Paz e Guerra na Terra Kaiowá Guarani
Por Egon Heck
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) entendeu que deveria contribuir com a grave situação de conflitos fundiários no Mato Grosso do Sul, propiciando conhecimento e debate sobre a questão fundiária no estado. Previu-se, inicialmente, apenas num seminário, a ser realizado
Segundo o juiz Antônio Carlos Alves Braga Júnior, só
Por conta de tal situação, o CNJ quer conhecer toda a realidade enfrentada no estado, tanto dos indígenas como dos proprietários de terras. Serão ouvidos representantes do Ministério Público Federal (MPF), Fundação Nacional do Índio (Funai) e sindicatos representativos, entre outros. Este debate acontece durante o Seminário “Questões Fundiárias em Dourados”, que começou ontem e termina hoje, 26 de maio, na Universidade da Grande Dourados (Unigran). (O progresso, 26-05-11)
O objetivo do encontro é obter o máximo de informação e fazer a mediação entre as partes para se buscar a pacificação através de um modelo de abordagem específico, mas que de Dourados pode, segundo o juiz, se tornar referência para o resto do país.
Uma platéia de umas 400 pessoas, sendo a grande maioria de fazendeiros e produtores rurais, aplaudiu, alternadamente, as colocações dos oradores.
A tropa de choque do agronegócio
Na imprensa escrita e eletrônica estava estampada a estratégia do agronegócio: partir para a ofensiva, mostrando seu batalhão de soldados do progresso que estavam sendo ameaçados por um grupo de indolentes nativos, engrossado por “paraguaios” que atravessavam as fronteiras para disputar as terras de ilustres brasileiros.
No editorial do jornal O Progresso, porta voz do agronegócio, destaque para a trincheira a partir da qual está batalhando: “Na ótica dos que defendem essa tese, os índios vivem confinados em pequenas áreas e precisariam de mais terras onde, teoricamente, viveriam melhor. Ledo engano. Aliás, essa teoria serve apenas para inflamar ainda mais os ânimos de grupos indígenas que foram transformados em massa de manobra e, mais grave, para fomentar a indústria da invasão de terras particulares
A partir dessa tese vale tudo – pedir a revogação das portarias de identificação das terras Kaiowá Guarani; elencar, tendenciosamente, os 26 municípios que serão transformados em terras indígenas, com mais de 10 milhões de hectares, das terras mais produtivas do estado; desfilar estatísticas fantasiosas da produção nessas terras; acusar os índios como invasores e seus aliados como agitadores e instigadores inescrupulosos, tendo os índios como massa de manobra. Enfim, as já surradas teses do progresso a qualquer custo, e da negação do direito dos povos indígenas às suas terras.
Nessa guerra foram levados ao palco do debate, até teses já há muito superadas em termos legais no país e no mundo, como a questão dos “índios aculturados”, como era o caso dos Kaiowá Guarani, que não teriam direito à terra, pois não eram “isolados”. Confusas e primárias teorias, esteriotipos e preconceitos a respeito dos povos indígenas foram trazidos para a arena na Unigran. Foi lembrado que na entrada na mesma está o preceito máximo da nação: Ordem e Progresso, mas que isso estava sendo impedido pelo conflito com os índios.
A última manifestação, como produtora rural, foi de uma conhecida desafeta de defensores dos povos indígenas, que não perdeu a oportunidade de espalhar o seu fel e veneno, como metralhadora giratória, com acusações irresponsáveis, e levianas.
O antropólogo, acesso do Ministério Público Federal, desmascarou o discurso cínico de que tem muita terra para poucos índios. Fez comparações entre o território da cidade de São Paulo, que equivale ao de Juti, no MS, sendo que essa última tem um pouco mais de cinco mil habitantes. Trouxe como exemplo a realidade do estado do Mato Grosso, onde 14% do território são terras indígenas, enquanto no Mato Grosso do Sul a percentagem de terra indígena é de apenas 0,2%. Concluiu dizendo que certamente o reconhecimento das terras indígenas em nada irá comprometer a economia do estado.
Vozes da resistência
Os Kaiowá Guarani se manifestaram na audiência pública através de suas principais lideranças políticas e religiosas. A tônica das falas foi no sentido de mostrar que estão conscientes de seus direitos e por eles estão lutando, com muita firmeza e dignidade. Ao mesmo tempo estão empenhados em contribuir para que se supere a situação de conflito e guerra a que estão secularmente submetidos, e que lhes traz tanto sofrimento e violência.
Anastácio Peralta Kaiowá, do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), abriu as falas dos representantes indígenas em tom contundente, dizendo que por vezes sente vergonha de ser brasileiro, país onde ainda reina a mentalidade da pistolagem, onde índio tem que ser morto. Concluiu dizendo que agora estão decantando a produção do etanol, como sendo combustível limpo, mas que isso não é verdade, pois ele vem manchado com o sangue dos índios. Depois entregou aos representantes do CNJ um dossiê, em nome do Conselho da Aty Guassu, em cuja introdução conclama “Esperamos que nossa voz seja ouvida e nossos clamores tenham resposta urgente. Sem terra somos vivos mortos, sem terra somos um povo condenado, submetidos ao etnocídio, decreto de morte parra nossa cultura e nosso futuro”.