“É preciso o povo na rua”
Essa foi a avaliação da mobilização contra Belo Monte realizada hoje em Brasília
Por Cleymenne Cerqueira
Assessoria de Comunicação do Cimi
Na mobilização contra a construção da hidrelétrica de Belo Monte realizada hoje (8), em Brasília, viu-se mais uma vez o descaso do governo com as reivindicações dos povos indígenas e, ao mesmo tempo, a importância de que o povo mobilizado vá às ruas lutar contra a obra. O falso diálogo proposto pelo governo federal não atenderá as demandas das diversas comunidades indígenas, ribeirinhas, de pescadores e agricultores que vivem na região da Volta Grande do Xingu, no Pará, onde pretende-se construir Belo Monte.
Lideranças dos povos Arara, Kayapó e Juruna, bem como representantes de movimentos sociais e demais comunidades atingidas por barragens estiveram na capital a esperança de ao menos serem recebidos pessoalmente pela presidente Dilma Rousseff. No entanto, mais uma vez o governo se negou a receber o povo e a dialogar diretamente com ele e preferiu, de acordo com a agenda do dia, despachar tranquilamente no interior do Palácio do Planalto.
As pessoas que vieram de suas regiões, algumas viajando cerca de 40 horas, não puderam ao menos ser ouvidos. Nem mesmo o documento e as mais de 600 mil assinaturas contra o projeto puderam de fato ser entregues. Novamente, os grupos que atuam nessa luta foram recebidos pelos assessores da presidência, que sem poder de decisão, somente reafirmavam repassar as solicitações às mãos da presidente.
Carta para Dilma
Em documento entregue no Palácio do Planalto, o grupo pede à presidente Dilma que ela abandone de vez a idéia de construir Belo Monte, bem como apresentam uma série de erros e ilegalidades registrados nos licenciamentos da obra. Entre os erros apontados está a identificação dos que serão atingidos pela hidrelétrica, que não considera a relação das populações tradicionais com as florestas, animais e rios da Amazônia.
Eles reclamam ainda da falta de transparência em todo o processo para a construção da usina. As comunidades não foram ouvidas, embora o governo grite aos quatro cantos que realizou audiências públicas. As pessoas não têm acesso a informações qualificadas que apontem exatamente o que acontecerá. Outro ponto destacado é o alto custo econômico e social da obra, que gerará energia para as grandes empresas e não para o povo de Altamira, que terão suas terras alagadas, ficarão sem peixes e outras formas de sustentabilidade.
A única resposta que obtiveram foi a promessa de que as solicitações expostas na carta serão enviadas à presidente e que o governo está disposto a criar um Grupo de Trabalho (GT), aonde governo, movimentos sociais e povos indígenas poderão dialogar. No entanto, em nenhum momento houve resposta imediata em relação ao início das obras de Belo Monte e a série de irregularidades que permeiam o projeto.
Assim, ao sair do encontro, o grupo reafirmou a luta contra a hidrelétrica. “Não estamos pedindo revisão do projeto como nos oferece o governo, por isso, não tem porque criar um GT. Nós não queremos Belo Monte, não queremos de jeito nenhum, pois essa obra não vai servir ao povo, à classe trabalhadora”. De acordo com o grupo, a criação do GT é mais uma estratégia do governo para calar a boca do povo.
Firmes na luta
Com faixas, cartazes e animados para a luta, eles cobraram que o governo olhe para os povos indígenas e que reveja o atual modelo energético do país. Antônia Melo, representante do Movimento Xingu Vivo para Sempre abriu o ato público chamando as pessoas para se unirem à luta contra Belo Monte. “Temos que continuar na rua, todos juntos, dizendo que projetos como esse não é o tipo de desenvolvimento que queremos para o país. Está mais que provado que a sociedade brasileira não aceita mais esse modelo, essa violência”, declarou.
Grande liderança do povo Kayapó de Mato Grosso, cacique Raoni falou ao povo insistindo para que participem da mobilização e se coloquem contra Belo Monte. “Estou aqui mais uma vez perante os parentes e demais pessoas para me colocar contra essa barragem que só vai fazer mal para nós, para nossas famílias, para nossas terras. Por isso, eu digo mais uma vez: Eu não quero Belo Monte. Estamos juntos nessa luta, afirmou.
A igreja também se fez presente em mais esse momento de luta. Durante o ato foi lida uma mensagem enviada pelo bispo da Prelazia do Xingu e presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), dom Erwin Krautler, lutador esperançoso e fiel junto aos povos da Amazônia. Em carta, ele lamentou não estar presente a mais este ato que manifesta a revolta e a indignação dos povos do Xingu diante da prepotência do governo federal.
Dom Thomas Balduino, bispo emérito de Goiás e presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), também esteve presente e declarou apoio á luta contra Belo Monte.“Hoje é um momento de indignação, manifestação contra essa loucura que quer destruir o maior santuário do nosso país e da Amazônia, que é o rio Xingu. Pensei que com o avanço da soja e do eucalipto não fossem mexer nesse local, mas me enganei, querem tirar os povos indígenas e outras comunidades tradicionais que vivem lá.
Ele encoraja os movimentos sociais envolvidos na mobilização ao afirmar que acredita nas organizações que entraram nessa luta para vencer, somar forças e equilibrar esse sistema que é tão desigual, aonde pequenos grupos decidem o futuro de milhares de famílias com base no lucro e na geração de grandes capitais.
“Ninguém é porco”
Osimar Juruna, liderança do povo Juruna, manifestou seu descontentamento com o tratamento que o governo federal tem dispensado aos povos indígenas por meio de uma política assistencialista. “Ninguém é porco para viver só de comida, de cestas básicas. Nós temos força para trabalhar, como sempre tivemos. Por isso não vamos nos deixar comprar por cestas não, vamos lutar até o fim, enquanto vida e força tivermos”. Ele ainda manda um recado à presidente: “Dilma respeita os nossos direitos, é isso que queremos e não esmola, cesta básica”.
Outra liderança da região, Josinei Arara, reafirma as palavras de Osimar ao garantir que não desistiram da luta contra Belo Monte. “Não vamos desistir nunca. Vamos insistir até que um dia a presidente resolva nos ouvir falar. Se o governo insistir em construir essa hidrelétrica ele pode ter certeza que terá uma guerra, pois nós não vamos desistir”, declarou.
Mais do mesmo
Moradores de regiões afetadas por barragens e outras grandes obras do governo também participaram do evento. Em suas falas, toda a verdade sobre o que realmente acontecerá ao povo do Xingu caso Belo Monte seja construída. Na época que se pretendia construir as barragens de Canabrava e Serra da Mesa, no Tocantins, os órgãos governamentais utilizavam o mesmo discurso de necessidade de geração de energia e desenvolvimento para a região.
Infelizmente, o que se nota pelos depoimentos é justamente o contrário. Diversas famílias desalojadas ou simplesmente levadas para áreas onde não têm a menor condição de viver, de sustentar suas famílias. Em grande parte desses locais o desenvolvimento para o povo nunca chegou. A população sofre com a falta de infra-estrutura e acesso a serviços básicos, além de sofrerem com os altos índices de criminalidade, de desemprego e até mesmo casos de exploração sexual de crianças e adolescentes.
Para dona Francisca Alves Barroso, moradora do município de Cavalcante e que teve a terra coberta pela barragem de Canabrava, as obras só trouxeram dor e problemas. “Estamos aqui na defesa de que não sejam construídas mais barragens, pois até hoje estamos sofrendo as conseqüências do que fizeram para nós. Essas obras tiraram nossa paz, trouxeram doenças e desestruturaram nossas famílias”, desabafou.
Nova estratégia
Após a frustração de não serem recebidos pela presidente Dilma, o grupo afirmou a necessidade de se organizar, convocar aliados e partir para a luta. A estratégia agora não deverá ser somente de diálogo com o governo, mas de ação. “Não há como se enganar, o governo não vai receber o movimento porque não está disposto a discutir com a gente. É preciso centrar força e resistência e partir para novas ações”, declarou Moisés Ribeiro, do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB).
“É preciso ter o povo na rua porque o governo nunca dará as respostas que queremos. Hoje, mais uma vez eu saio daqui frustrada, mas ao mesmo tempo sabendo que somente o povo unido e mobilizado será capaz de barrar esse projeto”, afirmou Sheila Juruna. De acordo com ela, os representantes que receberam as delegações afirmaram que a presidente fará o que tiver que ser feito.