Diante de fraude na saúde, indígenas do sul da Bahia cobram soluções
Na semana em que veículos da imprensa denunciaram um amplo esquema de corrupção e fraude envolvendo a saúde indígena em vários estados do Brasil, uma delegação de 46 lideranças indígenas do sul da Bahia – um dos estados envolvidos – esteve nesta semana em Brasília a fim de demandar investigação sobre os contratos de saúde indígena, assim como soluções para os diversos problemas estruturais desta área. Composto por caciques e lideranças dos povos Pataxó, Tupinambá e Tuxá, o grupo também reivindicou o arquivamento da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215, do Projeto de Lei Complementar (PLP) 227 e da Portaria 303, além de reivindicar a finalização dos processos de demarcação da terras tradicionalmente indígenas localizadas na região.
O cenário da saúde indígena no Brasil é cada vez mais desolador. Enquanto indígenas continuam morrendo por falta de postos de saúde, infraestrutura e até medicamentos básicos, um esquema de fraude de licitações milionárias do Ministério da Saúde, envolvendo contratos da Saúde Indígena, veio à tona nos últimos dias e oito pessoas foram afastadas do ministério. ”Pra gente o que estão fazendo é roubo na saúde indígena. Queremos a exoneração do Antonio Alves porque o contrato foi elaborado por ele, pelo ex-ministro Alexandre Padilha e pela diretora do Dsei na Bahia, a Nancy”, denuncia Adenilton Tuxá, coordenador do Movimento dos Povos e Organizações Indígenas do estado da Bahia (Mupoiba).
Uma auditoria identificou oscilação de até R$ 10 mil nos preços pagos para locação de veículos em distritos indígenas. Em nota, o Ministério da Saúde confirmou ter constatado uma oscilação considerável nos preços pagos para as locações de veículos em diferentes estados, como no caso do aluguel de caminhonetes. “Estamos preocupados com a questão do contrato milionário. Contrato que não teve participação alguma dos indígenas. Se o ministério fizesse as coisas com transparência, não precisávamos estar aqui”, aponta o cacique Antonio Pataxó.
Enquanto o Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) de Rondônia pagava R$ 10.558,33 por mês por cada carro, o Dsei de Cuiabá pagava R$ 20.500,73. A diferença também era constatada no aluguel de vans. Na Bahia, o aluguel era de R$ 20.220,00. No Mato Grosso, de R$ 25.302. O Ministério ainda afirma que além da diferença nos valores pagos, “identificou falhas no contrato para locação de veículos firmado pelo Dsei” e que as contratações estão sendo investigadas pela Controladoria Geral da União (CGU).
“Queremos melhoria na qualidade da saúde. Enquanto os grandes estão aí roubando, nossa comunidade está precisando de medicamento básico que não temos e transporte, pois o que há não é suficiente para atender a demanda da comunidade. Eles planejam aqui em Brasília e jogam lá nas aldeias de qualquer jeito. Depois que a Sesai (Secretaria de Saúde Indígena) veio, as coisas só pioraram”, afirma Aratikun Pataxó.
Os indígenas tinham uma audiência marcada com o ministro da Saúde, Arthur Chioro, às 11h do dia 13 de março, porém não foram recebidos pelo mesmo. Somente no final da tarde, por volta das 17h, após fazendo protestos a tarde toda no Ministério da Saúde, eles foram recebidos pelo secretário Especial de Saúde Indígena, Antonio Alves. “Sou um servidor público de carreira e fui designado para coordenar essa secretaria. Estava muito bem na outra, quando o presidente Lula me designou. A Sesai não é só Brasília, mas também os distritos. Porque se for pra tudo na Bahia ser resolvido pela Sesai, não precisa de Dsei na Bahia. Quem coordena a compra de medicamentos, dos veículos, as equipes para aonde vão, não é o Antonio Alves, mas o coordenador distrital do Dsei na Bahia”, se defendeu Antonio Alves na tumultuada reunião.
Disputa pela terra
O crescimento vertiginoso da violência no sul da Bahia, causado por fazendeiros que ocuparam as terras tradicionais, também foi denunciado ao longo da semana pelos Pataxó, Tupinambá e Tuxá. No dia 11, após 3 horas de espera por uma, bastante rápida, reunião com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, os caciques e lideranças indígenas repetiram as demandas que já haviam sido apresentadas aos assessores de Cardozo durante o dia: a finalização dos processos demarcatórios das terras indígenas Tupinambá de Olivença, Coroa Vermelha, Mata Medonha e Barra Velha.
Também denunciaram ao Ministério da Justiça e à Procuradoria Geral da República (PGR) a barbárie cometida contra os Tupinambá da aldeia Encanto da Patioba. No dia 7 de março, 18 jagunços fortemente armados incendiaram todas as 28 casas da comunidade e espancaram cinco indígenas, entre eles dois idosos. Nesse sentido, a delegação presente em Brasília solicitou que a Funai finalmente crie o Grupo Técnico para a identificação da Terra Indígena Tupinambá de Itapebi.
No dia 12, as lideranças pediram apoio dos parlamentares para barrar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215 que transfere a competência de demarcação de terras indígenas do Executivo para o Legislativo e se posicionarem contra a ofensiva ruralista sobre os direitos constitucionais indígenas.