21/07/2011

Informe nº973: Romaria dos Mártires reafirma compromisso com as causas da Vida

Por Renato Santana
De Ribeirão Cascalheira – MT

Ribeirão Cascalheira, em Mato Grosso (MT), recebeu no último final de semana, dias 16 e 17 de julho, a Romaria dos Mártires da Caminhada. Sob o mote Testemunhas do Reino, cerca de seis mil romeiros vindos de todo o país celebraram e reafirmaram o compromisso com a causa de homens e mulheres que deram a vida na contestação do latifúndio, da servidão, da corrupção, da violência.

A Romaria acontece de cinco em cinco anos e nesta edição comemorou os 40 anos da Prelazia de São Félix do Araguaia (MT), organizadora da Romaria, e os 35 anos do martírio do padre João Bosco Penido Burnier, assassinado por um policial, em 11 de outubro de 1976, depois de interceder por duas mulheres que estavam sendo torturadas na delegacia de Ribeirão Cascalheira. Dez anos depois da morte ocorreu a primeira edição da celebração romeira.

“Recobramos o compromisso com a causa dos mártires contra a mentira, a corrupção, a desigualdade, a morte. São as testemunhas do reino e devemos todos assumir suas causas”, disse Dom Pedro Casaldáliga durante a celebração. No final da tarde do dia 16, um sábado quente e acolhedor, a Romaria teve início com a Fogueira dos Novos Dias acesa pelos indígenas, povos originários desta terra manchada de sangue mártir.  

Em estandartes decorados com fitas e lantejoulas, os rostos de Marçal Tupã, Galdino Pataxó Hã hã hãe, Xikão Xukuru, Honestino Guimarães, Zumbi, Vicente Cañas, irmã Doroty Stang, Anastácia, Frei Tito, João Canuto e tantos outros que deram a vida pelas causas populares e dos povos negro e indígena. Entre tantas faces, estava a de padre João Bosco. Com as velas acesas, os romeiros seguiram para o Santuário dos Mártires da Caminhada.

No trajeto, moradores oravam e acompanhavam os cânticos nas portas das casas. Gente simples de uma terra marcada pelas injustiças sociais. Erguiam suas velas e terços ao lado de crianças e cachorros – olhares vidrados na multidão que passava devagar. “Isso quer dizer que a causa dos mártires deve ser assumida por todos nós. Não adianta trazer a memória sem tomá-la para si, viver o testemunho”, explica Elizabeth Aracy Rondon Amarante, missionária junto aos índios Myky, no Mato Grosso, há 34 anos.

E os testemunhos das testemunhas foram dados em ato público realizado na chegada da romaria ao santuário. Denúncias contra a violência praticada contra indígenas, quilombolas, ribeirinhos e camponeses foram feitas; atentados contra os direitos humanos, questões de gênero e um emocionado discurso de jovens contra a ação de grupos de extermínio nas periferias das grandes cidades; o grito da comunidade negra contra o preconceito e a opressão de classe.

Antônio Canuto, integrante da CPT, avalia que a romaria deixa duas importantes mensagens. A primeira é para a igreja: ela não pode se afastar das lutas sociais; a outra é conjuntural: a realidade da violência e ataque aos direitos dos desfavorecidos está muito presente e é preciso continuar na luta. “A estrutura do sistema se mantém: é predadora dos bens naturais, exploradora e concentradora de terras, de riquezas”, afirma. A leitura teológica de Dom Pedro, expressa no tema desta romaria, deixa claro que tal situação só se pode reverter se cada romeiro assumir-se como testemunhas da testemunha.

Já outros testemunhos não precisaram de palavras. Bastava olhar para Dona Zenilda Xukuru e as irmãs de Galdino Pataxó para entender a entrega de vidas inteiras às Causas da Vida. “Sofremos muitos massacres. Fazemos retomadas e de lá somos tirados com sangue derramado. Nunca desistimos. Quando Galdino foi assassinado (queimado em 1997 num ponto de ônibus em Brasília), o povo sabia que ele estava brigando por nossos direitos junto aos poderosos”, diz Marilene Pataxó, irmã de Galdino. Dos 37 mil hectares demarcados pela Funai ao povo de Galdino, no sul da Bahia, apenas 18 mil estão com os indígenas; outros 19 mil ainda estão com os fazendeiros.

 

Fonte: Cimi
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