Entre heróis e empecilhos, os atuais capachos do capital
Lula e Dilma adotaram uma fórmula de governança altamente danosa aos povos indígenas, quilombolas e campesinos que dependem da terra e do território para a sobrevivência física e cultural no Brasil. Essa fórmula associa ao menos dois grandes instrumentos, o incentivo político e financeiro a um modelo econômico desenvolvimentista, altamente dependente da exportação de produtos primários, e a aposta na “desmobilização social”, com no uso indiscriminado de “inibidores sociais”, a fim de manter sob controle as potenciais tensões resultantes de sua opção.
Lula foi eleito, em 2002, com o voto dos “pequenos do campo” das mais distantes e diferentes regiões do país, sob o signo da esperança, o que provocou um tsunami de expectativas de que finalmente seriam realizadas no país as mudanças estruturantes pelas quais essas populações vinham lutando e dando a vida historicamente. Era forte o sentimento de que o novo governo adotaria medidas efetivas e eficazes no intuito de implementar uma reforma agrária e agrícola ampla e profunda, de acelerar os procedimentos administrativos de reconhecimento, demarcação e titulação de terras indígenas e quilombolas, de proteger o meio ambiente e as lideranças sócio-populares, combatendo, dessa maneira, a sanha voraz e assassina dos grandes proprietários de terras do país e mudando a injusta estrutura fundiária brasileira.
A traição à confiança e às expectativas dos setores populares do campo brasileiro não demorou vir à tona. Já nos primeiros meses de 2003, todos os indicativos apontavam, inequivocamente, que o novo governo havia optado pelo “desenvolvimentismo” como modelo econômico. Resultou, como consequência dessa opção, a escolha dos atores que iriam implementá-lo, e que por isso deveriam ser “incentivados”, bem como, daqueles setores que, por representarem riscos à sua implementação, precisariam ser “combatidos”.
O fato de Lula ter chamado os usineiros plantadores de cana de “heróis” nacionais, eles que são reconhecidos destruidores do meio-ambiente, muitos dos quais exploradores de mão-de-obra escrava em suas usinas e alguns, inclusive, responsáveis pelo assassinato de centenas de lideranças populares na disputa pelas terras ao longo da história, e se referido publicamente aos povos indígenas como “empecilhos” ao desenvolvimento do país situa-se nesse contexto.
Ao radicalizar a opção pelo desenvolvimentismo, o governo Dilma aprofunda a retração dos processos de reconhecimento, demarcação e titulação de terras indígenas e quilombolas; instala um verdadeiro “Estado de exceção” ao publicar a Portaria 303/2012 na tentativa de rever procedimentos já finalizados de demarcação e de facilitar a exploração das terras indígenas; retira completamente de pauta a temática da reforma agrária, sem nem ao menos ter sido promovida a atualização dos índices de produtividade que remontam à década de
Neste ínterim, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) constitui-se no instrumento ideológico e financeiro, impositivo e agressivo, posto em prática a qualquer custo com a finalidade de implementar o modelo adotado. No que diz respeito ao campo, tudo tem sido feito para favorecer a apropriação e a exploração dos territórios, bem como o deslocamento das commodities agrícolas e minerais até os portos das mais diferentes regiões brasileiras. Para isso, o que efetivamente está na pauta governamental é a construção de rodovias, ferrovias, hidrovias, hidroelétricas.
Olhando por este viés, podemos afirmar que Lula e Dilma são os atuais instrumentos usados pelo capital para efetivar os seus interesses. Fazem, com o PAC, o mesmo papel de “capachos” feito pelos militares e o seu “Milagre Brasileiro”, assim como, por Fernando Henrique Cardoso e o seu “Avança Brasil”.
Neste sentido, a imagem de Lula, de mãos dadas e com sorriso no rosto, celebrando a aliança com Paulo Maluf na disputa pela Prefeitura de São Paulo, e a imagem da presidente Dilma de braços dados e sendo lançada a reeleição por Kátia Abreu, no anúncio do Plano Safra 2012, devem continuar nos indignando, mas não mais deveriam nos surpreender.
Cientes de que essa opção poderia resultar em instabilidades inclusive junto a setores sociais historicamente aliados, como complemento à fórmula de governança, Lula e Dilma vêm apostando fortemente num instrumento político que poderíamos denominar de “desmobilização social”. Para implementá-lo, os governos Lula/Dilma tem-se agarrado numa ampla gama de “inibidores sociais”. Tais inibidores são constituídos por diferentes estratagemas. Citamos três deles que, a nosso ver, tem sido mais eficazes. 1) a adoção massiva de programas governamentais de cunho assistencial, que retira muitas pessoas das fileiras das lutas por mudanças mais profundas; 2) o uso da imagem e a ação empedernida de sujeitos remanescentes de movimentos e organizações sociais nas fileiras governamentais, que buscam “amaciar” a relação entre estes movimentos e o governo; 3) a criminalização/repressão às lideranças e segmentos da sociedade organizada que insistem nas lutas por mudanças estruturantes no campo e no enfrentamento às conseqüências advindas da opção governamental. A criminalização de militantes e organizações sociais em curso no caso da UHE Belo Monte é um exemplo típico deste último estratagema governamental.
Relativamente ao campo brasileiro, a “desmobilização social” somada aos “incentivos” estatais em curso tem produzido um exponencial fortalecimento de atores políticos altamente reacionários, a saber, as empresas multinacionais que controlam o sistema de produção de commodities agrícolas, os fazendeiros-latifundiários e o grupo que lhes dá sustentação no Congresso Nacional, os ruralistas. A devastação do Código Florestal e o ataque ferrenho aos direitos dos povos indígenas e quilombolas, por meio da PEC 215, são dois exemplos que se situam nessa correia, sem limites e sem escrúpulos, de violências e interesses deste setor minoritário e historicamente privilegiado em nosso país.
No campo político, não custa lembrar que, no Paraguai, o golpe contra o presidente Lugo foi planejado, financiado e executado por estes mesmos atores.
Diante desse contexto de total atrelamento governamental com as forças reacionárias do agronegócio no Brasil e a conseqüente falta de compromisso para com os povos indígenas, quilombolas e campesinos, a estes não resta outra alternativa senão empunhar as “bandeiras” e ir para o enfrentamento sem qualquer tipo de subterfúgio e amarras, sejam elas históricas, partidárias e/ou financeiras.
Nas ruas, nas ocupações, nas retomadas das terras invadidas pelo agronegócio, com os povos do campo, sempre e de cabeça erguida, “sem medo de ser feliz” e sem medo dos atuais capachos do capital em nosso país.
Brasília, DF, 2 de agosto de 2012.
Cleber César Buzatto
Secretário Executivo do Cimi