11/03/2013

Sucessão papal: Dois projetos e cinco cenários

"O lugar de nascimento e o continente de proveniência do respectivo candidato são menos importantes que o alinhamento teológico-pastoral. A passagem pela Cúria Romana já fez de muitos latino-americanos e africanos verdadeiros representantes do projeto curial e neocolonial. Por vezes, seus representantes são mais papais que o próprio papa", escreve Paulo Suess, assessor teológico do Conselho Indigenista Missionário – Cimi – e professor no ciclo de pós-graduação em missiologia, no Instituto Teológico de São Paulo – ITESP.

 

Segundo o teólogo, "pode surgir um nome quase desconhecido, o nome de um pastor que, como o filho de Jessé, se encontrava no campo apascentando ovelhas, um Davi capaz de vencer Golias e escolhido por Deus. (cf. 1 Sam 16 e 17)".

 

Eis o artigo.

 

Consenso

 

A maioria dos cardeais, que nestes dias entram no conclave, quer transparência administrativa e honestidade moral – urbi et orbi. Aprenderam em suas dioceses que a anonimidade da esmola não deve ser confundida com “projetos” para os chamados “serviços de caridade”, apoiados por agências financiadoras como Caritas, Adveniat ou Pão para o Mundo. O povo que subvenciona essas atividades quer saber o que acontece com o dinheiro que põe no cofre da igreja. O mesmo povo ensinou também seus pastores a perceber a diferença fundamental entre deslizes celibatários de seu clero e pedofilia criminosa. O chamado “sigilo pontifício”, às vezes, estendido para campos administrativos nas dioceses, cria desinformação e não ajuda nessa transparência.

 

Contudo, nas questões administrativas e sobre a tolerância-zero nos casos de pedofilia há consenso como há consenso sobre a tarefa de o novo papa criar mecanismos estruturais de controle desde o Instituto de Obras Religiosas (IOR), o Banco do Vaticano, até à segurança dos documentos na mesa do próprio papa.

 

Dois projetos

 

Mas, além desse consenso sobre um novo ordenamento administrativo da Cúria Romana, existe, neste momento eclesial, uma linha divisória entre dois projetos eclesiológicos: o projeto da “nova evangelização”, como extensão da cristandade em novos contextos urbanos, e o projeto “povo de Deus”, inspirado no Concílio Vaticano II. O primeiro projeto é majoritário entre os cardeais que entram no conclave e, está centrado na mentalidade da hierarquia europeia. O segundo é minoritário, acompanha as lutas populares por justiça e assume uma clara opção pelos pobres. Para ambos os projetos, o lugar de nascimento e o continente de proveniência do respectivo candidato são menos importantes que o alinhamento teológico-pastoral. A passagem pela Cúria Romana já fez de muitos latino-americanos e africanos verdadeiros representantes do projeto curial e neocolonial. Por vezes, seus representantes são mais papais que o próprio papa.

 

Cenário 1: Continuísmo europeu

 

Para o projeto da Nova Evangelização, o nome mais lembrado é o do cardeal Angelo Scola, de Milão. Trabalhou com o teólogo Joseph Ratzinger na redação da revista Comunio, um projeto alternativo, à revista Concilium que procurou manter o projeto do Vaticano II aberto para o futuro. Numa escolha simbólica para ser um futuro papábile – veja a trajetória de Pio XI (1922) e Paulo VI (1963) que tiveram passagem por Milão! -, Bento XVI transferiu Scola de Veneza para Milão. Pode ser que os cardeais votantes querem romper com a linha Wojtyla-Ratzinger ou que os 28 cardeais italianos com poder de voto não cheguem a articular uma maioria de dois terços dos votantes.

 

Cenário 2: Continuísmo com aliados não europeus

 

Na busca de um cardeal similar, se impõe um segundo cenário: um cardeal não europeu, com formação e cabeça feita pela Cúria Romana. Neste caso, o nome do arcebispo de São Paulo, cardeal Odilo Scherer (63), descendente de migrantes alemães, vai se impor. Scherer fala as línguas necessárias para o cargo e tem a formação teológica adequada. Ele está muito bem relacionado com a Cúria Romana que, desde a sua passagem pela Congregação para os Bispos, tem um interesse de tê-lo por perto, através de múltiplos ministérios que lhe foram confiados. Scherer é membro da Congregação para o Clero, da Comissão Cardinalícia de Vigilância do Instituto para as Obras de Religiões, fez parte do XII Conselho Ordinário da Secretaria do Sínodo dos Bispos, é membro do Pontifício Conselho para a Família, da Pontifícia Comissão para a América Latina e do Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização.

 

De 1994 até 2001, Odilo Scherer era Oficial da Congregação para os Bispos, na Cúria Romana. Pela mesma Congregação, a qual serviu sete anos, foi diretamente nomeado bispo-auxiliar de São Paulo (2001). Seis anos mais tarde, em 2007, Scherer foi nomeado arcebispo de São Paulo e poucos meses depois, cardeal.

 

Na Congregação para os Bispos, Odilo Scherer foi estreito colaborador de Giovanni Battista Re, que de 1987 até 2000 era secretário e de 2000 até 2010, prefeito da Congregação para os Bispos e presidente da Pontifícia Comissão para a América Latina. Em 2007, cardeal Re foi um dos presidentes da 5ª Conferência do Episcopado Latino-Americano, em Aparecida, onde autuou junto com dom Odilo. E, finalmente, Battista Re vai presidir o conclave para a eleição do sucessor de Bento XVI.

 

Ainda como bispo-auxiliar, entre 2003 e 2007, Scherer era secretário-geral da CNBB, onde se destacou pelo estreitamento das relações entre CNBB, Nunciatura, Congregação para os Bispos e Secretaria de Estado do Vaticano. Angelo Sodano, desde 1991 Secretário de Estado, hoje é decano do Colégio dos Cardeais, cargo que lhe confere o comando dos debates do pré-conclave. Em 2005, por ocasião da greve de fome de dom Luis Flávio Cappio, bispo da Diocese de Barra/BA, em defesa dos moradores ao longo do rio São Francisco, dom Odilo publicou uma carta de advertência do cardeal Re, dirigida a dom Cappio, no sitio da CNBB. Essa carta questionou a legitimidade doutrinal de seu gesto profético e sua publicação feriu o “segredo pontifício” que vale para a correspondência entre Cúria Romana, Nuntiatura e bispos. Já como cardeal de São Paulo, Scherer declarou repetidas vezes: “a teologia da libertação acabou” e, perguntado por Bento XVI sobre forças novas na pastoral urbana, apontou para os Arautos do Evangelho.

 

Além de Angelo Sodano e Battista Re, o cardeal Scherer ainda tem Ludwig Müller, o prefeito da Congregação pela Doutrina da Fé, como aliado. Este, quando ainda era professor de Teologia Dogmática na Universidade de Munique, passou anos seguidos por São Paulo, com visitas em Campo Limpo e na Faculdade de Assunção, onde, a convite da Pós-Graduação em Missiologia, administrou duas vezes algumas aulas. Depois de sua nomeação como bispo de Regensburg, dom Müller entregou pessoalmente a arquidiocese uma grande quantidade de dinheiro como doação missionária de sua diocese para restaurar o Seminário Tridentino no bairro de Ipiranga.

 

Além dos aliados externos da candidatura de dom Odilo, o monsenhor Antônio Luiz Catelan, jovem assessor da Comissão Episcopal para a Doutrina da Fé na CNBB, que acompanha os cardeais brasileiros em Roma, se revelou um simpatizante explícito da candidatura de Scherer. Catelan enalteceu o comportamento de dom Odilo na crise da reitoria da PUC, sua capacidade administrativa e seus contatos com cardeais italianos influentes no conclave. “Podem apresenta-lo como um bom candidato” (Folha de São Paulo, 6.3.2013., p. A8) recomendou aos jornalistas.

 

Cenário 3: Igreja povo de Deus, colegialidade e diálogo

 

Apesar dessa projeção, pode ser, que Odilo Scherer não alcance a maioria necessária pela perspectiva de pouco espaço para inovações. Nesse caso, a minoria do conclave vai tentar articular um terceiro cenário em torno do projeto do Vaticano II, enfatizando a eclesiologia “Igreja povo de Deus”, colegialidade, diálogo entre os dicastérios da cúria, com a Igreja local e as religiões.

 

As figuras de proa desse projeto “povo de Deus” serão o nigeriano Peter Turkson, presidente do Pontifício Conselho “Justiça e Paz”, o filipino Luis Antonio Tagle e o hondurenho Oscar Rodrigues Maradiaga, presidente da Caritas Internacional. Este se enfraqueceu por ter apoiado, em 2009, o Golpe de Estado em Honduras. Provavelmente nenhum dos nomes que representa com força o projeto conciliar, vai ser eleito papa.

 

Cenário 4 e 5: Negociação ou surpresa

 

Um quarto cenário será de composição, tipo “café com leite”.

 

Mas, finalmente, num quinto cenário, pode surgir um nome quase desconhecido, o nome de um pastor que, como o filho de Jessé, se encontrava no campo apascentando ovelhas, um Davi capaz de vencer Golias e escolhido por Deus. (cf. 1 Sam 16 e 17).

 

Fonte: Paulo Suess, Assessor Teológico do Cimi (Publicado no IHU)
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