Carta Pública da Bancada Indígena da CNPI na 20ª Reunião Ordinária
Carta Pública dos Povos Indígenas do Brasil
A
Excelentíssima Senhora Maria Augusta
Presidente da Comissão Nacional de Politica Indigenista – CNPI e demais
Membros Governamentais
Excelentíssima Presidenta e demais membros do Governo Federal,
Nós lideranças indígenas de distintos povos e organizações das diferentes regiões do Brasil, presentes na reunião preparatória da bancada indígena da CNPI – que além da presença dos membros dessa comissão reuniu mais 25 dirigentes da Articulação Nacional dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) -, vimos por meio dessa reiterar o nosso posicionamento e as reivindicações expressas pelos representantes do movimento indígena em reunião com a Presidenta Dilma Rousseff no último dia 10 de julho. Também solicitamos que sejam feitos os encaminhamentos necessários por parte do Governo Federal frente ao que foi acordado na referida reunião, pois diante das constantes investidas contra os direitos dos povos indígenas tão duramente conquistados na Constituição de 1988 é necessário que o mesmo defina ações concretas no sentido de conter os ataques contra os nossos direitos.
Desse modo, representando os 305 povos indígenas diferentes falantes de 274 línguas distintas e uma população aproximada de 900 mil habitantes:
– Reiteramos o nosso rechaço à acusação de que somos empecilhos ao desenvolvimento do país numa total desconsideração à nossa contribuição na formação do Estado Nacional brasileiro, na preservação de um patrimônio natural e sociocultural invejável, inclusive das atuais fronteiras do Brasil, das quais os nossos ancestrais foram guardiões natos, contrariamente aos que nos acusam de ameaçarmos a unidade e integridade territorial e a soberania do nosso país.
– Repudiamos toda a série de instrumentos político-administrativos, judiciais, jurídicos e legislativos, que buscam destruir e acabar com os nossos direitos conquistados com muita luta e sacrifícios há 25 anos, pelos caciques e lideranças que nos antecederam, durante o período da constituinte.
– Somos totalmente contrários a quaisquer tentativas de modificação nos procedimentos de demarcação das terras indígenas atualmente fomentados por setores do governo, principalmente pela Casa Civil e a Advocacia Geral da União (AGU), visando atender a pressão e interesses dos inimigos históricos dos nossos povos, invasores dos nossos territórios, hoje expressivamente representados pelo agronegócio, a bancada ruralista, as mineradoras, madeireiras, empreiteiras, entre outros.
– Não admitiremos retrocessos na garantia dos nossos direitos, por meio de iniciativas legislativas que poderão condenar os nossos povos a situações de indesejável miséria, genocídio, etnocídio e conflitos imprevisíveis como já se verifica em todas as regiões do país, principalmente nos estados do Sul e no Estado de Mato Grosso do Sul.
– Rechaçamos a forma como o governo quer viabilizar o modelo de desenvolvimento priorizado, implantando a qualquer custo, nos nossos territórios, obras de infra-estrutura nas áreas de transporte e geração de energia, tais como, rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, usinas hidroelétricas, linhas de transmissão, desrespeitando a nossa visão de mundo, a nossa forma peculiar de nos relacionar com a Mãe Natureza, os nossos direitos originários e fundamentais, assegurados pela Carta Magna, pela Convenção 169 da OIT e pela Declaração da ONU sobre os direitos dos Povos Indígenas.
– Reafirmamos nosso posicionamento de não discutir a regulamentação da Convenção 169 da OIT enquanto o Governo Federal não revogar definitivamente a Portaria 303 da AGU – que atenta contra a referida convenção -, e conclamamos as organizações não-governamentais, movimentos sociais e toda a sociedade civil que nos apoiem nessa decisão.
– Também não aceitamos a proposta de criação de uma Secretaria que reúna a FUNAI com a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), prejudicando o papel diferenciado de cada órgão.
REIVINDICAÇÕES
Diante deste manifesto, expressamos as seguintes reivindicações:
2. Reivindicamos o mesmo procedimento para a PEC 237/13 que visa legalizar o arrendamento das nossas terras, do PL 1610|96 de Mineração
3. Que o Governo fortaleça e dê todas as condições necessárias para que a Fundação Nacional do Índio – FUNAI cumpra devidamente o seu papel na demarcação, proteção e vigilância de todas as terras indígenas, cujo passivo ainda é imenso em todas as regiões do país, mesmo na Amazônia onde supostamente o problema já teria sido resolvido. Não admitimos que a FUNAI seja desqualificada nem que a Embrapa, Ministério da Agricultura e outros órgãos, desconhecedores da questão indígena, venham avaliar e supostamente contribuir nos estudos antropológicos realizados pelo órgão, com objetivo claro de atender interesses políticos e econômicos, como fizera o último governo militar ao instituir o famigerado “grupão” do MIRAD, para “disciplinar” a FUNAI e “avaliar” as demandas indígenas.
4. Que seja realizado em caráter de urgência no âmbito da CNPI – garantindo a participação efetiva da APIB – o mapeamento e a definição de prioridades e metas concretas de demarcações de terras indígenas.
5. Exigimos a revogação de todas as Portarias e Decretos que ameaçam os nossos direitos originários e a integridade dos nossos territórios, a vida e cultura dos nossos povos e comunidades:
5.1. Portaria 303, de 17 de julho de 2012, iniciativa do poder Executivo, por meio da Advocacia Geral da União (AGU) que estende equivocadamente a aplicação para todas as terras a aplicabilidade das condicionantes estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da demarcação da terra Indígena Raposa Serra do Sol (Petição 3.388/RR), que ainda não transitou em julgado.
5.2. Portaria 2498, de 31 de outubro de 2011, que determina a intimação dos entes federados para que participem dos procedimentos de identificação e delimitação de terras indígenas, visto que o Decreto 1.775/96 já estabelece o direito ao contraditório.
5.3. Portaria Interministerial 419 de 28 de outubro de 2011, que restringe o prazo para que órgãos e entidades da administração pública agilizem os licenciamentos ambientais de empreendimentos de infra-estrutura que atingem terras indígenas.
5.4. Decreto nº 7.957, de 13 de março de 2013. Cria o Gabinete Permanente de Gestão Integrada para a Proteção do Meio Ambiente, regulamenta a atuação das Forças Armadas na proteção ambiental e altera o Decreto nº 5.289, de 29 de novembro de 2004. Com esse decreto, “de caráter preventivo ou repressivo”, foi criada a Companhia de Operações Ambientais da Força Nacional de Segurança Pública, tendo como uma de suas atribuições “prestar auxílio à realização de levantamentos e laudos técnicos sobre impactos ambientais negativos”. Na prática, isso significa a criação de instrumento estatal para repressão militarizada de toda e qualquer ação de povos indígenas, comunidades, organizações e movimentos sociais que decidam se posicionar contra empreendimentos que impactem seus territórios.
6. Reivindicamos também políticas públicas específicas, efetivas e de qualidade, dignas dos nossos povos que desde tempos imemoriais exercem papel estratégico na proteção da Mãe Natureza, na contenção do desmatamento, na preservação das florestas e da biodiversidade, e outras tantas riquezas que abrigam os territórios indígenas:
– No âmbito do Ministério da Saúde: diante do atual quadro de precariedade do atendimento à saúde dos povos indígena pela Secretaria Especial de Saúde Indígena -SESAI solicitamos a efetivação da autonomia dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas para a superação dos distintos problemas de gestão, falta de profissionais, de concurso específico para indígenas, plano de cargos e salários, de assistência básica nas aldeias, entre outros. Entre as atuais ocorrências de precariedade e desrespeito aos povos indígenas gostaríamos de solicitar que sejam verificadas as situações dos estados do Maranhão e do Pará.
– No âmbito do Ministério da Educação e da FUNAI: considerando que há um aparato legal que garante aos povos indígenas uma educação especifica e diferenciada exigimos que sejam retomadas a proposta da criação de um sistema próprio para a educação escolar indígena com a participação dos membros da CNPI E CNEEI-MEC; enquanto não for criado esse sistema próprio que a legislação vigente seja respeitada e implementada com o efetivo acompanhamento da aplicação dos recursos na educação básica, inclusive fomentando a formação dos indígenas para contribuir na fiscalização desses recursos. Que haja uma permanente assessoria às organizações indígenas, aos Estados e municípios para garantir os recursos disponibilizados através do PAR Indígena. Que sejam efetivados os territórios etnoeducacionais; Exigimos também que seja aplicada imediatamente a Lei 11.645, que trata da obrigatoriedade da inclusão nos currículos escolares do ensino da história e da diversidade indígena do Brasil. Também reivindicamos que a FUNAI cumpra o acordo de manter o que já vinha sendo apoiado pela Instituição até o MEC assumir o apoio à formação superior indígena.
– No âmbito do Ministério do Meio Ambiente: a instalação do Comitê Gestor da PNGATI e de outros programas específicos na área de sustentabilidade para os nossos povos, com orçamento próprio.
– Que seja priorizada a imediata criação do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), cujo Projeto de Lei Nº 3571/08 não foi até hoje aprovado na Câmara dos Deputados, para que assim se possa avançar na normatização, articulação, implementação e fiscalização de outras políticas que nos afetam.
7. Reivindicamos ainda do Governo, o cumprimento dos acordos e compromissos assumidos no âmbito da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), entre eles o relacionado à tramitação e aprovação do Estatuto dos Povos Indígenas no Congresso Nacional. E também o cumprimento da agenda de reuniões e seminários acordados para 2013.
Considerando o contexto de muitos protestos pelo país inteiro, manifestamos a nossa solidariedade a outras lutas e causas sociais e populares que almejam como nós um país diferente, plural e realmente justo e democrático. Nos manifestamos também pela regularização e proteção das terras quilombolas, territórios pesqueiros e de outras comunidades tradicionais, e pela “não urgência” do PL do novo marco regulatório da mineração, com o intuito de assegurar a participação da sociedade civil na discussão deste tema tão estratégico e delicado para o Estado brasileiro.
Reafirmamos por tudo isso, a nossa determinação de fortalecer as nossas lutas, continuarmos vigilantes e dispostos a partir para o enfrentamento político, arriscando inclusive as nossas vidas, mas também reiteramos a nossa disposição para o diálogo aberto, franco e sincero, em defesa dos nossos territórios e da Mãe Natureza e pelo bem das nossas atuais e futuras gerações, em torno de um Plano de Governo para os povos indígenas, com prioridades e metas concretas consensuadas conosco.
Convocamos, por fim, os nossos parentes, lideranças, povos e organizações, e nossos aliados de todas as partes do Planeta, para que juntos evitemos que a extinção programada dos nossos povos aconteça.
Brasília-DF, 24 de julho de 2013.