Sem Justiça e demarcação de terras, indígenas Guarani Kaiowá resistem no MS
Egon Heck
Missionário do Cimi
Janeiro termina para os Kaiowá Guarani do Mato Grosso do Sul de maneira dramática e esperançosa. Talvez seja uma pequena amostra do que poderá acontecer com o avanço do processo de regularização das terras, num clima de tensão, violência e desespero. Com o agravante de nenhum sinal de avanço para a efetiva solução das violências. Tomados por uma descrença nos poderes instituídos, resta-lhes clamar “Só Deus! Só Nhanderu, só Tupã”. Por essa razão nos tekohá retomados, os rituais, rezas, e fortalecimento cultural e religioso são elementos mais valorizados.
Em carta datada de 31 de janeiro, uma liderança da comunidade de Laranjeira Nhanderu, representante no conselho da Aty Guasu, expressou desta forma sua extrema preocupação com a eminência do despejo:
“Destacamos que um dos fatores determinantes de nossa miséria, sofrimento, morte física e cultural contínua, sobretudo o nosso extermínio como povo indígena, é o resultado da ordem de expulsão forçada ou despejo de nosso território tradicional, praticado historicamente pelos fazendeiros e recentemente a ordem de despejo perversa da comunidade Guarani-Kaiowá foi assumida pela primeira instância da Justiça Federal do Mato Grosso do Sul… destacamos que a ordem de despejo da Justiça Federal em Dourados para despejar através de forças policiais a comunidade (crianças, idosos) Guarani-Kaiowá de Ñanderu Laranjeira faz parte da frente do processo sistemático de etnocídio/genocídio histórico e violências adversas contra povos indígenas brasileiros, alimentando o extermínio total do povo Guarani-Kaiowá do Cone Sul de Mato Grosso do Sul”.
E segue:
“Destacamos que nos Guarani e Kaiowá temos ligação com o território próprio, pertencemos à determinada terra, assim, a terra ocupada por nosso antepassado recente é vista por nós como uma fundamentação de vida boa, vida em paz, sobretudo é a fonte primária de saúde, bem estar da comunidade e familiares indígenas. Dessa forma, o nosso território antigo é vital para nossa sobrevivência e desenvolvimento de atividades culturais que permitem a vida boa como um forte sentimento religioso de pertencimento à terra antiga, fundamentada em termos cosmológicos, sob a compreensão de que nos Guarani-Kaiowá fomos destinados, em nossa origem como humanidade, a viver e a cuidar deste território antigo específico”.
Ouvi o clamor
Bispos visitam acampamentos Kaiowá Guarani. As comunidades de Kurussu Ambá e Guaiviry ficaram muito felizes com as visitas de Dom Leonardo, secretário geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Ettore, bispo da diocese de Naviraí, e Dom Moreira, bispo de Três Lagoas e que acompanha as pastorais Sociais e o Cimi no regional Oeste 1 da CNBB. Também estiveram na comitiva o vigário geral da diocese de Dourados, padre Altair, o coordenador do Cimi-MS, dentre outros.
Momento de muita alegria e esperança para esses acampamentos indígenas, submetidos a extrema violência, com a morte de suas lideranças, por ocasião das retomadas. O sangue derramado por Julite e Ortiz Lopes e Nisio Gomes clamam por justiça. Pelo Brasil e mundo afora se exige providências do Estado e da Justiça brasileira. Além das visitas às comunidades, a delegação teve encontros com o Procurador do Ministério Público Federal (MPF) e Juiz Federal da região. Ouviram, viram e sentiram a situação dos Kaiowá Guarani.
Dom Leonardo assim se expressou por ocasião da coletiva à imprensa no final da viagem em Campo Grande: ”A situação é de desamparo e violência. Pelo constatado, a origem de todos os problemas está na falta de andamento dos processos de demarcações de terras tradicionais e na ausência de políticas publicas” – fonte: Midiamax em matéria do último dia 31.
Sensibilizados pela realidade que viram e ouviram das lideranças das comunidades visitadas, ficou o compromisso de se empenharem na luta pelos direitos desse povo, em especial pelo reconhecimento e garantia de seus territórios. Uma das principais preocupações sentidas é com relação à demora do Estado brasileiro, através da Funai, de cumprir sua obrigação constitucional de demarcar as terras.
Também visitaram a comunidade de Laranjeira Nhanderu, que teve que se deslocar até a beira da estrada para falar com o secretário da CNBB, pois existe ordem expressa do juiz para ninguém se deslocar até a aldeia.
A pergunta que diariamente fazem as lidernças Kaiowá Guarani é porque não são cumpridos os prazos para a regularização de suas terras. Lembram, por exemplo, o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e as obrigações que assumiu a Funai, com o juiz e o Ministério Público, de publicar todos os relatórios de identificação até o início deste ano. Nenhum relatório foi publicado. Um deles foi entregue no dia 10 de outubro do ano passado. O compromisso era de dentro de um mês analisar e publicar o relatório. Já se passaram quase quatro meses e nada de publicação.
Ao tomar conhecimento da ordem de despejo, a liderança Apinajé Antonio Veríssimo escreveu dizendo: “Essas injustiças que estão sendo cometidas diariamente contra o povo Guarani, nos incomoda profundamente. Diante dessas perversidades, que resultam em sofrimentos e genocídio do povo Guarani, não podemos assistir toda essa barbárie de braços cruzados, sem fazer nada. Precisamos nos articular, denunciar e reclamar. Uma violência cometida contra um Guarani, é uma violência contra todos nós, por que todos somos humanos”.