22/10/2010

Irmão Korta, o irmão Ajishäma

Para os índios Makiritares, José María Korta Lasarte é o Irmão Ajishäma: a garça que mostra o caminho para a salvação, para a terra prometida. Os Makiritares o batizaram assim quando o irmão jesuíta, há muitos anos, conheceu pela primeira vez as terras do Amazonas venezuelano, no Alto Ventuari. Hoje, com 80 anos, esse jesuíta nascido em Donosti, continua sendo um lutador incansável, que serviu durante toda a sua vida a causa da resistência indígena, impulsionando a revolução cultural de todos os povos da Ameríndia.

 

A reportagem é do sítio El Pueblo Soberano, 18-10-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

 

Entre as décadas dos anos 1970 e 1980, o Irmão Korta permaneceu em Alto Ventuari, acompanhando os primeiros projetos de autonomia e autogestão econômica antidesenvolvimentistas para os índios, com a criação da União Makiritare do Alto Ventuari (UMAV), para o desenvolvimento da criação de gado e búfalos, e o Sanemap, organização dedicada à produção de mel dos Sanemas no Alto Parú.

 

O bem-estar alcançado pelas comunidades indígenas, graças ao apoio incondicional do Ir. Korta e de sua forma de assumir a condição de missionário, incomodou tanto aos latifundiários, autoridades civis e militares, assim como a própria Igreja. O irmão foi expulso do Amazonas.

 

Mas o respeito que Ajishäma havia transmitido às comunidades indígenas, por sua cultura e sua sabedoria ancestral, assim como pelo compromisso que havia adquirido com o projeto emancipador das comunidades, fez com que ele regressasse por pedido dos índios a suas terras, para criar materiais no idioma materno de cada grupo.

 

Daqui por diante, apareceram outros espaços, fundamentais para a luta indígena, como o Centro de Educação e Promoção da Autogestão Indígena (Cepai), o Secretariado da Causa Ameríndia Kiwxi, promovido pela Companhia de Jesus – posteriormente fundação autônoma –, a Escola de Voluntários de Yarikajé, ou Ecomunidad, o Ateneo Indígena de las Lenguas e a Universidad Indígena del Tauca, até chegar, depois de muitas discussões, à criação, em 2004, da Universidad Indígena de Venezuela (UIV), única no país e de onde poderão surgir, nessa visão de resistência de Ajishäma, "os verdadeiros mestres, os verdadeiros promotores, os verdadeiros construtores das comunidades dos povos indígenas da República Bolivariana da Venezuela". Para Ajishama, "o máximo que Chávez pode fazer em favor dos indígenas é tornar possível que suas universidades funcionem de maneira autônoma e real, dirigidas pelos próprios índios conscientizados".

 

Sobre o Ir. Korta, lemos que "não é um padre comum", que é uma pessoa que pratica a frontalidade sempre, aceitando o conflito, que "não tem papas na língua com ninguém para dizer suas verdades". Suas crenças partem de que todos temos um Pai comum. No entanto, o fundamental para ele é que a identidade de cada povo se construa a partir da sua própria fé. Um missionário, diz, jamais deve esmagar a idiossincrasia do povo indígena.

 

Por isso, "não se fala de Deus, mas de Deuses", e se fala sempre em um plano horizontal, onde se respeitam todas as crenças e onde não há um padre ou um pregador tentando impor sua verdade. Ajishäma nos ensina assim uma lição básica da história: "O respeito pelo direito alheio".

 

Toda essa consciência e essa forma de ser que acaba com o costume de ver os índios pedindo ajuda, esmolas, sem direitos nem autoestima, provoca ao Ir. Korta sérios inconvenientes com todos os setores oficiais, que o pressionam para que ele saia do país.

 

Mas o Ir. Korta não se cansa. Agora, mais do que nunca, ele segue na luta, dando testemunho de uma consciência totalmente lúcida, assinalando que, de acordo com o estado das coisas no país, apesar de uma Constituição Bolivariana promulgada em 1999 e a própria LOPCI (2005) [Lei Orgânica dos Povos e Comunidades Indígenas], se os índios "se reapropriassem de seus direitos, seriam massacrados agora mesmo, porque são muito frágeis frente ao mundo crioulo, os criadores de gado e o poder econômico".

 

Sabemos que isso que Korta assinala é justamente o que está acontecendo neste mesmo momento com a resistência yukpa e no caso do cacique Sabino Romero Izarra, que, por lutar pela recuperação de seu território e de sua cultura, está sendo penalizado e criminalizado, ainda, como parte de toda uma política aplicada de assuntos indígenas governamentais. Diz Korta: "É preciso diferenciar um apoio econômico de uma claudicação no governo, que é o que está acontecendo com os povos indígenas. Dão-lhes grandes cargos políticos e, a partir do partido, colocam-nos liderando políticas do Estado para conseguir a integração dos povos indígenas no modelo ocidental".

 

Segundo manifestam companheiros sobre o irmão, ele "se mantém abraçado à esperança de promover a incorporação do indígena venezuelano ao processo de desenvolvimento do país, respeitando os valores de sua cultura, por meio do reconhecimento oficial da Universidade Indígena da Venezuela pelo Estado, como do centro de estudos superiores para as etnias nativas".

 

Ajishäma manifestou que dará sua vida para ver esses povos levantados e que a Universidade fundada "é o coração de um povo", e por isso não descansou desde que se integrou a ela.

 

Como emblema da UIV, aparece a figura de Kiwxi, o nome indígena do Ir. Vicente Cañas, missionário jesuíta assassinado no Brasil por defender o território dos nativos. Ele é, além disso, padroeiro da Causa Ameríndia, fundada em 1993 pelo Ir. Korta, para reconstruir a identidade dos povos indígenas a partir da sua própria fé e assim resgatar os valores ancestrais que fazem parte do patrimônio cultural da humanidade.

 

Desde a última segunda-feira, 18 de outubro, o Ir. Korta decidiu ir até as últimas consequências e anunciar uma greve de fome em vista de que, na Venezuela, apesar da legislação promulgada em matéria de direitos para os índios, continuam ocorrendo as piores injustiças com relação aos povos e cidadãos indígenas e, o que é ainda mais lamentável, continuam sendo aplicados esquemas de dominação coloniais e imperialistas.

 

Exigimos junto ao Ir. Korta que ocorra no país uma verdadeira mudança social, uma mudança que dignifique todos os povos indígenas do continente e a todos os povos do mundo, onde se respeite a diversidade das identidades e das culturas, se garantam e se protejam os direitos e se manifeste a justiça.

 

Estamos fartos de que os grupos de interesses econômicos e as transnacionais e o poder rejam e decidam destinos que não lhes pertencem em nossa pátria e em nosso continente.

 

Exigimos que se garantam nossos direitos indígenas!

Exigimos respeito e dignificação para todos os irmãos indígenas!

Estamos em luta inabalável!

Fonte: IHU
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