“O governo tem que tomar posição”, cobram indígenas sobre conflito no MS
Por Ruy Sposati,
de Dourados (MS)
Foi adiada a reunião do grupo de trabalho de indígenas, fazendeiros e poder público, criado para encontrar saídas para os conflitos fundiários em Mato Grosso do Sul. O governo federal havia anunciado que nesta segunda-feira, 5, apresentaria um conjunto de propostas para solucionar a não-demarcação de terras indígenas no estado. O encontro, articulado pela Secretaria Geral da Presidência da República, foi remarcado para quarta-feira, 7, em Brasília. Indígenas Terena, Kadiwéu, Kaiowá e Guarani reforçam que ainda esperam uma proposta positiva do Governo Federal.
O grupo de trabalho foi formado após o assassinato de Oziel Terena na reintegração de posse da Fazenda Buriti, em Sidrolândia – hoje em posse dos indígenas -, seguido do assassinato do Kaiowá Celso Figueiredo, em Paranhos, e da prisão de seis indígenas na terra indígena Lagoa Rica-Panambi, no município de Douradina.
"Mesmo com adiamento, vamos continuar respeitando o prazo e aguardar a resposta do governo. Não vamos aceitar outro prazo, mas com esse nós estamos comprometidos”, afirma a liderança do Conselho do Aty Guasu Guarani e Kaiowá, Celso Alziro. "A gente espera que dessa vez o governo resolva a questão da demarcação. E só existe uma solução, que é demarcar, garantir a nossa terra".
Apesar da urgência, os indígenas não tem a ilusão de que todos os problemas serão resolvidos num curto espaço de tempo, mas esperam um conjunto de propostas efetivas do governo para que todas as demarcações das terras reivindicadas sejam realizadas. "Sabemos que não tem como resolver tudo ‘de pancada’. O que nós queremos é um cronograma completo", aponta Lindomar Terena, do Conselho do Povo Terena. "Na reunião, nós seremos bem ousados quanto às propostas. O que nós queremos é uma coisa concreta. E o governo estadual vai ter que acatar a decisão".
Aty Guasu
Para os Guarani e Kaiowá, sua sobrevivência em acampamentos e reservas tornou-se insustentável. Confinados em pequenas reservas ou submetidos à intensa vulnerabilidade nos acampamentos, os Guarani e Kaiowá sofrem diariamente com a insegurança nas retomadas de territórios onde incidem fazendas, com a falta de alimentos e de acesso a saúde e educação. Na última grande assembleia Guarani e Kaiowá, rezadores e rezadoras escreveram uma carta à sociedade, creditando o "fim do índio" à não-demarcação da terra: "para toda essa cultura [indígena] continuar viva nós precisamos da terra. Essa cultura funciona com a terra. Não temos como viver assim na beira de uma estrada nem num canto de uma fazenda. Enquanto não tiver a terra, não tem como viver (…) Os Tekoa’ruvixa [rezadores] mais velhos estão envelhecendo e morrendo e queriam que já tivessem voltado tudo no tekoha. Querem entrar na terra, ainda vivo, para morrer no tekoha deles, onde morreram os nossos avôs. Não dá mais para esperar".
Propostas
As áreas mais conflituosas poderão ser priorizadas, dizem as lideranças. No entanto, os representantes indígenas afirmam que não aceitarão propostas que não contemplem todo o problema fundiário do estado – e também do país. "Essas propostas tem que servir também como modelo para a questão indígena nos outros estados do Brasil", indica Celso.
Uma proposta ventilada durante as reuniões do grupo de trabalho versava sobre o arrendamento de terras indígenas onde há fazendas incidentes. Rechaçada pelas organizações do agronegócio, que defendem a indenização integral das propriedades, a proposta também será recusada pelos indígenas, caso seja apresentada. "Eles falaram de arrendar essas áreas [de conflito], pagar para o fazendeiro pro indígena poder continuar na terra. Nós não estamos de acordo. Como é que eles vão arrendar uma coisa que é nossa? Arrendar não é solução, não é tomar posição. O governo tem que tomar posição", conclui Lindomar.
A reunião em Brasília acontecerá no mesmo dia em que lideranças indígenas de todo o estado se encontrarão com o indiano Salil Shetty, secretário geral da Anistia Internacional. A organização visitará áreas de confinamento e conflito na região de Dourados (MS).