Informe nº1067: Basta de destruição dos nossos direitos e da Mãe Terra
Manifesto da II Assembleia dos Povos Indígenas de Goiás e Tocantins
Ouvimos a voz indignada de uma anciã que perdeu sua netinha, ainda na barriga da mãe, e o gemido de dor de nossas crianças adoecidas nas aldeias. Ouvimos os relatos de ameaças e violências contra nosso povo. Ouvimos os parentes detalhar sobre o avanço do agronegócio e das florestas de eucalipto nas terras indígenas. Ouvimos sobre a lentidão do governo federal em garantir os direitos assegurados pela Constituição Federal, como a terra, acesso à saúde, educação e consulta prévia. Ouvimos a verdade por trás das mentiras que os brancos tentam nos impor. Nessa verdade está nosso horizonte.
Há 513 anos apareceram, em nosso horizonte, as caravelas dos colonizadores. Nos impuseram seu mundo e nos chamaram de selvagens, mas eles é que mataram milhões de indígenas. Porém, percebemos que os brancos seguem tentando nos impor seu Estado, sua cultura e seus interesses econômicos sobre as terras tradicionais que nos restam e nosso modo de viver e olhar sobre o mundo. No parlamento, são cerca de 90 proposições, entre projetos de lei e propostas de emendas à constituição, que tratam diretamente dos povos indígenas. O interesse do branco é grande em destruir nossas terras e retirar nossos direitos.
Destacamos algumas dessas proposições. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215 visa transferir do Executivo para o Legislativo a demarcação e homologação de terras indígenas, quilombolas e áreas de proteção ambiental. Sabemos que os ruralistas possuem a maior bancada da Câmara Federal e se essa PEC 215 for aprovada, nunca mais teremos demarcações no país. Outro projeto que nos preocupa é o PL 1610, sobre mineração em terras indígenas. Enquanto o Estatuto do Índio se mantém parado, esse PL vai promover um verdadeiro leilão de nossas terras, demarcadas ou não, para as mineradoras. Já o PL 4740 pretende arrendar as terras indígenas para a criação de gado e monocultivo do agronegócio.
Mas não é apenas o parlamento que pretende praticar o esbulho de nossas terras. O Palácio do Planalto, aliado dos ruralistas, baixou a Portaria 303, que pretende estender condicionantes da Terra Indígena Raposa Serra do Sol para todas as terras tradicionais do país. As condicionantes nem foram votadas pelos ministros do STF e por isso a portaria foi suspensa, mas queremos a revogação dela. Durante este mês de maio, a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffman, suspendeu todos os procedimentos de demarcações da Funai no Paraná depois que o Embrapa questionou um relatório que atestava a ocupação tradicional de uma comunidade Guarani. A ministra disse que a Funai não é imparcial para demarcar e que as demarcações nos estados de Mato Grosso do Sul, Santa Catarina, Mato Grosso e Rio Grande do Sul também passariam pelo crivo da Embrapa e ministérios. Nem nos piores momentos do neoliberalismo sofremos tamanho ataque, que vem de fazendeiros e seus pistoleiros, parlamentares ruralistas, governo federal, Judiciário. O mais triste é que acreditamos que Lula e Dilma poderiam melhorar nossas vidas, mas isso não está acontecendo.
Terras e grandes projetos
O agronegócio cerca, invade e envenena as terras indígenas. Querem nossas terras para produzir alimentos podres, à base de agrotóxicos e sementes transgênicas. Não bastasse isso, o governo federal impõe, sem consulta prévia como exige a Constituição Federal e a Convenção 169, usinas hidrelétricas, estradas, hidrovias e o bilionário financiamento estatal ao monocultivo de commodities e criação de gado. A tudo isso estão relacionadas as ações da bancada ruralista, que pretendem mudar as regras para facilitar a retirada de nossas terras com o objetivo de investir os milhões que ganham do governo para os monocultivos. Por outro lado, isso faz parte de um projeto de desenvolvimento nacional do governo federal, que não contempla nossas nações e por isso cremos ser um projeto de desenvolvimento de uma elite colonialista, branca.
Sobre nossas terras e nas áreas limítrofes delas, sobretudo no Tocantins, avançam as florestas de eucalipto, as carvoarias e canaviais, que quando queimam lançam sobre as aldeias fumaça e poluição, gerando doenças respiratórias. A Secretaria de Regularização Fundiária do estado foi entregue ao filho da líder do agronegócio no Brasil, Kátia Abreu. O secretário, Irajá Silvestre filho, firmou convênio com o Ministério de Desenvolvimento Agrário para regularizar as terras da União, ou seja, as terras indígenas, quilombolas, áreas de preservação ambiental do Tocantins. Isso mostra como o agronegócio avança em nossas terras, que não são demarcadas e protegidas, a não se por nós mesmos e já decidimos que vamos morrer defendendo-a. Mas não apenas retirando as nossas terras que tentam nos usurpar. A nossa saúde está completamente quebrada, levando sofrimento e morte para as aldeias.
Saúde e educação
A saúde indígena passa por problemas em sua administração, desde Brasília, na Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, até às regiões, no Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI), onde os administradores regionais são incompetentes, descompromissados e mentirosos. Isso gerou uma descrença generalizada e ao mesmo tempo a inciativa em pedir a exoneração de Ivanezilda Ferreira Noleto, coordenadora do DSEI, depois que a expulsamos de nossa II Assembleia. Ela registrou ocorrência na Polícia Federal, alegando danos emocionais. Perguntamos: e nossos danos pelas crianças e parentes mortos pela incompetência desses gestores? E nossos danos por não termos saneamento básico e medicamentos, suspensos pela Portaria 3185 do Ministério da Saúde? Quando ficamos doentes, temos de torcer para que nossa doença esteja na lista do governo, pois do contrário morremos sem medicamentos. A saúde indígena está na UTI e assim matam lentamente nossos povos.
Mesmo não tendo os estudos do branco, sabemos como educar nossos filhos com uma educação diferenciada e exigimos que o governo respeite nossos currículos. Sendo assim, na educação, apesar de pequenos avanços, a situação não é muito melhor. O que vemos é que não existe vontade política para garantir uma escola diferenciada e de qualidade como diz a legislação. Não queremos ensinar nossas crianças a manusear a escrita para mentir e prejudicar o outro; queremos ensiná-las a pensar e refletir, olhando para a própria cultura e os direitos da Mãe Terra. Formamos guerreiros. Nossas escolas devem ter o nosso rosto e fincadas em nosso chão, como forma de garantir nosso envolvimento social e político; nossa relação com a Mãe Terra.
Esperança no horizonte
Apesar do clima de indignação, dos graves problemas e desafios enfrentados pelas comunidades, realizamos uma Assembleia de esperança, marcada pelas nossas celebrações e rituais, pela solidariedade e amizade. Saímos fortalecidos e unidos, entre nós e com todos os que lutam por um Brasil plural, mais justo e solidário.
Tivemos a presença de parentes de todo país, caso dos Pataxó Hã-hã-hãe, Bahia, Xavante, Mato Grosso, Xukuru-Kariri, Alagoas, além de aliados dos movimentos sociais, caso da Via Campesina, Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Nailton Pataxó Hã-hã-hãe nos trouxe a palavra de que sozinhos não conseguimos nada, portanto precisamos nos unir entre os povos e aliados. Acreditamos e confiamos que a luta é árdua e longa, mas não abandonaremos a batalha. Seguimos até o fim pelo Bem Viver, o Sumak kawsay ameríndio, em nossas terras indígenas.
Palmas, TO, 23 de maio de 2013
Povos indígenas Apinajé, Xerente, Krahô, Tapuia, Karajá-Xambioá, Krahô-Kanela, Avá-Canoero, Javaé, Kanela do Tocantins e Guarani.