Caciques e lideranças Munduruku denunciam intervenção do governo federal para forçar construção de usina
Por Renato Santana,
de Brasília (DF)
Depois de intervenção protagonizada pelo Poder Público de Jacareacanga, município ao sul do estado do Pará, caciques e lideranças afirmam, em nota pública, que o povo Munduruku seguirá contrário à construção de usinas hidrelétricas no rio Tapajós, cujas águas cortam o território indígena e se barradas inundarão aldeias, áreas de subsistência e locais sagrados do povo.
Para as lideranças Munduruku, o governo federal e demais grupos interessados, que usam a prefeitura e os vereadores para dividir o povo e facilitar a entrada do projeto de usina hidrelétrica no Tapajós. “Querem colocar pessoas que são a favor (da usina) para ter o controle. Fizeram reunião para enviar relatório ao governo”, denuncia Jairo Saw, porta-voz do cacique geral Munduruku.
No último dia 3, uma reunião para avaliar o movimento de resistência aos projetos da usina foi convocada. Cerca de 83 caciques desceram das aldeias para Jacareacanga. “A pauta dizia que era para avaliar os últimos acontecimentos do movimento. Era para fortalecer a luta contra os grandes projetos e a organização dos Munduruku de uma forma geral”, explica Saw.
Porém, o prefeito da cidade, Raulien Queiroz, filiado ao PT, policiais fortemente armados, vereadores e assessores políticos garantiram a inversão da pauta: o encontro passou a ser para mudar a direção da Associação Pusuru. Capangas proibiam registros fotográficos, quem chegasse era revistado e faixas contra o projeto hidrelétrico foram proibidas de serem abertas.
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A Associação Pusuru se tornou um dos principais instrumentos do povo Munduruku de mobilização contra empreendimentos hidrelétricos nos rios da Amazônia. Entre abril e maio, os Munduruku ocuparam por duas vezes o principal canteiro da UHE Belo Monte, no rio Xingu, e em junho realizaram manifestações em Brasília e detiveram a ação de técnicos que trabalhavam no interior do território indígena para preparar relatório ambiental em prol da construção da usina. Protestaram também na Câmara dos Vereadores de Jacareacanga, reivindicando um posicionamento contrário dos edis ante o projeto hidrelétrico do governo federal.
Todas as ações foram criticadas pelo prefeito durante a reunião, sem possibilidade de defesa por parte dos Munduruku. “Os caciques e lideranças não foram permitidos de falar e o tempo estava restrito em poucos minutos. Não existe isso em nossas reuniões. A maioria não entendeu o que estava sendo discutido, porque era para se discutir outra coisa”, destaca Jairo Saw. Na nota, o movimento aponta que o golpe foi dado por políticos da cidade que visam acabar com a resistência ao projeto hidrelétrico, mas que “não conseguiram acabar porque somos maioria”.
Maria Leusa Munduruku acabou retirada da Associação Pusuru, da qual era vice-presidente. Passou cerca de dois meses fora da aldeia, entre as ocupações ao canteiro de Belo Monte e as mobilizações de Brasília. Sempre foi contra a usina e presenciou o secretário de Assuntos Indígenas de Jacareacanga ameaçando de que não garantiria o combustível dos barcos para a volta das lideranças às comunidades se as faixas contra a usina não fossem retiradas. “O cacique com quem ele falava se intimidou. Eram muitos policiais, capangas. Fomos todos pegos de surpresa”, afirma.
Estratégia que vem de cima
Não é a primeira vez que o Poder Público de Jacareacanga é usado como via de acesso para a imposição de projetos nas terras Munduruku, aquém às vontades e opiniões do povo. Em agosto de 2011, representantes da empresa Celestial Green, ligada ao mercado de carbono e REDD, se reuniram com vereadores para assinar um contrato que concedia direitos de uso absoluto das terras indígenas à empresa durante 30 anos. Os Munduruku não aceitaram, denunciaram às autoridades e negaram qualquer trato.
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Para Jairo Saw, a situação presente não é diferente: o governo federal age pelo Poder Público local para impor o projeto de usina nas terras do povo. “A ideia do governo é acabar com a nossa cultura, dividir o povo e fazer a integração social do índio na sociedade que o governo controla. Se o Munduruku está reagindo é para manter a cultura; se o povo se aquietar é porque desapareceram as tradições e a língua”, explica o assessor do cacique geral.
Outro ponto destacado por Saw é o local da reunião. Para ele, a armação começa quando foi decidida a cidade para o encontro. “Eles (prefeito e vereadores) tinham medo de que acontecesse nas aldeias e as lideranças se revoltassem com a atitude dos vereadores. Em Jacareacanga eles podiam chamar a polícia a qualquer momento, intimidando os caciques e lideranças”, analisa Saw. O encontro foi arcado, segundo a liderança, pelos próprios gestores municipais. Dos 83 caciques presentes, apenas seis tiveram direito a fala.
Num outro sentido, as lideranças Munduruku apontam a ingerência dos vereadores indígenas. Saw explica que mesmo que eleitos com votos Munduruku, os parlamentares indígenas não representam o povo e tampouco podem falar e decidir pelo povo, tal como aconteceu na questão do contrato com a Celestial Green e agora no caso da construção da usina. A decisão dos Munduruku é uma só: contra qualquer usina nos rios da Amazônia, sobretudo no Tapajós.
“Então eles precisam respeitar isso. Governo federal tem que discutir com a gente, nossa opinião é que vale. Da outra vez foi a mesma coisa: Paulo Maldos (da Secretaria Geral da Presidência da República) se reuniu com os vereadores, enquanto os caciques ficaram esperando por ele na aldeia Sai Cinza”, frisa Saw.
Os vereadores indígenas alegaram que o movimento Munduruku, em suas ações, sobretudo na retirada dos técnicos do interior da terra indígena, “passa por cima” do cacique geral. Saw rechaça a acusação: “Assessoro o cacique geral e ele acompanha o movimento de resistência, assim como os outros caciques. Inclusive ele esteve presente aqui em Jacareacanga para que os guerreiros mantivessem o controle e ele ter como orientar”.
Nota pública do movimento Munduruku: