08/04/2013

Documento final do 4º Aty Guasu das Mulheres Guarani e Kaiowá

KUÑANGUE GUARANI HÁ KAIOWÁ ATY GUASU IRUNDYHA

TERRA INDÍGENA SOMBRERITO

 

3 a 7 de abril de 2013

 

(…)  a comunidade lembra a morte de Dorival Benites, liderança Guarani morto brutalmente na retomada da Terra Indígena Sombrerito no ano de 2005.

 

Nós, mulheres do Conselho do Aty Guasu, Ñandesy, parteiras, agentes de saúde, professoras, jovens Guarani e Kaiowá de todas as aldeias e acampamentos, reunidas na terra indígena Sombrerito nos dias 3 a 7 de abril de 2013, por ocasião da KUNANGUE GUARANI HÁ KAIOWÁ ATY GUASU IRUNDYHA, juntamente com as lideranças Guarani e Kaiowá, representantes das mulheres Terena de Mãe Terra e aliados da causa indígena; todas nós realizamos mais uma vez um KUNHANGUE ATY, a Assembleia das mulheres indígenas Kaiowá e Guarani.

                                                             

Viemos ao tekoha Sombrerito, no município de Sete Quedas, na região de fronteira entre Brasil e Paraguai – onde assassinatos, ameaças de comunidades e lideranças indígenas são constantes -, para discutirmos vários assuntos importantes para nosso povo, principalmente segurança, políticas sociais, sustentabilidade, violências contra mulheres e andamentos sobre o processo da terra.

 

O movimento das mulheres Kaiowá e Guarani tem sua história de luta marcada pela perda de lideranças indígenas que foram mortos na luta pelos nossos territórios. Juntamos-nos ao movimento indígena para a conquista de nossos territórios tradicionais, pois sem nosso tekoha não é possível tem uma educação escolar indígena específica e diferenciada; sem nosso tekoha não existe saúde indígena; sem nosso tekoha não teremos meio ambiente sustentável.

 

Com o canto sagrado das mulheres e o grito de nossos guerreiros, nossas falas vêm carregadas do sofrimento existente nas aldeias atuais e na retomadas. Sofrimento que aumenta quando lembramos de nossas terras sendo exploradas, desmatadas, de nossos rios sendo contaminados por venenos agrotóxicos e de nossas crianças crescendo nesse contexto de luta pela terra.

 

Reafirmamos novamente: nossas lideranças estão sendo mortas! Vivemos acampados e ameaçados diariamente por pistoleiros. Queremos segurança para nós mulheres e nossas crianças, idosas e toda acomunidade. Lutamos por nossa terra porque queremos nossa autonomia e desenvolvimento em equilíbrio com a mãe terra, fortalecendo nosso saber tradicional e nossa sustentabilidade. Com muitas dificuldades, levamos humildemente nossas vidas. Nossas crianças são nossas esperanças, por isso lutamos por nosso tekoha tradicional onde queremos viver dignamente de acordo com o bem viver. Mas hoje, estamos sendo discrimidos, humilhados, violentados de maneira bárbara pela política do Estado brasileiro e ações do governo estadual e municipal, por grande empreendimentos de empresas e fazendeiros.

 

Essas ações vem sistematicamente atingindo nossas comunidades desde os tempos de nossos acestrais, nossos bisavós (ôs), avô (ós), mães e pais, irmãos (ãs), filhos (as), com todo o povo kaiowá e guarani que lutam pelos direitos previstos na Consituitção Federal. Nosso direito sobre esse território é originário, ou seja, anterior a qualquer outro. Não admitimos mais negociar nossos direitos.

 

Os tekoha são nossos territórios tradicionais, e queremos que o atendimento que recebemos na saúde, educação e assistência seja realizado em todos os territórios, não importando se já estejam  homologados ou não.

 

Não aguentamos mais esperar pela demarcação de nossas terras. A União e a Funai estão em dívida com o povo Guarani Kaiowá pois não concluiu a demarcação de nossos territórios. Mesmo as terras que já estão homologadas, o Supremo Tribunal Federal – STF suspendeu a homologação e há muitos anos esperamos uma decisão final. Queremos que o judiciário julgue os processos que estão parados, à espera de julgamento. Por conta dessa morosidade, não podemos entrar em nossa terra, o que tem gerado a falta de alimentação, precariedade no atendimento a saúde. Não há educação específica e diferenciada, e estamos ameaçados de morte diretamente por parte de pistoleiros dos fazendeiros e seguranças privadas dos proprietários. A Força Nacional e a Polícia Federal precisam de ampliação; seus agentes devem estar preparados para trabalhar com a comunidade indígena, porque as equipes atuais não são suficientes para fazer segurança às lideranças indígenas. A Polícia Militar e Polícia Civil também devem atuar nas áreas, mas sempre sob o acompanhamento da Funai e do Ministério Público Federal.

 

SAÚDE: Queremos atendimento a saúde da mulher indígena. Muitas pessoas estão morrendo diante da morosidade do atendimento à saúde indígena. Falta atendimento específico em nossa comunidade, pessoas preparadas para atender o índio. Muitas vezes, só temos remédio ou condução para o hospital quando temos condições de pagar nós mesmos por eles. Alguns pólos-base, como o de Paranhos, tem uma cota muito baixa de combustível para os veículos e ambulâncias. É preciso aumentar essa verba onde hoje ela é completamente insuficiente. Ainda, o combustível não deveria ser transportado por nós mesmos, fato que já foi denunciado pelo Ministério Público Federal.

 

O atendimento emergencial no tekoha Sombrerito é um bom exemplo do nosso problema. Aqui, somos atendidas por uma única ambulância, que tem apenas um motorista, e que fica num polo-base em outro município (Iguatemi). Esse polo-base, e essa mesma ambulância, antendem outras quatro aldeias, que ficam no mínimo 50km  de distância uma das outras, em estradas bastante precárias. Ainda, lideranças de Sombrerito denunciam que uma verba de 85 mil reais, conquistada pela própria comunidade, enviada ‘a prefeitura de Sete Quedas e que deveria ser destinada a saúde do tekoha Sombrerito, além de um veículo, estariam sendo negociados entre a prefeitura municipal e o pólo-base de Iguatemi. Nem o Sombrerito, nem nenhum outro tekoha podem pagar a conta dos problemas de gestão e falta de verba das estruturas públicas de atendimento à saúde. Reivindicamos que a verba permaneça no município de Sete Quedas, para uso da comunidade.

 

Exigimos também que os tekoha que fiquem muito distantes dos polos-base tenham uma ambulância e motorista próprio que fique integralmente na aldeia. Quando a Funasa foi extinta e foi criada a Sesai, esperava-se o fim da burocracia e da necessidade de autorização de Brasília para o uso das verbas da saúde indígena. Mas essa agilidade não veio.

 

Também, apontamos nossa preocupação com o concurso previsto para os servidores da saúde indígena. Será que nós indígenas vamos ter como competir com um branco nesse concurso? Nós queremos um concurso diferenciado entre indígenas e não indígenas. Exigimos que seja garantida a permanência dos funcionários que sejam avaliados positivamente pela comunidade, através do conselho local e do Aty Guasu e APIB. Tudo quem deve decidir é a comunidade e o movimento indígena. Tem que fazer valer a força.

 

Queremos um concurso para aumentar a participação indígena e a qualidade do nosso trabalho da saúde, e não para eliminar os funcionários indígenas. Também, queremos mais formação para esses servidores.

 

Algumas vezes, quando procuramos prefeitos ou servidores municipais, somos informados de que os governos estadual ou federal  “cortaram” verbas e até medicamentos para os indígenas. Queremos saber quem são os verdadeiros responsáveis pelo abandono que sofremos em relação a isso.

 

Mais uma vez, nós mulheres e lideranças pedimos, através do Aty Guasu, quer um direito básico de qualquer brasileiro seja garantido: o de termos acesso a tirarmos nossa documentação pessoal. Sem os documentos RG E CPF, nao conseguimos matricular nossas crianças na escola ou receber atendimento na saúde. A Funai tem de garantir o processo de emissão de ducumentos na própria terra indígena, e coibir a cobrança indevida.

 

Exigimos o afastamento do Coordenador geral da Sesai do Mato Grosso do Sul, Nelson Carmelo Salazar, e do coordenador estadual do Condise MS, Fernando Souza. Ambos nunca apareceram nas aldeias – tanto no Pantanal quanto no cone-sul -, não consultam os conselhos locais, conselhereiros do Condise ou o movimento indígena e tomam suas decisões apenas entre si, em diálogo com políticos locais. Exigimos que o governo realize permanentemente consultas na base indígena antes de indicar coordenadores da Sesai MS, e que o Conselho nos ouça no processo de eleição de sua coordenação. Reforçamos, também, o óbvio: esses coordenadores e instituições devem estar presentes nas áreas; e que todas as consultas, pré-conferências e conferencias de base devem ser feitas NAS ALDEIAS, e não na cidade.

 

Queremos sbaer porque o funcionário envolvido com a morte de Nízio Gomes nao foi indiciado. Denunciamos também a contratação de um motorsta da Funai recentemente contratado e trabalha região da fronteira com Paraguai que é neto de fazendeiro e está passando informação para os latifundiários.

 

Queremos ser consultados sobre a contratação de qualquer funcionário tercerizado para trabalhar com nós indígenas. Queremos a volta dos Postos Indígenas que foram desativados, dentro da área, com servidores que morem na comunidade e, caso nao seja indígena, que seja contratado um intérprete, do nosso povo.

 

POLÍTICOS: os prefeitos de Mato Grosso do Sul esqueceram que existe uma comunidade indígena que também vota, e que as pessoas merecem ser tratadas como seres humanos. Os municípios recebem recursos específicos para atender comunidades indígenas na área da saúde, educação, assitência social e saneamento básico, mas, essa distribuição das verbas não esta acontecendo nos tekoha Guarani e Kaiowá. Os acampamentos, aldeias as comunidades estão completamente abandonados. Por isso, exigimos que os prefeitos municipais cumpram seu dever, respeitando e atendendo as demandas das comunidades indígenas que estão em suas áreas de abrangência. Já cansamos de ser valorizados somente na hora de eleição municipais, pois as promessas e o compromisso feito pelos candidatos nunca foram cumpridos. Continuam as nossas necessidades, dificuldades e sofrimentos, como sempre. Muitos prefeitos são decladamente contra a demarcação de nosso tekoha.

 

Estamos cansados de sermos chamados de sujos e fedidos por alguns profissionais da saúde e da educação. É necessário que a Justiça e o governo combatam esse racismo que sofremos, criando campanhas de conscientização e punindo os servidores que ajam com preconceito.

 

Queremos transparência: exigimos a prestação de contas de todas as verbas destinadas e relacionadas aos indígenas, seja na saúde, educação, Funai, Sesai, assistência em geral etc..

 

Nossos representantes legítimos são os indígenas que vem do movimento indígena. Vereadores e deputados, indígenas ou não-indígenas, não nos representam. Alguns, inclusive, sequer referendam a luta organizada pela demarcação das nossas terras. Por isso, nós, mulheres e lideranças organizadas no Aty Guasu, somos contra a criação de uma associação de parlamentares que se pretende representar nós Guarani e Kaiowá.

 

Em hipótese alguma aceitaremos a entrada de nenhum tipo de empresa, fazendeiro ou arrendatário em nosso território para explorar gado, lavouras de cana, soja ou qualquer tipo de monocultura.

 

Qualquer organização que queira falar em nome do Aty Guasu deve consultar seus membros – não apenas algumas lideranças. Nesse sentido, o Aty Guasu exige a prestação de contas das organizações Tribunal Popular de São Paulo e Comitê Internacional de Solidariedade Guarani Kaiowá que, sem consultar a totalidade do Aty Guasu, pediu dinheiro em nome de nossa organização. E reforçamos que nós não pedimos dinheiro. Nós lutamos pela demarcação de nosso território tradicional.

 

IMPUNIDADE: Queremos a condenação dos executores e mandantes das lideranças mortas: Professores Genivaldo Vera, Rolindo Vera, Marcos Veron, Teodoro Ricardi, Xurite Lopes, Ortiz Lopes, Rosalino Lopes, Dorival Benites, Dorvalino Rocha, Nisio Gomes, Denilson Barbosa, entre outros. Não aceitamos mais a impunidade. Enquanto nossas lideranças e crianças são mortas e nossas familias sofrem com a violência, os assassinos e fazendeiros mandantes ficam no conforto da impunidade. Queremos que a Justiça Federal e Polícia Federal devem assumir a investigação sobre os assassinatos dessas e outras lideranças.

 

Relembramos também, no município de Miranda, região do Pantanal, o ataque de fazendeiros a um ônibus de estudantes Terena, em 2010, no contexto da luta pela terra. O veículo cheio de alunos foi incendiado. Dezenas de pessoas ficaram feridas e uma jovem indígena morreu. O crime continua impune. Este e outros ataques que as mulheres e o povo Terena sofrem nos fazem entender que a luta das mulheres Guarani e Kaiowá é a mesma luta das mulheres Terena. Por isso, dizemos que nós lutamos todas juntas, Terena e Kaiowá e Guarani. Somos povos diferentes, mas nossa dor é a mesma. E por isso, nossa luta também é a mesma.

 

Repudiamos as proposições do Poder legislativo, tal como a PEC 215, onde o poder legislativo pretende usurpar a competência da União em demarcar nossas terras tradicionais. O Projeto de lei n. 1.610 que pretende liberar a mineração em nossas terras. A Constituição Federal nos garante o usufruto exclusivo de nossas terras, não aceitamos o governo e outras empresas explorar nossas riquezas de maneira inadequada, destruíndo nossa natureza. Repudiamos novamente a Portaria n. 303 da AGU que de maneira descarada adota condicionantes flagrantemente inconstitucionais, violando nossos direitos conquistados com muita luta.  

 

Sabemos que o sofrimento e a violência do povo indígenas Kaiowa e Guarani é histórica, mas já chegou no ponto de dizer chega de atrocidade, perversidade, morosidade em todos os sentidos contra indígenas inocente. Vamos cada vez mais se organizar e exigir o nosso direito dos Poderes legislativo, executivo e judiciário. Queremos que seja respeitados o que garante nossa Constituição Federal.

 

Tekoha Sombrerito, Sete Quedas, 6 de abril de 2013

 

Fonte: Cimi - Assessoria de Comunicação
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