Nota de falecimento, tristeza e indignação
Higienização e genocídio praticado no município de Santa Maria, à luz da teoria lúgubre de Malthus
Morreu ontem de noite no hospital universitário de Santa Maria o filho do Pajé do Acampamento Indígena Mbyá Guarani do Arenal, Marcelino Martins.
A criança de apenas dois dias e sua mãe Suzana Benites tiveram que ser internadas no sábado, após passarem mal no acampamento em conseqüência do agravamento da saúde provocado pelo parto sem condições e pela pneumonia da mãe e do filho.
O parto precoce foi provocado pela tosse e a febre da mãe que estava com pneumonia. A criança já nasceu com a mesma doença e por pouco não morre antes, o que provavelmente ocasionaria o óbito da genitora, também.
O mais chocante de tudo isso, é que a mãe entrou em trabalho de parto sozinha, debaixo de um barraco de lona preta, em uma das noites mais frias do ano, sem água, sem luz, sem médico, sem parteira, com pneumonia, com febre, sem nunca ter acesso a atendimento ou qualquer outro serviço médico específico que possui por ser indígena.
E o mais “bizarro” de tudo isso, já que se ultrapassou o conceito de “palhaçada”, pois agora temos uma criança morta, um pai desesperado e triste e uma mãe no Centro de Tratamento Intensivo do hospital de Caridade, é que esse povo guerreiro que forjou a identidade sulina;
Apesar de viver de forma constante há mais de 1.500 anos nessa região;
Apesar de ter sido responsável pela fundação e viabilização da cidade na primeira metade do século XIX;
Apesar de viver no acampamento do Arenal a mais de 20 anos na mesma situação;
Apesar de já ter convocado, através do MPF, todos os órgãos responsáveis pelo atendimento de seus direito para uma assembléia popular onde entregaram suas reivindicações históricas;
Apesar de esses órgãos terem se comprometidos diante do Promotor Público senhor Harold Hoppe em atender as demandas emergenciais da comunidade;
Há mais de um mês nada acontece!
E essa população continua sem as mínimas condições humanas de viver no local onde vivem, continua tendo o seu acesso aos direitos universais mais elementares como educação, saúde, água, luz, moradia etc.; dificultados e na maioria das vezes negado pela sociedade local que os considera invisíveis.
Enquanto isso… o Ministério Público que era quem, por força constitucional, deveria estar protegendo essa comunidade, apenas solicita informações, protela as decisões que deveriam ser tomadas, preocupa-se em desqualificar grupos como o GAPIN, centra sua ação em torno de discussões vazias como as que faz em relação ao que é artesanato indígena. Se eles podem vender bijuteria no centro etc.;
…. A prefeitura municipal, a FUNAI, a SESAI, o Governo do Estado etc. e etc., além de soluções paliativas, apenas discutem de quem são as responsabilidades ou cobram informações uns dos outros e não se entendem, não tem uma política, não possuem um planejamento de suas ações e sequer possuem um cadastro atualizado da população que mora no local.
A única política de Estado, que se percebe na cidade de santa Maria, há vinte anos no mínimo, em relação aos povos indígenas é a Malthusiana. Fundamentada na teoria lúgubre de Malthus.
“Para eliminar-se uma comunidade, não precisa bombardeá-la. Basta lhes tirarmos, direitos básicos como saneamento, saúde, água, luz etc., e deixarmos que a natureza se encarregue do resto”.
Isso é uma política clara de genocídio. Não é admissível que até agora não foi possível construir nem que fosse uma casa de madeira apenas, ou que não tenhamos ainda um agente de saúde indígena na comunidade, por exemplo.
O que significa deixar uma população sabidamente com problemas nutricionais debaixo de lona com esse frio, sem água potável, sem luz, sem saneamento, sem acompanhamento adequado de uma equipe de saúde capacitada?
O resultado foi rápido: duas crianças internadas com quadro grave de pneumonia e uma morte, além da mãe que continua na CTI do hospital, isso em apenas 40 dias, ou seja, a política está sendo aplicada com total sucesso.
GAPIN – Grupo de Apoio aos Povos Indígenas / Santa Maria – RS