A ofensiva do capital sobre a agricultura na América Latina
Domingos Marileo representante mapuche, iniciou a tarde de trabalhos do dia 13 de outubro no V Congresso da CLOC. “Para nós e por nossas futuras gerações temos a necessidade urgente de valorizar a nossa identidade. Somos os primeiros povos, somos filhos da madre terra. Em nossa condição de mapuche, mas também dividindo nossa condição com outros povos originários, temos que denunciar a opressão dos governos neoliberais, que também se mostra sobre os povos originários, eles usam recursos de poder para expropriar as terras dos nossos povos. Mesmo assim, somos um povo que resiste”, declarou ele. “Através da história podemos ver que o capital tenta invadir nosso território. Os mapuches temos vivido a forma mais cruel da opressão e expropriação, com isso temos tentado lutar por um projeto democrático. Cada dia que passa necessitamos mais de um projeto alternativo em todas as áreas, que confronte o modelo neoliberal e garanta a liberdade dos povos originários”, concluiu o representante mapuche.
Articulação latinoamericana frente aos grandes projetos
“Vamos construindo uma articulação continental que junte as forças frente aos inimigos comuns”, com essa ideia João Pedro Stedile, membro da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra do Brasil, iniciou sua fala que consistia em fazer um panorama da atual situação agrária na América Latina e do avanço do capital sobre essas terras.
Segundo João Pedro, em cada local o capital se comporta de forma distinta, porque o projeto do capital se constrói sobre bases naturais que se diferem de região para região, de país para país. Mas ele tem um plano geral de exploração e acumulação dos lucros e riquezas, que permeia todo esse projeto. Um primeiro ponto a se destacar é que a maioria de nossos movimentos e a tradição que temos, é de que estes se formaram em um momento em que o capital industrial dominava. “Da década de 90 para cá, o capitalismo industrial está ingressando em uma nova etapa. Agora ele já não é dominado pelas fábricas, mas por um capitalismo financeiro, que é controlado pelos bancos e que também está articulado com os grandes grupos econômicos e comerciais. Temos percebido mudanças na forma que o capital chega ao campo. Não é mais o capital industrial que quer vender insumos ao produtor. Há um movimento mais amplo, que levou a tendências gerais que estão ocorrendo em todo o mundo, como a compra de ações de empresas que se transformaram em grandes conglomerados”, frisou João Pedro.
Com a derrota dos países socialistas e com a economia capitalista fragilizada, organismos internacionais se transformaram em instrumentos de liberação de entrada de capital transnacional em nossos países latinoamericanos, de forma que o capital possa controlar nossas agriculturas, como no caso do FMI e do Banco Mundial. No Brasil, o setor capitalista gera, por ano, cerca 130 bilhões, mas consegue dos bancos perto de 100 bilhões. Ou seja, para gerar essa cifra ele necessita de um investimento quase similar. Segundo João Pedro, foi parte da estratégia dos governos neoliberais, também destruir as articulações e políticas públicas de produção do campo. Agora com governos progressistas no continente, se está tentando derrubar isso, e recompor políticas estatais de proteção aos camponeses.
Em 2008 se instalou uma crise do capital. Era um momento, depois de um período histórico de refluxo dos movimentos sociais latinoamericanos, de retomar e alavancar as lutas no continente. Entretanto, segundo Stedile, na América Latina somente os povos bolivianos estão em ascensão, lutando por políticas públicas nas ruas, junto à população. Em nenhum outro país se viu ou se vê isso. “O que passou em nosso continente é que as contradições do sistema acabaram fortalecendo a ocupação do capital sobre nossa produção agrícola. Em nosso continente tivemos um processo crescente de desnacionalização do nosso campo. Com isso, o capital se apropriou de terras, água, sementes, hidrelétricas, mineradoras, entre outras. Nossas economias não sofreram com a crise, claro, porque o capital correu para cá, para o continente latinoamericano e, com isso, a economia cresceu, mas foi um crescimento para os capitalistas”, destacou João Pedro.
A crise da reserva de petróleo chegou ao ponto de que as empresas petrolíferas e automobilísticas começaram a investir no chamado biocombustível, a quem a Via Campesina chama de agrocombustível, por considerar que essa produção não significa, de nenhuma forma, vida. No Brasil, em três anos, as empresas transnacionais desnacionalizaram 30% de toda a produção de cana de açúcar. A Cargill hoje, no Brasil, industrializa 12 milhões de toneladas de cana por ano. É mais do que toda a produção canavieira dos países do Caribe juntos. E essa é, segundo Stedile, uma proposta para todos os países.
Esses grandes capitais fazem, também, especulações nas bolsas de valores. Com isso, os produtos agrícolas padronizáveis, as chamadas commodities, vendem nas bolsas de mercadoria os alimentos primários produzidos no mundo. As grandes empresas, para proteger seu capital financeiro, transformam esse dinheiro em títulos mercantis. Toda a safra de milho, trigo e soja, por exemplo, já está vendida até 2015.
Capitalismo e Estado
Como resultado da crise, o capitalismo, que até então não se importava com o Estado, pois considerava que o mercado controlava e resolvia tudo, passa a perceber que a saída que tinham para seus problemas era o próprio estado, pois ele é uma máquina de impostos. Os capitalistas agora, portanto, revalorizaram o estado. Por isso, voltaram a disputar os governos com os movimentos sociais e as alianças de esquerda. Isso fica claro nas tentativas de derrubar os governos progressistas no continente, como o de Rafael Correa, Evo Morales, Lula e outros, pois querem disputar dinheiro dentro do Estado.
Hoje, segundo Stedile, temos uma situação muito grave, pois mudou a classe dominante no campo e o principal controle das produções agrícolas no mundo, agora, está nas mãos das empresas trasnacionais e dos bancos, que estão atrelados a eles. Trinta empresas controlam toda a produção agrícola do mundo, quando não controlam fisicamente, controlam os preços. “O fundamental para eles é controlar os preços, é assim o mercado, inclusive nos países que antes eram exportadores de determinado produto. Tudo se está privatizando. No Brasil, a Nestlé tem uma ‘taxa de ganância’ maior vendendo água do que vendendo leite. Isso também está levando a uma padronização dos alimentos, e isso é um risco para a humanidade. Querem que todos os povos comam a mesma comida. Uma comida que não é saudável e que tem aumentado os casos de doenças e câncer no mundo, principalmente por causa dos agrotóxicos”, destacou Stedile.
O agronegocio veio com o monocultivo, para aumentar suas taxas de ganância. Necessitam, com isso, de máquinas agrícolas e não de mão de obra humana. Outro ponto a se destacar é que precisam sempre de grandes quantidades de venenos, agrotóxicos e, com isso, destroem tudo, água e todos os recursos naturais a sua volta. “A agricultura campesina é a única que pode salvar o planeta porque é ela que protege a biodiversidade, que protege a pachamama”, disse João Pedro.
Dentro da sua lógica expansionista, o capitalismo olhou para os indígenas, afrodescendentes e comunidades tradicionais, como parcelas atrasadas. E com isso, as investidas dele sobre os territórios desses povos têm aumentado muito. Isso causa expulsão e prejudica, ainda, o modo de vida tradicional dessas comunidades. No Brasil há cidades onde se tem grande produção de soja, em que triplicou o número de abortos por causa da água da chuva que as mulheres beberam, e que já vinha com agrotóxico.
“Temos agora que fazer luta de classes para disputar um modelo de produção agrícola. É impossível conviver o modelo capitalista de agronegócio com o modelo campesino, enquanto modelo de produção. Temos também que disputar territórios, para transformar grandes regiões em territórios camponeses”, enfatizou Stedile. Usando uma premissa de José Martí, um grande revolucionário cubano, de que “só o conhecimento liberta verdadeiramente as pessoas”, João Pedro concluiu sua exposição dizendo, “temos que tomar a educação como uma bandeira dos campesinos, para que o conhecimento seja patrimônio de todos que vivem no meio rural. Só é possível manter a juventude no campo, se desenvolvermos formas de emprego de que goste a juventude, aplicando, com isso, seu conhecimento e aprendizado”.