Fazendeiros invasores armam resistência em Marãiwatsédé
Contrários à decisão da Justiça que determina retirada de latifundiários após 20 anos de invasão, fazendeiros orquestram manifestações e ameaças em Marãiwatsédé (MT)
Por Gabriel Moreira*
Desde a noite do último sábado, 23 de junho, a Terra Indígena Marãiwatsédé, homologada em 1998 pela Presidência da República, está ocupada por manifestantes que bloquearam o acesso à cidade de São Félix do Araguaia na localidade conhecida como Posto da Mata. Eles cavaram uma trincheira na estrada e queimaram pontes em outras vias de acesso à região em ato desesperado diante da sua iminente desintrusão. A retirada dos invasores de dentro da terra indígena é pleiteada pelo povo Xavante desde 1992.
Índios Marãiwatséde exibiram cartazes durante a Rio+20 e foram aplaudidos em meio à Cúpula dos Povos Fotos: Daniel Santini
Latifundiários têm financiado o transporte e a permanência de outros Xavante que vivem na Terra Indígena Parabubure, no município de Campinápolis (
A transferência foi estipulada na lei estadual 9.564 de junho de 2011, considerada inconstitucional pelo governo federal. A lei foi elaborada pelo presidente da Assembleia Legislativa do Mato Grosso, José Riva (PSD) e pelo deputado estadual Adalto de Freitas (PMDB), e sancionada pelo governador Silval Barbosa (PMDB), que na época declarou a todos os jornais que esta era “uma solução pacífica para o conflito em Marãiwatsédé”.
A solução proposta prevê a retirada pela segunda vez os Xavante de seu território tradicional, de onde foram forçados a sair em 1966 em aviões da FAB, pelo governo militar, possibilitando, assim, a colonização da Amazônia mato-grossense pelo empresário Ariosto da Riva. Na época, o território foi transformado em um latifúndio considerado um dos maiores do mundo, a Fazenda Suiá Missu, vendida posteriormente à empresa italiana Agip Petroli, que por pressão internacional devolveu verbalmente a área aos Xavante em meio aos holofotes da Eco
Soja Pirata
As fazendas de soja em Marãiwatsédé já foram diversas vezes alvo de embargos do Ibama, como na Operação Soja Pirata e na Operação Pluma. Mas, apesar disso, continuam produzindo e vendendo impunemente o grão. Entre os compradores de gado das fazendas que existem no interior de Marãiwatsédé estão alguns dos principais frigoríficos do país.
Em 1992, Marãiwatsédé estava desocupada e ainda preservada, uma vez que os indígenas permaneciam exilados em outras áreas, como na Missão Salesiana São Marcos. Em 20 anos, fazendeiros e políticos locais, com apoio do governo de Mato Grosso, orquestraram um leilão das terras aos primeiros rumores de que a área seria finalmente declarada como terra indígena, pré-condição para permitir o retorno dos Xavante. Os discursos de vereadores, deputados e fazendeiros incitando a população a ocupar e devastar Marãiwatsédé antes do retorno dos indígenas foram registrados pela equipe de antropólogos que estava na área elaborando os laudos que serviriam como base para a demarcação do território. Eles enviaram os trechos desses discursos de invasão ao Ministro da Justiça, Célio Borges, mas nenhuma atitude por parte do governo federal impediu a invasão premeditada e organizada de Marãiwatsédé durante a Eco 92.
Leia trechos dos discursos registrados na época (parte 1, parte 2 e parte 3)
Depois de 20 anos de guerra judicial, a sentença do desembargador Souza Prudente, Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), de 18 de maio de 2012, autorizando a desintrusão de Marãiwatsédé e determinando que a FUNAI implemente um plano de retirada dos fazendeiros está sendo novamente questionada através de inúmeros recursos que se aproveitam de um racha entre os indígenas. Um grupo dissidente de Marãiwatsédé que vive em outras terras indígenas assinou um documento anexado ao processo judicial declarando aceitar a permuta para o Parque Estadual do Araguaia. Uma vez que este documento não representa a vontade da comunidade Xavante que vive e luta por Marãiwatsédé há 46 anos, e está baseado em uma lei inconstitucional, a Justiça manteve a decisão de retirar os invasores, sem que eles tenham qualquer direito à indenização, uma vez que entraram de má fé na terra indígena.
Leia mais no especial Conexões Sustentáveis: Soja: o que está por trás do óleo de cozinha?
Xavantes x Xavantes
Aliciados pelos fazendeiros em sua estratégia de jogar índios contra índios, já que a guerra judicial foi perdida, os Xavante de outras áreas estão recebendo todo o tipo de facilidade financeira para pressionar a Justiça e o Executivo, em Brasília, na tentativa de reverter a decisão de retirada dos invasores.
Eles tentam também desqualificar a liderança histórica do cacique Damião Paridzané (foto ao lado), que sofre para representar os interesses da comunidade de Marãiwatsédé por melhores condições de saúde, educação e territorialidade há décadas. Na semana passada, Damião retornou do Rio de Janeiro com uma comitiva de 12 guerreiros de Marãiwatsédé, onde apresentaram carta à presidente Dilma Rousseff para a presidente da FUNAI, Marta Azevedo, para o ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, para o Secretário de Articulação Social do governo federal, Paulo Maldos. Eles garantiram que o plano de desintrusão deverá sair imediatamente, pois não há mais razões para demoras. Em outro evento durante a Cúpula dos Povos, o assessor da presidência da FUNAI, Aluizio Azanha, informou que a retirada dos fazendeiros começará pelos maiores latifundiários em 30 dias.
De acordo com a FUNAI, os Xavante formam hoje a segunda maior população de indígenas do país, com cerca de 18 mil pessoas. Existem comunidades Xavante em 9 terras indígenas regularizadas: Parabubure, São Marcos, Areões, Ubawawe, Chão Preto, Marechal Rondon, Pimentel Barbosa, Sangradouro, além de Marãiwatsédé, fora outras cinco áreas em estudo.
Neste momento, a tensão segue crescente
* Especial para a Repórter Brasil, com informações de Daniel Santini
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Conheça mais sobre o caso no blog dos Marãiwatsédé:
Pecuária ilegal em terra Xavante
Assista ao vídeo produzido na aldeia pelos Xavante de Marãiwatsédé: