Em defesa da Constituição Cidadã, em defesa dos direitos dos Povos Indígenas
Nota Pública
Nós, abaixo-assinados, vimos manifestar publicamente a profunda preocupação de que os direitos afirmados na Constituição de 1988, com justa razão chamada de “Constituição Cidadã”, sejam destituídos.
Por ocasião da aprovação da Constituição, o capítulo sobre os povos indígenas foi considerado por muitos como o capítulo mais avançado deste texto, por finalmente reconhecer os direitos dos povos indígenas às suas terras ancestrais.
Temos assistido, nos últimos meses, a uma série de medidas tomadas pelo governo, no sentido de impedir que os indígenas defendam seus direitos e conservem suas terras.
Ainda em 2012, o governo editou a Portaria 303, da Advocacia Geral da União (AGU), que permite passar por cima da Constituição e liberar as terras indígenas para a exploração mineral e obras públicas sem precisar ouvir as comunidades indígenas afetadas. Diante dos questionamentos e protestos dos povos indígenas, a portaria foi suspensa.
Em março deste ano o governo federal publicou o decreto 7.957, que dá poderes ao próprio governo federal, através de seus ministros de Estado, para convocar a Força Nacional em qualquer situação que avaliem necessário. Logo em seguida a Força Nacional foi enviada para a região onde se pretende construir o complexo Hidrelétrico do Tapajós e, pouco depois, para Belo Monte, para retirar os cerca de 200 indígenas de oito etnias diferentes, que ocupavam o canteiro de obras da usina.
A ocupação do canteiro pelos indígenas tem como objetivo pressionar o governo para regulamentar e implementar o direito de consulta livre, prévia e informada, previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Congresso Nacional. O governo, entretanto, tentou, por meio de nota da Secretaria Geral da Presidência da República de 6 de maio, desqualificar a manifestação indígena, levantando suspeitas e acirrando o clima de preconceito e criminalização daqueles cujos direitos deveria defender.
Além disso, o governo federal já estuda submeter a definição de áreas indígenas a pareceres da Embrapa, dos ministérios da Agricultura e Pecuária e do Desenvolvimento Agrário e chegou a suspender a demarcação de reservas indígenas no Paraná.
A Ministra Chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, por sua vez, declarou, no dia 8 de maio, na Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados que “não podemos negar que há grupos que usam os nomes dos índios e são apegados a crenças irrealistas, que levam a contestar e tentar impedir obras essenciais ao desenvolvimento do país, como é o caso da hidrelétrica de Belo Monte”.
E acrescentou: “O governo não pode concordar com propostas irrealistas que ameaçam ferir a nossa soberania e comprometer o nosso desenvolvimento”. O governo federal atende, desta forma, os interesses expressos no Congresso Nacional, onde há uma campanha contra os direitos das comunidades tradicionais e indígenas, configurada na PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 215, engendrada pela bancada ruralista, para transferir as atribuições constitucionais do poder executivo para o legislativo no que se refere ao reconhecimento dos territórios indígenas e quilombolas; e na proposta de CPI da FUNAI, cujo objetivo é questionar os processos demarcatórios realizados ou em curso.
Tais atitudes e declarações não condizem com o status reconhecido aos povos indígenas pela Constituição Brasileira. Já não é a primeira vez que os povos indígenas são acusados de prejudicar o "progresso" do país e que, sob pressão do agronegócio, das mineradoras ou de megaprojetos – que defendem um tipo de "desenvolvimento", fortemente danoso aos povos da região e ao meio ambiente -, se busca liberar terras indígenas da proteção que hoje a Constituição oferece.
Em 1988, encerraram-se os trabalhos da Constituinte e foi promulgada a Constituição Cidadã que, superando finalmente a legislação do regime autoritário, afirmou solenemente uma série de direitos, entre os quais, os direitos dos povos indígenas. As medidas que vêm sendo tomadas e as propostas de emenda constitucional em discussão significam um retrocesso na luta pelos direitos humanos em nosso país e o regresso a uma etapa que não podemos aceitar.
Exigimos o respeito à Constituição Federal.
Exigimos o respeito aos direitos dos povos indígenas.
Entidades que assinam esta nota:
Abong – organizações em defesa dos direitos e bens comuns
AFES – Ação Franciscana de Ecologia e Solidariedade
Articulação Popular São Francisco Vivo
Capina – Cooperação e Apoio a Projetos de Inspiração Alternativa
CEBI – Centro de Estudos Bíblicos
CENEG-GO – CENTRO DE CIDADANIA NEGRA DO ESTADO DE GOIAS
Cesep Bahia
CIMI – Conselho Indigenista Missionário
Comissão Pastoral da Terra (CPT)
Comissão Pastoral da Terra Amapá (CPT-AP)
Comissão Pastoral da Terra Bahia (CPT-BA)
Comissão Pastoral da Terra do Ceará (CPT-CE)
Comissão Pró-Índio de São Paulo (CPI-SP)
Espaço Comartilharte
FASE Bahia
Fórum Permanente de Cidadania de Colinas
Fundação Centro de Ecologia e Integração Social – Fundação CIS
Iser Assessoria – Rio de Janeiro
Jubileu Sul Brasil
Ong Resgatando o Futuro da Biodiversidade – BIOFUTURO
PACS – Políticas Alternativas Cone Sul
Pastoral da Ecologia da Arquidiocese de São Paulo
Quebradeiras de coco babaçu e o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu – MIQCB
REGEAMA – Rede de Gestão Ambiental do Maranhão
SERPAJ BRASIL
Unicafes Nacional
Indivíduos
Adelson Freitas Araújo
Ana Amelia
Ana Cleide Conceição da Silva – Coordenação do FCColinas
Antonio Canuto
Carolina Maria Heliodora de Goes Araujo Feijo Braga
Célia Regina Ody Bernardes – Juíza Federal Substituta, Brasília/DF
Dimas Fonseca Pereira
Dina Pereira da Silva – Conselheira Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional do Maranhão
Eliel Freitas Jr
Ermelinda Maria Dias Coelho – Conselheira da Ouvidoria da Defensoria Pública do Estado do Maranhão
Filipe Duarte
José Wasensteiner
Lori Luci Brandt Dalla Porta – Ong Resgatando o Futuro da Biodiversidade – BIOFUTURO
Maria Jalva Costa Braga – Assistente social, Pará
Maria L. de Castro Fisher
Nadja Faraone
Nilton de Almeida
Prof. Pedro de Almeida Costa
Pierina German Castelli
Raimundo Nonato Barroso Oliveira – Conselheiro Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional do Maranhão e, Presidente do Conselho Comunitário de Segurança de Colinas, Conselheiro da Ouvidoria da Defensoria Pública do Estado do Maranhão;
Roberto T. Trogiani Filho – Consultor em Gestão Ambiental
Ruben Siqueira – CPT Bahia
Walter Santos