04/01/2011

Agonia da alma Guarani?

Ao iniciar mais um ano, recebo muitas ligações de amigos das aldeias desejando muita paz e força no novo ano.  A todos gostaria de retribuir o desejo, milhões de vezes, pois se existem povos agoniadamente em busca da paz e da vida, um deles é sem dúvida o Guarani.

 

Numa rápida pesquisa na internet nos sites de notícias do Mato Grosso do Sul, verificamos a continuidade da extrema violência contra as comunidades indígenas daquele Estado. As manchetes nos mostram um pouco do drama: "Indígena de 18 anos é encontra morta em aldeia de Dourados"; "Identificada indígena assassinada a pedradas"; "Adolescente indígena é assassinado a faca em Amambai"; "Indígena de 14 anos comete suicídio em Sete Quedas"; "Indígena é morto com golpes de faca em Dourados"; "Índio morre com machadada no rosto após confusão em aldeia"; "Indígena é morto com paulada na cabeça pelo filho em aldeia de Tacuru"; "Mãe de 82 anos e filha são mortas a golpes de facão". E por aí vai… Vale lembrar que são alguns dados apenas do mês de dezembro/2010 e início de janeiro/2011”.

 

Poderíamos acrescer vários outras mortes e violências. O jovem Serbino, de 15 anos, atropelado e morto na madrugada de Natal, na BR-163, em frente ao acampamento Laranjeira Nhanderu; um adolescente Kaiowá Guarani foi esfaqueado na noite de ano novo, na aldeia Ceroí; “Criança é estuprada, agredida e morta a pauladas” na aldeia Tey Kue (Midiamax 22/12/2010); uma criança de 6 anos foi atropelada na MS-156, recentemente duplicada, que corta a terra indígena Dourados.

 

Tudo isso tem uma causa maior: a genocida não demarcação das terras Kaiowá Guarani. Em recente viagem a vários países da Europa, uma das sugestões foi de levar essas denúncias à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos. A mesma ação foi sugerida pelo movimento indígena e pelas entidades de apoio, no ano passado.

 

Das profundezas do espírito

 

Como gostaria de ter saudade do futuro! Quanto adoraria ouvir os pássaros de uma nova aurora, forjar com seus suaves cantares, tempos de sublimes melodias de paz. Que bom seria andar nas sendas guarani inundadas de sabedoria!

 

Os Guarani são talvez a maior denúncia do descalabro do mundo atual, da agonia da alma dos não Guarani. Até quando se continuará acelerando progresso e crescimento econômico, sobre o sangue e os direitos dos povos indígenas?

 

Apesar de toda essa duríssima realidade de violência, estamos diante de um povo lutador, resistente, que jamais perde a esperança de um dia voltar a viver feliz e em paz nos seus territórios, nas terras sem males.

 

Em 2010 conquistaram alguns avanças no reconhecimento de seus tekohá. Os Grupos de Trabalho voltaram às áreas para concluir seus trabalhos. A comunidade de Sukury’i teve o reconhecimento sobre os 530 hectares, já registrados no SPU e no cartório do município de Maracaju; Guiraroká teve a portaria de demarcação assinada; Ypo’i e Kurusu Ambá tiveram o direito de continuarem em seus tekohá; os Guarani realizaram dois grandes encontros, como o Encontro dos Povos Guarani da América do Sul, em Añetete, em fevereiro, e o III Encontro Continental Guarani, realizado em Assunção, no Paraguai, em novembro; criaram o Conselho Continental da Nação Guarani, dentre outras iniciativas e instrumentos de luta do povo Guarani.

 

Dilma passa por todos os passos do ritual do poder. Da guerrilha do Araguaia à rampa do Palácio do Planalto. São as maravilhas das entranhas da democracia. De um operário a uma mulher guerreira. Os caminhos imperscrutáveis das sociedades nacionais modernas. O que os Guarani e os povos indígenas do Brasil gostariam de perguntar à presidente Dilma é o significado de seu silêncio com relação à política indigenista, em especial o reconhecimento constitucional dos territórios indígenas, dívida que ela está herdando de seus antecessores.

 

Dourados (MS), início de 2011.

 

Egon Heck

 

Fonte: Cimi - Regional Mato Grosso do Sul
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