 29 de junho de 2014
Povo Guarani e Kaiowá
Aty Guasu Kunhague
Conselho Aty Guasu