07/08/2013

Caso dos seis Guarani Kaiowá presos irá para Justiça Federal

Por Ruy Sposati,

de Dourados (MS)


Foto: Ruy Sposati/Cimi/MSA Justiça Estadual do Mato Grosso do Sul reconheceu sua incompetência para julgar o caso de conflito fundiário que, em abril, levou seis indígenas Guarani Kaiowá à prisão, no município de Douradina, sul do estado. Eles foram detidos após um policial militar reformado ter invadido a aldeia e atirado contra os indígenas, atingindo João da Silva na cabeça. Houve luta corporal e o agressor faleceu na ambulância. João foi preso em flagrante no hospital enquanto recebia atendimento. Dois meses depois, outros seis indígenas foram acusados de homicídio qualificado, e cinco indígenas foram presos durante as investigações da Polícia Civil.


O pedido de deslocamento de competência havia sido impetrado no início de julho pelos advogados dos Kaiowá, em 2 de julho. "Na investigação, a polícia civil alegava que o conflito que levou o policial à morte e seis indígenas à prisão era uma briga entre vizinhos por conta de uma cerca elétrica", conta um dos advogados do caso, o indígena Terena e assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Luiz Henrique Eloy. "Nós entendíamos que não, que lá existe todo um conflito envolvendo a questão territorial e o direito coletivo de acesso e posse da comunidade às suas terras. Por estarmos tratando de direitos indígenas, compete à Justiça Federal, e não à Estadual julgar o caso. E agora o juiz estadual também reconheceu isso", explica.


O PM reformado tem uma propriedade rural dentro da Terra Indígena Lagoa Rica/Panambi, cujo processo de demarcação ainda não foi concluído, apesar dos estudos antropológicos de identificação e delimitação já terem sido publicados no Diário Oficial da União.


Após a prisão em flagrante de João, a defesa dos acusados entrou com um pedido de liberdade provisória na Justiça Estadual de Itaporã, onde corria o caso. Segundo relatos dos advogados, o pedido demorou a ser apreciado, visto que a comarca estava sem juiz e promotor. O Ministério Público Estadual deu parecer contrário à liberdade, alegando desconhecer a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) – tratado internacional assinado pelo Brasil em 2004 e que garante uma série de direitos aos povos indígenas, tendo assim efeitos de lei nacional como qualquer outra. O pedido foi então indeferido pela Justiça.


"Emboscada"


Convidados a depor na investigação do caso, no dia 12 de junho, os outros cinco indígenas – um deles não fora encontrado na ocasião – se apresentaram às autoridades da 1a. Delegacia de Polícia Civil de Dourados. Quando chegaram ao local, foram surpreendidos com voz de prisão do delegado. Em seguida, foram levados aos presídios de Dourados – no caso de Vanilton Gonçalves, Sérgio da Silva e Samuel Gonçalves -, e para o presídio feminino de Jateí – no caso de Ifigeninha Hirto e Elane Hilton.


No dia seguinte às prisões, a defesa dos indígenas entrou com um pedido de Habeas Corpus para que todos os presos fossem libertados, alegando incompetência da Justiça Estadual. Os advogados alegaram ainda ausência dos requisitos da prisão preventiva, considerando que todos eram réus primários, não tinham antecedentes criminais e possuíam residência fixa. Também foi exigida a aplicação da Convenção 169, que prevê formas distintas ao encarceramento de indígenas.

 

Quase um mês depois, a Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça concedeu por unanimidade, no dia 8 de julho, o Habeas Corpus ordenando a liberação dos Kaiowá. A ordem deveria ter sido cumprida imediatamente, mas a Justiça de Itaporã levou cinco dias para enviar os alvarás de soltura ao presídio. Em função disso, os advogados protocolaram uma denúncia na Corregedoria da Justiça, que abriu um procedimento sobre o caso. João ficou três meses encarcerado – os outros cinco, quase um mês.


Morte


No dia 12 de abril, um cabo reformado da Polícia Militar (PM) invadiu a cavalo o acampamento Ita’y Ka’agurussu, na Terra Indígena Lagoa Rica/Panambi, município de Douradina, Mato Grosso do Sul. Armado com revólver e facão, Arnaldo Alves Ferreira efetuou seis disparos contra os Guarani Kaiowá, acertando o indígena João da Silva na cabeça. O PM possuía um terreno dentro da área identificada como terra indígena, a cerca de 300 metros da aldeia.


Os indígenas já haviam registrado Boletim de Ocorrência denunciando Arnaldo às autoridades, em função de outra violência praticada por ele contra a comunidade dois dias antes, e previam um ataque mais violento por parte do PM.


No Acampamento Ita’y Ka’agurussu, localizada no Município de Douradina, a cerca de 50 Km de Dourados/MS, residem 70 famílias indígenas Guarani Kaiowá. Há décadas, a comunidade lida com intenso conflito em razão da disputa de terras.  


Em dezembro de 2011, a Funai publicou relatório antropológico que identificou 12,1 mil hectares do território tradicional como Terra Indígena Panambi-Lagoa Rica. A terra do PM reformado fica dentro da área identificada.

 

Leia mais sobre o caso:

Demarcação inconclusa de terra indígena provoca invasão, conflito e morte no MS 



Fonte: Assessoria de Comunicação - Cimi
Share this: