Gritos e celebrações de agosto
Egon Dionísio Heck
Mês intenso. Inúmeras lutas e celebrações. Mobilizações por esse Brasil e mundão afora. Enquanto se mostrava nacionalmente as enormes máquinas ferindo a Mãe Terra, a revolta e indignação contra a barbaridade da hidrelétrica de Belo Monte ecoou das profundezas da natureza aos fortes ventos e furacões de agosto. Não dá mais para calar a rebelião. As violências e agressões são tantas e tão infames, que nos resta inflamar a sagrada ira de clamor e luta pela vida, pela natureza agredida, pela Mãe Terra sendo destruída, pela paz sendo banida!
Pyelito Kue e Mbaraka’i – rastros de uma guerra secular
Tonico Kaiowá faz a vez de um repórter de guerra. Um frágil celular e um computador são os canais que transmitem a dor diária das agressões, dos ranchos destruídos, do temor de um novo ataque eminente. Relata a hora e a intensidade dos tiros, do fogo, da fuga desesperada, dos ferimentos e dos desaparecidos. Retrata com a fidelidade e a emoção e o compromisso com seu povo permitem. Fala da fome que acoita velhos, crianças e adultos, provocando desespero.
Um absurdo. Uma centena de nativos querendo apenas um pedaço de sua terra tradicional para sobreviver, armados apenas de sua disposição de viver e de seus direitos sagrados na lei e no chão, sendo tratados como bandidos invasores. Os heróicos Kaiowá-Guarani enfrentam as forças armadas do agronegócio com o escudo e certeza dos Nhanderu, de Tupã, com grandeza e espiritualidade. O deus do capital, da acumulação, do mercado, jamais conseguirá destruir a resistência, paciência e persistência do povo Kaiowá-Guarani.
Representante do Ministério Público (MP) esteve no local e constatou a brutalidade, violência e destruição feita pelos pistoleiros e capangas dos fazendeiros, conforme é possível constatar nas fotos.
Após denúncia das violências a Polícia Federal de Naviraí foi ao local. Estranhamente não permitiu a presença da Funai, preferindo ir em companhia do fazendeiro. Obviamente que não viram os índios. Foi o suficiente para espalharem a notícia de que não havia índios na região.
Também a polícia militar e civil do Estado se fez presente para ameaçar os índios conforme escreveu Ava: "Os parentes indígenas Guarani e Kaiowá de Jaguapire e Pyelito kue ligaram para mim e para todos, várias vezes, contando que policiais civis e militares do Estado (MS) compareceram ao acampamento, avisando que para não permanecerem ali, nem matar vacas. Além disso, impediram a pessoa que leva comida ao grupo atacado de entrar. Para impedir, policiais civis estão fazendo barreira ao longo da estrada (ou asfalto – BR) que liga as cidades de Amambai, Tacuru e Iguatemi, parando todos os carros, avisando que não é para levar comida e nem nada para o grupo indígena atacado, que de hoje em diante não deixará entrar qualquer pessoa que seja, indígena ou não, com comida lá
Marchas e flores
Marcham as margaridas em frente à casa de Dilma. Marcham os Kaiowá-Guarani sob as amarelo-douradas flores da sibipiruna,
A vida pede passagem. A dor da revolta incendeia os guerreiros que estavam à sobra das árvores destruídas. As águas poluídas pela ganância do latifúndio e do agronegócio se lançam contra as turbinas da morte e da acumulação. Empreiteiras e empreitadas afiam suas armas em seus berços verdes de dólares saqueados e saciados com a cumplicidade do poder.
Pequenas vitórias, grandes esperanças
Yta’i, completa hoje um ano. Retomaram um pequeno espaço de seu tekohá – território sagrado. Ali fincaram a bandeira da esperança. Neste ano conseguiram construir uma importante e indispensável coesão do grupo, construíram uma "oga pisy” (casa de reza) e fizeram o ritual da benção do milho branco (saborô). A maioria dos barracos está coberta de sapé. Certo clima de tranquilidade parece marcar a passagem de acampamento para aldeia.
Estão aguardando a publicação do relatório de identificação da área, que será entregue conforme cronograma acertado entre o Ministério Público e Funai.
Fomos até a comunidade para levar nossa solidariedade nessa celebração de um ano da retomada. Tempo marcado por tensões, mas também de crescimento da esperança.
Vimos juntos o vídeo da retomada, e outros vídeos da luta dos povos indígenas no Mato Grosso do Sul.