Povos Indígenas da TI Alto Turiaçú exigem educação diferenciada em encontro
José Mendes
Cimi Regional Maranhão
Entre os dias 23 e 25 deste mês, cerca de 60 pessoas – educadores, lideranças indígenas, caciques, cantores e especialistas da cultura dos Povos Ka’apor, Guajá e Timbira – se reuniram na aldeia Turizinho, no Maranhão (MA), para conversar, estudar, rever, refletir e debater a educação e cultura relacionada à vida e permanência no território – ameaçada por frentes madeireiras com a conivência de diferentes instâncias governamentais, além da ausência do Estado.
Foram intensas conversas e relatos sobre educação, mas sempre relacionando aos problemas que têm afetado diretamente as formas dos grupos se reproduzirem socialmente nas aldeias. O encontro contou com apoio do Cimi Maranhão e das comunidades dos Irmãos
Olhando e refletindo sobre outras formas e experiências de educação indígena (Panará e Takina) e educação escolar indígena (Guarani Mbya, Juruna e Tikuna), os indígenas puderam olhar para suas experiências, suas formas de ensinar e aprender; realizaram longas reflexões, conversas na língua materna, cantorias, relatos de histórias de afirmação cultural, entre outras formas de interação.
Realizaram longos relatos: memórias de suas formas próprias de educação com pedagogias fundamentadas no saber-fazer cotidiano e ritual. Relacionaram essas formas de socialização nas aldeias, fundamentadas na educação-cultura, com as experiências de educação escolar indígena que vão sendo impostas, incorporadas ao cotidiano, à vida do povo.
Caracterizando o quadro da educação escolar indígena nas aldeias, identificaram e refletiram sobre inúmeras dificuldades, problemas encontrados que têm ocasionado mudanças na vida do povo com a chegada da escola, de professores karaí (não indígenas), de livros da cultura karaí; de horários diferentes daqueles que orientam o trabalho e a vida nas aldeias. Dificuldades relacionadas ao aprendizado da língua e escrita do português; da inoperância da Secretaria Estadual de Educação (Seduc) e ausência do Estado na garantia dos direitos inerentes a educação escolar indígena específica, diferenciada e em múltiplas línguas – por se tratar de três povos no território.
Mesmo sem a educação escolar indígena ser uma demanda emergente entre esses três povos, as aldeias que já dispõem dessas atividades escolarizadas apresentaram inúmeros problemas relacionados a este aspecto. Entre eles, o acesso está restrito às séries iniciais do Ensino Fundamental de forma debilitada com nenhum reconhecimento do trabalho e formação inicial e continuada de educadores indígenas e não indígenas. Relataram inúmeras situações de falta de respeito às diferentes formas de ensinar, aprender e socializar nas aldeias que estão sendo desconsiderados por professores karaí, técnicos do Estado e municípios.
Diante das inúmeras situações apresentadas, o grupo se viu diante de alguns desafios a serem enfrentados e respondidos por região (Gurupi/Turiaçu/Maracaçumé-Paruá): “Como continuar ensinando e aprendendo do nosso jeito, de acordo com nossa cultura?”; “O que queremos aprender ou continuar aprendendo da cultura do karaí sem esquecer e abandonar nossas formas de ensinar e aprender?”; “Como a nossa educação e a educação dos karaí podem ajudar a enfrentarmos esses problemas que ameaçam nossa vida no território?”.
As inúmeras indagações, reflexões e preocupações apresentadas, sempre na língua materna, puderam afirmar uma forma de pensar. Apresentaram anseios, perspectivas e projetos futuros na continuidade do modo de viver indígena, como Ka’apor, Guajá e Timbira, no território de acordo com sua cultura, mas considerando a relação com os karaí, com as comunidades regionais e com a sociedade envolvente.
Os grupos destacaram os seguintes encaminhamentos: continuar desenvolvendo suas formas próprias de ensinar e aprender fundamentados na cultura de cada povo; priorizar a articulação e mobilização para a realização das festas e rituais tradicionais; desenvolver experiência de educação escolar indígena buscando a ampliação do ensino fundamental pleno para as aldeias que já dispõem dessas atividades; desenvolver projeto de educação escolar indígena na modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA), voltados para defesa da floresta, cuidado com a saúde e sustentabilidade no território.
Decidiram também pela formação de uma Comissão de Educação que deverá buscar orientações, articular apoio e formação para encaminhar as propostas e exigir do Estado – Seduc – o cumprimento dos direitos à educação escolar indígena, sobretudo, na garantia de estrutura, recursos materiais e financeiros para o desenvolvimento do projeto de educação escolar indígena
Sobretudo, articular apoio para realizar o próximo encontro de Educação dos Povos do TI Alto Turiaçu na Aldeia Sítio Novo, entre os meses de outubro e novembro deste ano.
Por fim, o grupo conversou e elaborou estratégias em como enfrentar o descaso dos órgãos públicos com a saúde, com a defesa do território, o descaso e inoperância da Fundação Nacional do índio (Funai) com a defesa do território. Assim como garantir o controle social através do acesso a instâncias de participação para a gestão do território.
Na noite que antecedeu o retorno para as aldeias, os indígenas fizeram rodas de conversa para as articulações por região e, na sequência, com entoar de cantorias e danças Ka’apor, chamaram para o terreiro da aldeia espíritos de inúmeros animais viventes e protetores da floresta para animar, sustentar, reafirmar o jeito de viver indígena no território.