Professor indígena é baleado em área reivindicada pelo povo Pataxó
Patrícia Bonilha,
de Brasília
Na manhã de hoje (25), por volta das 5h30, um grupo de mais de 200 indígenas Pataxó que há nove dias ocuparam uma área reivindicada por eles foi surpreendido por quatro homens armados que deflagraram disparos de armas de fogo. Na tentativa de proteger algumas crianças, o professor indígena José Marcos Rodrigues da Silva, de 28 anos, foi atingido no braço direito, na altura do ombro. Levado às pressas para o hospital regional de Porto Seguro (BA), ele foi informado que a bala atravessou o seu braço e saiu do outro lado. Após receber os procedimentos médicos necessários, ele teve alta à tarde. Denominada de Gleba C, esta área ocupada ficou de fora do processo de demarcação da Terra Indígena Coroa Vermelha, finalizado em 1998.
Segundo Karuãs Pataxó, presidente da Associação da Aldeia Arueira, era ainda muito cedo quando quatro homens numa caminhonete mitsubish vermelha, com placa do município de Eunápolis, chegaram na área onde os indígenas estão acampados procurando o cacique Nengo. Os indígenas que estavam ali naquele momento pediram para eles descerem para conversar com o cacique. “Eu achei que eram agentes da justiça. Quando estava saindo, escutei os tiros. Eles estavam com colete à prova de balas, munidos de pistola e submetralhadoras. Fizeram sete disparos. Alguns indígenas se jogaram no chão, outros correram para o mato, as crianças começaram a chorar. E o professor José Marcos foi atingido quando entrou na frente de algumas crianças. Daí, eles atravessaram as barreiras de madeira que tínhamos feito e entraram em uma mata da empresa Veracel”, conta o cacique Nengo.
As polícias Federal (PF) e Militar (PM) se deslocaram para a área, recolheram as capas das balas (calibre 380) e afirmaram que iniciaram um processo de investigação. Os indígenas afirmam que as fazendas vizinhas estão cheias de pistoleiros. “Não são pessoas conhecidas por nós e não são trabalhadores. É gente que veio de fora para nos intimidar”, afirma Karuãs. Ele e o cacique Nengo afirmam que os indígenas já vinham recebendo ameaças desde a semana passada. “O filho do fazendeiro, Lino Miguel Rosa Junior, levou duas vezes a Polícia Florestal para ameaçar a gente. Foi um grande desrespeito. A própria polícia arrebentou a cancela com o carro e afirmaram que estávamos envolvidos com o corte e venda de madeira, o que não é verdade”, garante o cacique. Dos 1.492 hectares da Terra Indígena Coroa Vermelha, 827 estão preservados, segundo Karuãs. Nesta semana, os indígenas ouviram tiros na mata, o que consideram uma explícita forma de intimidação a eles.
As lideranças garantem que a situação que já estava tensa na área, piorou com o ataque realizado na manhã de hoje. “Apesar de não termos armas como eles, não vamos nos intimidar. Se o governo e a justiça não agirem rapidamente, é provável que vai ter alguma morte aqui porque achamos que os pistoleiros, a mando dos fazendeiros, vão voltar”, prevê o cacique Nengo. Ele afirma que mais indígenas estão chegando para fortalecer o movimento de resistência. Preocupa também o fato de que estão acampados na área mais de 60 crianças, vários idosos e alguns doentes. Karuãs afirma que já solicitaram à coordenação da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) atendimento aos doentes, mas até agora não houve qualquer manifestação da Sesai neste sentido.
Histórico
Em 1998, a TI Coroa Vermelha foi homologada com um total de 1.493 hectares. No entanto, as glebas C e D ficaram de fora dos estudos de demarcação feitos na época. Em setembro de 2005, a Funai criou um Grupo de Trabalho para avaliar a revisão de limites da área, requisitada de modo a englobar, como território tradicional, a Gleba D, com as áreas de Nova Coroa e Tapororoca, dentre outras, localizadas nos municípios de Santa Cruz Cabrália e Porto Seguro. Esta revisão encontra-se em processo de conclusão de relatório antropológico pela Funai.
Em relação à Gleba C, onde há mais de 10 anos estão localizadas as aldeias Juerana e Arueira, após a realização de levantamento de terras, benfeitorias e avaliação de bens pela Funai, foi acordado que será feita a aquisição das terras pelo Estado por interesse social para uso do povo Pataxó e repassadas as comunidades indígenas. Atualmente, a área está sendo usada por três fazendas, uma delas, a de Lino Miguel Rosa, com plantação de café.
No dia 12 de abril de 2012, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, enviou à presidente Dilma Rousseff, o projeto de decreto para a desapropriação do imóvel rural, com superfície de 2.299 hectares. Segundo o ofício assinado pelo ministro, “Os recursos destinados ao pagamento dos imóveis incidentes na área objeto da desapropriação são decorrentes da União, Ação de Demarcação e Regularização de Terras Indígenas”. No dia 09 de outubro deste ano, indígenas Pataxó estiveram reunidos com o ministro Cardozo. “Ele afirmou que o caso está sendo avaliado e que em novembro esta questão estaria resolvida. Mas diante das ameaças que começamos a sofrer, só nos restou a alternativa de ocupar a área. Não queremos conflito, queremos agilidade no processo de requisição das terras. A partir daí, vamos iniciar a recuperação das áreas que foram totalmente desmatadas”, adianta o cacique Nengo.
Segundo Karuãs, a população na TI Coroa Vermelha, incluindo as aldeias Juerana e Arueira, é atualmente de 9 mil indígenas. Até as 20h30 de hoje, lideranças indígenas dos povos do sul da Bahia, Pataxó, Tupinambá e Pataxó Hahahãe, estavam em reunião com o ministro Cardozo, em Salvador. Os indígenas demandam a conclusão definitiva das demarcações de suas terras tradicionais na região. “Foi aqui na Bahia que os portugueses chegaram no Brasil há 513 anos. Depois de cinco séculos, ainda somos mutilados e temos nosso sangue derramado em busca do reconhecimento de nossos direitos. Apesar de todas as nossas dificuldades, vamos continuar a resistir o tempo que for preciso”, conclui Karuãs Pataxó.