Conselho Terena: “Não iremos recuar um palmo do território que retomamos!”
Carta aberta do Conselho Terena
HÁNAITI HO’ÚNEVO TÊRENOE
Conselho do Povo Terena
Nós, lideranças Terena representantes de nossas comunidades, vimos a público denunciar e repudiar o “agrobanditismo” que impera no estado do Mato Grosso do Sul – e conta com o silêncio e conivência do Estado brasileiro. Na foto, carro da liderança Paulino Terena incendiado depois de atentado sofrido pelo indígena no município de Miranda (MS).
O Conselho do Povo Terena e Conselho Aty Guasu Guarani e Kaiowá se insurgiram contra o “Leilão da Resistência” e conseguiram uma liminar favorável, que suspendeu este instrumento financiador do genocídio. No entanto, a Famasul e Acrissul, valendo-se de manobra processual sórdida, conseguiram, no calar da noite, uma decisão liberando o leilão.
Primeiramente, é no mínimo estranho que a Acrissul e Famasul, diante de uma decisão suspendendo o leilão, não terem recorrido ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região para reverter a decisão. Para nós, é notório que houve pressão das elites ruralistas sobre os magistrados de primeira instância de Mato Grosso do Sul.
A curta vitória da suspensão do leilão foi histórica. Pela primeira vez, os povos indígenas de Mato Grosso do sul foram para o embate jurídico direto por meio de advogados constituídos para isso, com fundamento no artigo 232 da Constituição Federal, que garante que os indígenas e suas organizações possam, em nome e direito próprio, defenderem seus direitos na Justiça.
Resolvemos não esperar pelo Ministério Público Federal (MPF), Funai ou ONGs, como esperavam os ruralistas. Entramos nesse embate decididos a não assistir mais de braços cruzados as atrocidades cometidas pelos “coronéis” e “famílias elitistas” que se consideram os donos deste estado.
Repudiamos o “agrobanditismo” que impera no Mato Grosso do Sul!
Nosso estado registra o maior índice de lideranças indígenas mortas em contexto de conflito fundiário. Na maioria dos casos, há envolvimento direto das ditas empresas de segurança privada (estas que os ruralistas pretendem financiar com o dinheiro do leilão) ou serviço de pistolagem ilegal. Citamos alguns de nossos mortos:
• Cacique Marcos Veron, 72 anos, assassinado em 13.01.2003 (Ação Penal no 2003.60.02.000374-2, 1a Vara Federal de Dourados, MS);
• Dorival Benites, 36 anos, assassinado em 26.06.2005 (Ação Penal no 2005.60.06.000984-3, 1a Vara Federal de Naviraí – MS);
• Dorvalino Rocha, 39 anos, assassinado em 24.12.2005 (Ação Penal no 2006.60.05.000152-9, 1º Vara Federal de Ponta Porã/MS);
• Xurite Lopes, 73 anos, assassinada em 09.01.2007 (2007.60.05.00157-1, na 1º Vara Federal de Ponta Porã/MS);
• Ortiz Lopes, 46 anos, assassinado em 08.07.2007 (Inquérito Policial nº. 046/2007 na Polícia Civil de Coronel Sapucaia – MS);
• Oswaldo Lopes, assassinado em 29.05.2009;
• Genivaldo Vera e Rolindo Vera, assassinados em 29.10.2009 (Inquérito Policial nº. 181/2009. Polícia Federal de Naviraí);
• Teodoro Ricarde, assissanado em 27.09.2011;
• Nísio Gomes, assassinado em 18.11.2011 (Inquérito Policial nº. 0562/2011 PF/Ponta Porã).
• Oziel Gabriel, assassinado em 30/05/2013 – vítima da violência do estado.
A utilização de “milícias” para matar índio não é novidade nem invenção de nossas lideranças. Isto sempre existiu neste estado. A única diferença é que agora resolveram declarar isso publicamente.
Denunciamos o atentado de morte impetrado contra a liderança Paulino da aldeia Moreira. Paulino é liderança Terena e integrante do Conselho do Povo Terena. No dia que saiu decisão suspendendo o leilão, ele estava na Justiça Federal. No mesmo dia à noite, ele foi atacado em sua aldeia: homens encapuzados jogaram gasolina
Mas nós, lideranças indígenas, não iremos recuar!
O leilão ocorreu – mas sob condicionantes impostas pela Justiça Federal. A farra do agrobanditismo deve acabar neste estado. Não permitiremos que as ações dos ruralistas aconteçam com a conivência e tranquilidade que estão acostumados.
Repudiamos todos os parlamentares estaduais e federais que participaram e apoiam as ações criminosas,
Se a bancada Federal tivesse interesse em contribuir na solução do conflito, não apoiaria o leilão, mas fariam emendas federais para garantir recursos para o Fundo Estadual de Apoio à Regularização de Terras Indígenas (Fepati), criado pela Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul.
Conclamamos a sociedade civil para tomar lado nesta tragédia anúnciada; para que se libertem dos mandos e desmandos dos coronéis deste estado e lutarmos juntos em busca do bem viver.
Não iremos recuar um palmo do território que retomamos!
É hora da retomada!
Povo Terena,
Povo que se levanta!
Conselho do Povo Terena,08 de dezembro de 2013.