Carta Pública dos Povos Indígenas do Brasil à presidenta da República Dilma Rousseff
Em reunião realizada com a presidente da República na tarde de hoje, 10, lideranças e organizações indígenas da APIB e distintos povos do Brasil reivindicam do governo, a construção de uma agenda positiva, com compromissos e metas concretas para atender as demandas dos povos indígenas.
A seguir, íntegra da carta entregue à presidente da República.
Carta Pública dos Povos Indígenas do Brasil à presidenta da República Dilma Rousseff
À
Excelentíssima Senhora
Dilma Rousseff
Presidenta da República Federativa do Brasil
Brasília-DF
Estimada Presidenta:
Nós lideranças indígenas de distintos povos e organizações indígenas das diferentes regiões do Brasil, reunidos nesta histórica ocasião com a vossa excelência no Palácio de Governo, mesmo em número reduzido, mas o suficientemente informados e profundamente conhecedores, mais do que ninguém, dos problemas, sofrimentos, necessidades e aspirações dos nossos povos e comunidades, viemos por este meio manifestar, depois de tão longa espera, as seguintes considerações e reivindicações, que esperamos sejam atendidas pelo seu governo como início da superação da dívida social do Estado brasileiro para conosco, após séculos de interminável colonização, marcados por políticas e práticas de violência, extermínio, esbulho, racismo, preconceitos e discriminações.
Estamos aqui, uma pequena mas expressiva manifestação da diversidade étnica e cultural do país, conformada por 305 povos indígenas diferentes falantes de 274 línguas distintas com uma população aproximada de 900 mil habitantes conforme dados do IBGE. E em nome desses povos que:
– Reiteramos o nosso rechaço à acusação de que somos empecilhos ao desenvolvimento do país numa total desconsideração da nossa contribuição na formação do Estado Nacional brasileiro, na preservação de um patrimônio natural e sociocultural invejável, inclusive das atuais fronteiras do Brasil, das quais os nossos ancestrais foram guardiães natos. Contrariamente aos que nos acusam de ameaçarmos a unidade e integridade territorial e a soberania do nosso país.
– Repudiamos toda a série de instrumentos político-administrativos, judiciais, jurídicos e legislativos, que buscam destruir e acabar com os nossos direitos conquistados com muita luta e sacrifícios há 25 anos, pelos caciques e lideranças que nos antecederam, durante o período da constituinte.
– Somos totalmente contrários a quaisquer tentativas de modificação nos procedimentos de demarcação das terras indígenas atualmente patrocinados por setores de seu governo, principalmente a Casa Civil e Advocacia Geral da União (AGU), visando atender a pressão e interesses dos inimigos históricos dos nossos povos, invasores dos nossos territórios, hoje expressivamente representados pelo agronegócio, a bancada ruralista, as mineradoras, madeireiras, empreiteiras, entre outros.
– Não admitiremos retrocessos na garantia dos nossos direitos, por meio de iniciativas legislativas
que poderão condenar os nossos povos a situações de indesejável miséria, etnocídio e conflitos imprevisíveis como já se verifica em todas as regiões do país, principalmente nos estados do Sul e no Estado de Mato Grosso do Sul.
– Rechaçamos a forma como o governo quer viabilizar o modelo de desenvolvimento priorizado, implantando a qualquer custo, nos nossos territórios, obras de infra-estrutura nas áreas de transporte e geração de energia, tais como, rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, usinas hidroelétricas, linhas de transmissão, desrespeitando a nossa visão de mundo, a nossa forma peculiar de nos relacionar com a Mãe Natureza, os nossos direitos originários e fundamentais, assegurados pela Carta Magna, a Convenção 169 e a Declaração da ONU.
Reivindicações
Diante deste manifesto, expressamos as seguintes reivindicações:
2. Reivindicamos o mesmo procedimento para a PEC 237/13 que visa legalizar o arrendamento das nossas terras, do PL 1610/96 de Mineração
3. O Governo deve fortalecer e dar todas as condições necessárias para que a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) cumpra devidamente o seu papel na Demarcação, proteção e vigilância de todas as terras indígenas, cujo passivo ainda é imenso em todas as regiões do país, mesmo na Amazônia onde supostamente o problema já teria sido resolvido. Não admitimos que a FUNAI seja desqualificada nem que a Embrapa, Ministério da Agricultura e outros órgãos, desconhecedores da questão indígena, venham a avaliar e supostamente contribuir nos estudos antropológicos realizados pelo órgão, só para atender interesses políticos e econômicos, como fizera o último governo militar ao instituir o famigerado “grupão” do MIRAD, para “disciplinar” a FUNAI e “avaliar” as demandas indígenas.
4. Para a demarcação de terras indígenas propomos a criação de um Grupo de Trabalho, com participação dos povos e organizações indígenas no âmbito do Ministério da Justiça e da Funai para fazer um mapeamento, definição de prioridades e metas concretas de demarcação.
5. Não aceitamos a proposta de criação de uma Secretaria que reúna a FUNAI com a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), prejudicando o papel diferenciado de cada órgão.
6. Exigimos a revogação de todas as Portarias e Decretos que ameaçam os nossos direitos originários e a integridade dos nossos territórios, a vida e cultura dos nossos povos e comunidades:
6.1. Portaria 303, de 17 de julho de 2012, iniciativa do poder Executivo, por meio da Advocacia Geral da União (AGU) que estende equivocadamente a aplicação para todas as terras a aplicabilidade das condicionantes estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do caso Raposa Serra do Sol (Petição 3.388/RR), que ainda não transitou em julgado.
6.2. Portaria 2498, de 31 de outubro de 2011, que determina a intimação dos entes federados para que participem dos procedimentos de identificação e delimitação de terras indígenas, sendo que o Decreto 1.775/96 já estabelece o direito do contraditório.
6.3. Portaria Interministerial 419 de 28 de outubro de 2011, que restringe o prazo para que órgãos e entidades da administração pública agilizem os licenciamentos ambientais de empreendimentos de infra-estrutura que atingem terras indígenas.
6.4. Decreto nº 7.957, de 13 de março de 2013. Cria o Gabinete Permanente de Gestão Integrada para a Proteção do Meio Ambiente, regulamenta a atuação das Forças Armadas na proteção ambiental e altera o Decreto nº 5.289, de 29 de novembro de 2004. Com esse decreto, “de caráter preventivo ou repressivo”, foi criada a Companhia de Operações Ambientais da Força Nacional de Segurança Pública, tendo como uma de suas atribuições “prestar auxílio à realização de levantamentos e laudos técnicos sobre impactos ambientais negativos”. Na prática isso significa a criação de instrumento estatal para repressão militarizada de toda e qualquer ação de povos indígenas, comunidades, organizações e movimentos sociais que decidam se posicionar contra empreendimentos que impactem seus territórios.
7. Reivindicamos também do Governo Brasileiro políticas públicas especificas, efetivas e de qualidade, dignas dos nossos povos que desde tempos imemoriais exercem papel estratégico na proteção da Mãe Natureza, na contenção do desmatamento, na preservação das florestas e da biodiversidade, e outras tantas riquezas que abrigam os territórios indígenas.
– Na saúde, efetivação da Secretaria Especial de Saúde Indígena e os Distritos Sanitários Especiais Indígenas, para a superação dos distintos problemas de gestão, falta de profissionais, de concurso específico para indígenas, plano de cargos e salários, de assistência básica nas aldeias, entre outros.
– Na Educação, que a legislação que garante a educação específica e diferenciada seja respeitada e implementada, com recursos suficientes para tal e que seja aplicada imediatamente da Lei 11.645, que trata da obrigatoriedade do ensino da diversidade nas escolas.
– Na área da sustentabilidade, instalação do Comitê Gestor da PNGATI e de outros programas específico para os nossos povos, com orçamento próprio.
– Para a normatização, articulação, fiscalização e implementação de outras políticas que nos afetam, criação imediata do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), cujo Projeto de Lei (3571/08) não foi até hoje aprovado na Câmara dos Deputados.
8. Reivindicamos ainda do Governo, o cumprimento dos acordos e compromissos assumidos no âmbito da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), relacionados com a tramitação e aprovação do Estatuto dos Povos Indígenas no Congresso Nacional.
9. Considerando que esta reunião com a Vossa Excelência acontece no contexto de muitos outros protestos pelo país inteiro, manifestamos a nossa solidariedade a outras lutas e causas sociais e populares que almejam como nós um país diferente, plural e realmente justo e democrático. Pela também regularização e proteção das terras quilombolas, territórios pesqueiros e de outras comunidades tradicionais, e pela não urgência do PL do novo marco regulatório da mineração, para assegurar a participação da sociedade civil na discussão deste tema tão estratégico e delicado para a nação brasileira.
10. Reafirmamos por tudo isso, a nossa determinação de fortalecer as nossas lutas, continuarmos vigilantes e dispostos a partir para o enfrentamento político, arriscando inclusive as nossas vidas, mas também reiteramos a nossa disposição para o diálogo aberto, franco e sincero, em defesa dos nossos territórios e da Mãe Natureza e pelo bem das nossas atuais e futuras gerações, em torno de um Plano de Governo para os povos indígenas, com prioridades s e metas concretas consensuadas conosco.
11. Chamamos, por fim, aos nossos parentes, lideranças, povos e organizações, e aliados de todas as partes, para que juntos evitemos que a extinção programada dos nossos povos aconteça.
Brasília-DF, 10 de julho de 2013.
APIB – ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL