25/11/2011

Carta em Defesa dos Povos Indígenas de Mato Grosso do Sul

Nós, representantes de entidades da sociedade civil e movimentos sociais de Mato Grosso do Sul, presentes no “Ato Contra a Impunidade e em Defesa dos Povos Indígenas do Mato Grosso do Sul”, realizado no dia 25 de novembro de 2011, na Assembléia Legislativa de Mato Grosso do Sul, diante do atentado ao líder religioso (Nhanderú) Kaiowá Guarani Nisio Gomes e o seu desaparecimento ocorrido no dia 18 de novembro, após o ataque de milícias armadas contra à sua comunidade, dentro da terra tradicional Guaiviry, há anos reivindicada para demarcação, manifestamos nossa indignação por mais este fato de violência contra os povos indígenas desta Unidade Federativa.

 

Queremos prestar nossa solidariedade aos familiares de Nisio Gomes, lembrando os 28 anos do assassinato de Marçal de Souza e clamando por soluções imediatas. Em 25 de Novembro de 1983, tombava uma das mais importantes lideranças indígenas de Mato Grosso do Sul. Marçal de Souza relatou ao mundo a sua luta, assim como todo sofrimento de seu povo pela falta de suas terras. Denunciou a omissão do Estado brasileiro e as ameaças que vinha sofrendo. Cobrava a punição dos agressores de indígenas e soluções concretas para as demarcações de suas terras. Em face destas reivindicações teve sua vida ceifada.

 

Após sua morte, outros continuaram a luta por reconhecimento de suas terras e também se foram. Marcos Verón, Dorvalino Rocha, Dorival Benites, Julite Lopes, Ortiz Lopes, Oswaldo Lopes, Jenivaldo Vera, Rolindo Vera foram assassinados brutalmente por estarem defendendo os direitos de seu povo.

 

Entre os casos, guarda-se uma semelhança estarrecedora: a impunidade total dos crimes e a contínua negação dos direitos indígenas no estado. Estamos abalados pelo atentado e desaparecimento de Nísio Gomes ocorrido no dia 18 de novembro.

 

Nisio era a liderança (Nhanderú) de seu grupo no seu território tradicional conhecido por eles como tekohá Guayviri. Foram várias tentativas de retorno para sua área, e foram várias as expulsões violentas feitas por grupos armados da região. Porém, Nisio estava decidido. Não suportava mais viver nas condições precárias estabelecidas nas antigas Reservas criadas pelo SPI. Queria deixar as terras para o futuro de seu povo. Sabia que corria risco de morte. Mesmo assim, não recuou. Foi covardemente atacado por milícias armadas, permanecendo desaparecido até o momento. Tentaram calar sua voz, mas alimentaram ainda mais a sua luta, onde outros, em seu nome, avançam na conquista de seus direitos.

 

O atentado contra Nísio Gomes e sua comunidade reflete ao mundo um dos piores quadros de violações de direitos humanos contra povos originários. Os  índices de terras ocupadas efetivamente pelos povos indígenas de Mato Grosso do Sul maculam a medida do bom senso, com reservas superlotadas e infestadas pela falta de condições dignas de vida para seus habitantes.

 

Os mais de 31 acampamentos de beiras de estradas só confirmam a necessidade inadiável de soluções concretas pelo Estado brasileiro. O que, infelizmente, ainda não veio.

 

A omissão e o descaso das autoridades públicas são históricas e permanecem nos dias atuais sem previsões otimistas de uma nova postura que respeitem os direitos humanos destes povos.

 

A agressividade em que os setores contrários aos direitos indígenas impõem seus interesses é intolerável, mas tem sido respaldada pelas omissões do Estado brasileiro. O Brasil não poderia reivindicar espaços nos órgãos internacionais, como a ONU, defendendo direitos de povos no mundo afora sem sequer ter reconhecido os direitos dos povos brasileiros. Uma contradição insustentável que deve ter atenção especial dos organismos nacionais e internacionais.

 

Queremos firmar nosso repúdio às manifestações de preconceito e racismo constantemente registradas em Mato Grosso do Sul, que só agravam o cenário já caótico de violações de direitos humanos dos povos indígenas no estado.

 

Tratam os indígenas como “incapazes” ou alegam que “não são índios” conforme as conveniências, visando legitimar as agressões. Os povos indígenas são protagonistas históricos de um processo de resistência que perdura por mais de 500 anos. Lutas onde as armas, foram a palavra e os Mbaracas de seus rezadores.

 

Deste modo solicitamos às autoridades do Estado brasileiro que sejam tomadas as seguintes medidas visando soluções concretas para os conflitos na região.

 

1 – Seja garantida uma “força tarefa” de proteção policial aos povos indígenas de Mato Grosso do Sul contra as várias formas de violências praticadas contra a comunidade e suas lideranças.

 

2 – Seja concluída a investigação pelo desaparecimento de Nísio Gomes, do tekohá Guaiviry, apontando todos os criminosos envolvidos e suas respectivas prisões visando assegurar que não ocorram novas violências na região.

 

3 – Que sejam aprofundadas as investigações sobre o sequestro de crianças indígenas quando do desaparecimento de Nisio Gomes e a possível localização das mesmas.

 

4 – Que seja determinada intervenção federal na região visando concluir as investigações sobre o assassinato de lideranças indígenas e a conclusão das demarcações das terras indígenas no estado.

 

5 – Que sejam publicados os Relatórios de Identificação das terras do povo Kaiowá e Guarani conforme a previsão contida no TAC assinado entre o Ministério Público Federal e FUNAI.

 

Campo Grande, MS, 25 de novembro de 2011.

 

Fonte: Cimi - Regional Mato Grosso do Sul
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