Liderança terena é baleada na perna depois de sofrer terceiro atentado em menos de um ano
Renato Santana,
de Brasília (DF)
O indígena Paulino Terena acabou baleado na perna direita depois que homens não-identificados atacaram a tiros, na madrugada desta segunda-feita,
“Foram muitos tiros. Nunca que eu tinha visto tantos assim. Não vieram para assustar, mas para me matar. Estou bem e não vamos desistir de nossas terras”, conta Paulino. No final da manhã o indígena saiu do hospital de Miranda, onde passou por cirurgia para a retirada do projétil alojado na panturrilha. Ele lembra que acordou por volta das 4h30 com o avô gritando que a aldeia estava sob ataque. Tão logo ouviu os tiros, pulou da cama para a porta da casa.
Antes de abrir a porta, porém, ligou aos guerreiros para que soassem o alarme aos demais. “Quando sai de casa começaram a atirar. Corri na direção do meu carro, mas não consegui tirá-lo do lugar. Eu fiquei com a impressão que um terena tinha sido baleado e então decidi sair do carro. Foi quando um tiro acertou minha perna”, relata Paulino. Conforme os guerreiros terena, os homens estavam em carros e motos, mas não é possível precisar quantos.
Protegido pelos guerreiros, Paulino foi encaminhado ao hospital. Enquanto era atendido, conforme a liderança, caminhonetes usadas pelos fazendeiros e seus capangas passaram a circular pelo entorno do hospital. Com o clima cada vez mais tenso, a polícia foi acionada. “Eu não tenho nada contra ninguém. Não é de hoje que me ameaçam por conta da terra. Minha cabeça tem preço. Para onde eu vou tenho de ir acompanhado”, declara Paulino.
Devido aos atentados e ameaças, a liderança entrou para o Programa Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, do governo federal, que já está tratando do caso e acompanhando o indígena terena. Além da luta pela terra, Paulino também representou o Conselho do Povo Terena em ação judicial movida contra o Leilão da Resistência, evento organizado por políticos ruralistas e fazendeiros para arrecadar dinheiro a ser investido na “segurança” contra as retomadas indígenas.
Incêndios e atentados
Em Miranda a violência contra o povo Terena não começou com a retomada de Pillad Rebuá. Vem de mais tempo e como reflexo da luta dos indígenas por suas terras tradicionais. Em 4 de junho de 2011, um ônibus que transportava cerca de 30 estudantes Terena, a maioria entre 15 e 17 anos, foi atacado com pedras e coquetéis molotov. Seis pessoas, incluindo o motorista, sofreram queimaduras. Quatro foram internadas em estado grave.
A estudante Lurdesvoni Pires, de 28 anos, faleceu, vítima de ferimentos causados pelas queimaduras. Na época, lideranças terena creditaram o ataque a proprietários rurais da região, no contexto da disputa pela demarcação das terras indígenas. No dia 28 de novembro do ano passado, também em Miranda, um ônibus vazio que realizava transporte de alunos terena foi incendiado. Ele fazia o trajeto pela terra indígena Cachoeirinha, também alvo de conflito.
No dia 6 de dezembro do ano passado quatro homens encapuzados atearam fogo no carro do indígena depois de emboscada. Tentaram atear fogo em Paulino, que fugiu para o mato entre os tiros dos pistoleiros. Três dias depois a casa do indígena foi arrombada. Paulino denunciou à Polícia, Funai e Ministério Público Federal (MPF) as sucessivas ameaças de morte que vinha recebendo. No último mês, durante a 4a. Assembleia do Povo Terena, a comunidade de Pillad entregou uma carta ao Conselho Terena, relatando que "[fazendeiros] querem a cabeça dele [Paulino] como troféu".
Histórico
Os 2,2 mil indígenas Terena de Pillad Rebuá, até as retomadas, viviam em 94 hectares, divididos em duas aldeias, Moreira e Passarinho. Pillad teve o primeiro registro de reconhecimento pelo Estado em 1904. Um processo de demarcação teve início em 1950, mas não seguiu.
Em outubro do ano passado, cerca de 300 indígenas do povo Terena retomaram duas propriedades localizadas dentro de Pillad, exigindo que fosse instituído o Grupo de Trabalho (GT) para finalizar o processo de identificação e demarcação da terra indígena, cuja dimensão apontada nos laudos iniciais da Fundação Nacional do Índio (Funai) é de 10.400 hectares.
Em 10 de novembro, ainda em 2013, este grupo de Terena que realizou a retomada foi atacado por homens armados,
Dois dias depois, fazendeiros expulsaram à tiros indígenas que haviam retomado parte de uma outra fazenda que também incide sobre a área reivindicada como a terra indígena Pillad Rebuá. Um trator pertencente à comunidade também foi incendiado. Ninguém ficou ferido.