Comitiva de Juízes visita áreas indígenas em Mato Grosso do Sul
Magistrados da Associação dos Juízes para a Democracia constatam graves violações de direitos e cobram medidas urgentes para o fim da violência e a demarcação definitiva das terras indígenas em MS.
Entre os dias
Durante quatro dias de frio, os Magistrados conheceram algumas das mais conflituosas áreas indígenas em razão das lutas pela demarcação de terras.
Participaram da comitiva a Desembargadora Kenarik Boujikian, do Tribunal de Justiça do estado de São Paulo, co-fundadora e ex-presidente da AJD, da ex presidente, a Juíza Dora Martins, além da secretária executiva da AJD, Juíza Fernanda Menna Peres, e de outros membros, como o Juiz de Direito Luis Fernando de Camargo Barros Vidal e a Juíza Fernanda Carvalho.
Também acompanharam as visitas o advogado da Justiça Global, Eduardo Baker, e Jônia Rodrigues, representante da FoodFirst Information and Action Network (Fian), além da Procuradora do estado de SP, Ana Paula Zommer e da Jornalista Caroline Bittencourt. Representantes do Conselho Indigenista Missionário e lideranças indígenas também acompanharam as atividades.
Além das aldeias, os Juízes também compareceram na II Cuña Aty Guasu (Grande Reunião das Mulheres) Kaiowá-Guarani de MS, que estava sendo realizada na aldeia Jaguapirú, em Dourados. Reuniram-se ainda com os Procuradores da República, Marco Antonio de Almeida e Tiago Luz, do Ministério Público Federal de MS, visando buscar mais informações sobre a realidade local.
Kurussú Ambá
Recebidos com rezas (jeroky), na visita a aldeia Kurussú Ambá, localizada entre os municípios de Amambai e Coronel Sapucaia, percebeu-se prontamente a imensa alegria dos indígenas com a presença da caravana. Com crianças brincando e correndo por todos os cantos a resistência dos povos indígenas se traduziu naquilo que a Juíza Dora Martins afirmou: “em Kurussú Ambá você verifica a pobreza e as dificuldades, mas vê um alento”. A terra vem sendo reivindicada há anos pelos Kaiowá-Guarani mas ainda não foi demarcada pelo Governo Federal.
Após a decisão do Tribunal Regional Federal da 3. Região (TRF3) em assegurar a posse de uma pequena parcela desta terra, ocupada pelos Kaiowá-Guarani em 2010, as condições de vida das famílias melhoraram, mas as lideranças ainda manifestam preocupação com a falta da demarcação definitiva e com as questões de segurança de seus membros.
Os representantes da AJD ouviram atentamente os relatos sobre o histórico de violências ocorridos desde janeiro de 2007, com lideranças assassinadas, baleados, atropelamentos, indígenas presos e casos de morte de crianças por desnutrição. Fatos que ocorreram durante a movimentação dos Kaiowá-Guarani pela ocupação de suas terras tradicionais ainda não demarcadas.
Milho, mandioca, batata, feijão e arroz foram exibidos com orgulho aos Juízes em grandes potes cuidadosamente preparados pelos indígenas para a recepção. Nesta pequena parcela de terra, os Kaiowá-Guarani já conseguem produzir alguns alimentos, em pequenas roças, mas afirmam que ainda não possuem condições de produzir o suficiente para alimentar toda a comunidade por falta de espaço.
A terra que estão ocupando trata-se de pequena área de “reserva legal”. Mata nativa que os indígenas se recusam a derrubar para as roças, sendo poucos os espaços já abertos e que possam ser utilizados para o plantio. A cesta básica fornecida pelo Governo Federal ainda é fundamental para a comunidade.
O acesso a educação escolar na aldeia foi muito destacada pelos Kaiowá-Guarani. Uma escola no local ocupado vem sendo negada pelas autoridades responsáveis. As crianças indígenas tem de percorrer todos os dias cerca de
Na opinião do Juiz Luis Fernando de Camargo Barros Vidal, “a situação verificada em Kurussú Ambá, onde as crianças tem de percorrer, a pé,
A impunidade foi um dos destaques nas falas dos Kaiowá-Guarani. Segundo os indígenas, muitos agressores, como os assassinos da rezadeira Xurite Lopes e da liderança Ortiz Lopes, mortos em 2007, continuam soltos e a ameaçar a comunidade. Além disso, quatro indígenas baleados, nos casos ocorridos em 2007, ainda se encontram com balas alojadas no corpo. Os projéteis e suas cicatrizes foram sendo mostradas aos Juízes.
Guayviry
Com as rezas de recepção logo vinham as crianças. Muitas. Visivelmente compondo a grande maioria dos indígenas na área. Com elas, muitas mensagens escritas em pedaços de papelão e faixas que seguravam altivamente e com imensa alegria, mas que relatavam a dor, a violência e os pedidos urgentes de soluções por parte do Estado brasileiro. A demarcação da terra e o fim da violência eram as principais reivindicações.
Recebidos pelos familiares do cacique Nísio Gomes, liderança religiosa que foi atacada por pistoleiros em ação ocorrida na área em 2011 e que encontra-se até hoje desaparecido, os Juízes se emocionaram com o relato de agressões e os clamores pelo fim dos conflitos.
No local onde Nísio tombou os presentes fizeram um minuto de silêncio em meio à mata exuberante que os envolvia. E os relatos de novas ameaças e agressões continuaram. Para a Juíza Dora Martins “Guayviry foi o símbolo da exposição do índio à falta de segurança no Brasil”.
Passo Piraju
A comitiva ainda visitou a aldeia Passo Piraju, em Dourados, outra área onde ocorreram graves casos de agressões e violências contra os Kaiowá-Guarani.
Em
Foram relatados os casos de violência contra a comunidade envolvendo policiais de Dourados, incluindo os relatos sobre um “Rancho Pesqueiro” instalado contíguo à comunidade às margens do Rio Dourados e cedido à policiais pelo próprio fazendeiro incidente na terra indígena. Segundo o cacique Carlito de Oliveira, “acabando a piracema os tiros voltam… nós já avisamos as autoridades”.
Uma grande escola vem sendo construída na área. Segundo os indígenas, a escola vai melhorar muito o atendimento da educação para as inúmeras crianças. Porém, a questão da saúde ainda carece de melhorias. O atendimento vem sendo feito a “céu aberto” e os indígenas pedem a construção de um local adequado.
Aldeias Urbanas
A comitiva de Juízes ainda visitou as aldeias urbanas “Marçal de Souza” e “Água Bonita” localizadas em Campo Grande.
Em “Água Bonita” ficou claro o descontentamento dos indígenas pelas suas condições atuais. Segundo estes, há anos reivindicam que o Governo de MS regularize uma pequena parcela de terra que pertence à aldeia urbana, mas que não se encontra na posse da comunidade.
Na aldeia “Marçal de Souza”, os Juízes conheceram o “Ponto de Cultura” da comunidade além do grande “Quiosque” instalado pela Prefeitura de Campo Grande para receber os “turistas” e vender artesanatos. Os indígenas da aldeia, em sua totalidade sendo do povo Terena, reclamam que este espaço não atende suas expectativas e reivindicações, servindo apenas para os interesses de atravessadores e da própria prefeitura.
Situação de emergência
As conclusões retiradas pelas visitas dão conta de que o cenário local é de graves violações de direitos humanos e descumprimento da constituição federal brasileira e carecem de medidas emergenciais visando à solução dos problemas que afetam as comunidades.
Na opinião da Juíza Fernanda Menna Peres, “não esperava que fossem tantas condições precárias. A questão da Justiça foi muito destacada pelos indígenas, pois estes não têm obtido respostas desta mesma Justiça e que eles respeitam muito. Senti sendo muito cobrada com isso. O que a gente leva daqui é uma mensagem deles para o Judiciário”. E acrescenta, “foi uma oportunidade ímpar para entender a gravidade do que significa a PEC 215, pois a demarcação de terras é a mais premente questão e todo o resto é desdobramento de tudo isso.”
Para a Juíza Dora Martins, “fiquei todo tempo me checando entre a visão romântica e a realidade sobre os povos indígenas. As visitas nas aldeias me colocaram em várias perspectivas deferentes. A Aty Guasú, sem dúvida, foi muito importante. Ao nos colocarmos como Juízes foi muito desconfortável. Achei muito gritante a situação toda. Estes povos estão aumentando a sua população. Temos que sensibilizar o STF para que julgue os processos rapidamente.”
Segundo a Desembargadora Kenarik Boujikian, “para mim é muito impactante, muita emoção. A necessidade de julgamento imediato dos processos em tramitação no Supremo Tribunal Federal deve ser enfrentada com prioridade além de outras medidas a cargo da AJD”.
Para Flávio Vicente Machado, do Conselho Indigenista Missionário, “Trata-se de um momento único com a presença de Magistrados conhecendo de perto a realidade dos povos indígenas. A AJD é muito conhecida pela sua imensa respeitabilidade e inegável importância para a sociedade. Durante esses dias fizeram história na historia dos Kaiowá e Guarani.”
Além dos Juízes, a representante da Fian/Brasil, Jônia Rodrigues, destacou que “as atividades foram muito importantes pela proximidade com as comunidades, pois estivemos aqui em outros tempos e pudemos verificar que as violações de direitos continuam ocorrendo”.