25/05/2012

Informe nº1015: Sob ordem de despejo, indígenas seguem com ocupação à sede da Funai no Acre

Por Luana Luizy e Renato Santana,

de Brasília (DF)

 

Indígenas mantêm ocupação na sede regional da Fundação Nacional do Índio (Funai), em Rio Branco, Acre, desde o último dia 15 sob ordem de despejo. Porém, a situação segue tensa: reintegração de posse foi solicitada pelo órgão indigenista e conforme decisão judicial deverá ser executada na terça-feira, 29. Os indígenas afirmam que permanecerão no local.

 

O movimento pede a saída da coordenação regional do órgão, acusada de corrupção e uso indevido do dinheiro público, melhorias nas áreas da saúde e educação, além de demarcação de 21 terras indígenas – alvos da expansão das fronteiras do agronegócio na Amazônia.

 

Um pedido de reintegração de posse foi encaminhado pela Funai para a Justiça Federal, que concedeu liminar. O movimento indígena recorreu da decisão e aguarda parecer da Justiça. No compasso da espera, a sede da Funai segue tomada por cerca de 120 indígenas. Porém, a mobilização deverá aumentar nos próximos dias.  

 

“Tivemos uma audiência na Assembleia Legislativa ontem (quinta-feira, 24), onde a Comissão de Direitos Humanos se comprometeu conosco. Cansamos de conversas, precisamos de resultados. São muitas mortes e violências. Qual a dificuldade de perceberem que lutamos por nossas vidas?”, destacou Ninawá Huni Kuĩ.

 

Os povos presentes na sede regional da Funai são os Jaminawa, Ashaninka, Huni Kuĩ, Madja, Nawá, Manchineri e Apolima Arara.

 

Mortes e violências

 

A reportagem do jornal Porantim percorreu durante dez dias o rio Purus, que corta o estado do Acre depois de nascer nos Andes e desaguar no estado do Amazonas. Por lá passou nos últimos dias de fevereiro e início de março, constatando graves problemas de saneamento básico e gastos de dinheiro público com obras inadequadas à vida nas aldeias da Terra Indígena do Alto Rio Purus.

 

Sem ouvir os indígenas, a então Fundação Nacional de Saúde (Funasa), hoje Sesai, construiu banheiros coletivos, fossas e poços secos que não abastecem as caixas d’água instaladas sobre estruturas de concreto e ferro, desgastadas pela umidade amazônica. Assim, os indígenas buscam vertentes de água para as chamadas cacimbas, expostas ao tempo, animais, lixo e cheias do rio.Estruturas construídas pela Funasa apodrecem sob a forte umidade amazônica sem nunca terem funcionado. Foto: Renato Santana     

 

Junto à equipe que percorreu durante 20 dias as aldeias às margens do rio, a reportagem constatou 24 mortes de crianças Madja (Kulina) e Huni Kuĩ (Kaxinawa) por diarreia e vômito, além de outras que apresentavam os mais variados estágios de desnutrição – uma em estado grave. Desde março, o jornal Porantim publica uma série de reportagens sobre os indígenas do rio Purus.  

Deste rio, percorrido por Euclides da Cunha em 1905 e descrito como “Um Paraíso Perdido”, se desmembra o rio Iaco. Às suas margens está Sena Madureira. Nas ruas da cidade, indígenas Jaminawa vivem em situação de extrema vulnerabilidade, beirando a mendicância. Na mesma reportagem, está descrita cena de crianças enxotadas depois de tentarem pegar bananas verdes caídas dos cachos carregados por atravessadores.

 

Expulsos dos territórios de ocupação tradicional pela chegada das fazendas de gado, caso da Terra Indígena Sãopaulina, os indígenas acabam em Sena Madureira buscando comida, casa e trabalho. Encontram a discriminação e todas as dificuldades da vida longe da aldeia.

 

Falta de diálogo  

 

“Por enquanto a Funai está fechada ao diálogo. Solicitaram uma intimação para que os indígenas deixem o prédio. A previsão para os próximos é de que a mobilização atinja 400 pessoas”, afirma Lindomar Padilha, coordenador regional do Cimi Amazônia Ocidental.

 

No início deste mês, Francisco Pianko, assessor da presidente da Funai, se reuniu com as lideranças indígenas em Rio Branco. Conforme os relatos dos indígenas dão conta de que foram atacados por Pianko e ameaçados com retaliações caso ocupassem novamente o órgão.

 

Para os indígenas, a reunião deveria acontecer para tratar dos encaminhamentos às reivindicações entregues pela comissão de lideranças que estiveram com Marta Azevedo, em Brasília, depois de ocupação da sede da Funai na Capital Federal, tendo como motivo a solicitação de audiência com a presidente, que por sua vez se negava a recebê-los.

Em nota pública, a Funai afirma estar aberta ao diálogo e propõe a construção de uma agenda conjunta com as lideranças indígenas. “Apesar de todos os esforços da Funai, recebendo-os para várias reuniões, inclusive em Brasília com coordenadores-gerais, assessores e até pela presidente Marta Maria Azevedo, com proposta de ida ao Acre para resolver as questões com um número mais ampliado de representações e lideranças, o grupo ocupou novamente a sede da Coordenação Regional, impedindo os funcionários de trabalhar (sic)”, diz trecho final da nota.

No documento, o órgão afirma que os indígenas não apresentaram contraproposta para um suposto plano de ação traçado pela Funai, a começar pela construção de “oficinas de regularização fundiária” a partir do próximo mês. Os indígenas destacaram para a presidente que tal processo deve ser o de demarcação de terras e deveria começar de forma efetiva este ano pelas áreas de mais conflito.

 

“A nota da Funai é uma informação mentirosa, inclusive a regional do Acre decretou para seus funcionários que não conversassem com os indígenas”, menciona Padilha. Para Ninawá, a presidente não cumpriu com o que prometeu ao dizer que daria uma resposta com encaminhamentos aos indígenas no último dia 10. “Não queremos mais encontros para planejar, mas encaminhamentos e prazos. Nós e Funai sabemos o que precisa ser feito”, ataca.

 

De acordo com o indígena, existe uma movimentação de descaracterizar a ocupação, sobretudo “pelo pessoal do PT”, diz Ninawá, ao dizer que os povos estão ali bancados pelo PSDB. “Falam isso porque é uma gente que não tem coragem de encarar um debate conosco. Uma hora é o Cimi, depois o Comim, outra hora é o PCdoB, agora é o PSDB. Arrumam culpados e isso mostra como eles tratam o índio nesse estado, pois acham que não temos capacidade de lutarmos por nossas vidas e direitos”, encerra.

 

Em resposta a nota pública da Funai, o movimento indígena se posicionou em esclarecimento. Leia na íntegra:  

 

Nota de esclarecimento

 

Nós, lideranças dos povos Huni Kui, Jaminawa, Manchineri, Apolima Arara, Nawa e Ashaninka do estado do Acre, que vem ocupando a sede da Funai em Rio Branco, solicitamos a solidariedade da sociedade acreana para nossa causa.

 

Uma delegação nossa foi em Brasília, onde denunciamos as violações dos nossos direitos, no que se refere às invasões das nossas terras, e os descasos de saúde e educação em nossas aldeias. Solicitamos providências da Funai, mas até agora não houve nenhum encaminhamento para resolver nossos problemas.

 

Não vamos voltar para nossas comunidades sem garantias. Ocupamos a sede da Funai, porque queremos que ela cumpre com seu principal objetivo: “Exercer, em nome da União,  a proteção e promoção dos direitos dos povos indígenas”. Entretanto, atualmente a Funai está fazendo o contrário, nos ameaçando e privando dos nossos direitos. Os funcionários da instituição abandonaram o prédio, alegando que os impedimos de trabalhar. Agora querem nos retirar com força policial. Recebemos das mãos de um Oficial de Justiça um mandado de citação e intimação para desocupação do prédio. Se não podemos ficar na Funai onde ficaremos então?

 

Em resposta às acusações contra nós, esclarecemos:

 

– Nós não somos invasores. Ao contrário, as nossas terras vêm sendo invadidas;

– Não estamos, em momento nenhum, pedindo cargos públicos para nós;

– Não ameaçamos a vida de ninguém, as nossas é que são ameaçadas, como é o caso do cacique Francisco Jaminawa, que, juntamente com sua família, está ameaçado de morte, por fazendeiros;

– A ação de reintegração de posse foi solicitada pela Funai sem antes buscar o diálogo com nós.

 

Reafirmamos nossas principais exigências:

 

– A imediata retomada dos processos de demarcação de nossas terras tradicionais por parte do Governo Federal;

– Denunciamos a situação de extremo abandono no atendimento à saúde por parte da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) e exigimos medidas emergenciais e estruturantes para melhorar o atendimento à saúde em nossas aldeias;

– Um atendimento à educação de qualidade em nossas aldeias.  

 

Rio Branco, 24 de maio 2012

Fonte: Assessoria de Comunicação - Cimi
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