04/10/2010

Com quantas interrogações se constrói uma ferrovia?

Entre os dias 29 e 30 de setembro, agentes da equipe da CPT Sul/Sudoeste estiveram em mutirão na cidade de Brumado levantando a realidade das comunidades de Represo, Capote, Quixaba, Lagoa da Rosa, Canal, povoado de Itaquarai, Barreiro Branco e Tocadas, que vêm sendo impactadas com o processo que envolve a implantação Ferrovia Oeste Leste – FIOL. Na visita notou-se que maior do que a ameaça da construção da ferrovia, o que mais incomoda aos moradores é a total desinformação sobre questões referentes à re-locação e indenização sobre poços, áreas plantadas, casas de adobe etc.

 

Os moradores vêem suas propriedades sendo invadidas sem ao menos saber se podem contestar ou não, já que os funcionários da ECOPLAN (empresa responsável pelo levantamento topográfico) afrontam as famílias dizendo que aquela é uma obra do governo e que a permissão das comunidades não implica em nada na continuidade dos trabalhos.

 

Durante o mutirão pode-se ouvir diversos relatos de desrespeito aos direitos dos moradores. Pessoas que temem não ter para onde ir, pessoas que começam a crer que são pequenas diante do tamanho do problema. Porém, faíscas de organização  e luta coletiva começam a crepitar nas comunidades, “se correr o bicho pegar, se ficar o bicho come, mas se nó se junta o bicho foge”.

 

Um morador do Itaquaraí relatou que estava chegando de viagem e encontrou os topógrafos dentro de sua propriedade. Afirmaram que ali passaria a ferrovia e que a indenização seria com base no valor estipulado no ITR (Imposto Territorial Rural), os funcionários da ECOPLAN destruíram parte do plantio de maracujá e ainda afirmaram que a casa daquela família não poderia ser indenizada por ser uma construção de adobe.

 

Dona Amaria, 71 anos viu derrubarem um umbuzeiro no seu quintal. Os topógrafos adentraram, sem permissão, a sua propriedade e começaram a cortar a árvore com a justificativa de que ali seria implantado um marco referencial. O marco que complementava a renda de D. Amaria, com cerca de 300 reais por ano, ainda era de grande valor sentimental para a família. A senhora pediu que os funcionários esperassem ao menos até o fim da colheita para fazer a derrubada. “Os olhos enchem de água quando olho para o quintal. Dá uma pena. Um umbuzeiro tão bom”, lamenta D. Amaria. Cabe salientar que o umbuzeiro é protegido pela Lei 3548/04, e quem infringir a lei estará sujeito a detenção e multa.

 

Um morador da comunidade de Capote, disse que ao questionar sobre qual seria o benefício da ferrovia para comunidade, o funcionário lhe respondeu em tom jocoso que ele poderia ver o trem todos os dias passando em sua porta.

 

Moradores de áreas que não possuem o título de propriedade, porém têm o legítimo direito de posse por tradicionalmente viverem na e da caatinga e das vazantes, estão sendo acuados pela empresa ECOPLAN que afirma que eles não têm direito algum sobre as terras. Que elas pertencerem ao Estado, e que por isso o governo pode fazer com aquelas terras o que bem entender.

 

As falas do povo demonstram que maior que a preocupação quanto às indenizações é a certeza de que querem continuar suas vidas ali na terra em que todos “viram gente nascer, se criar e morrer”. Pois, como disse seu Joaquim da Comunidade de Represo “Se ao menos a ferrovia transportasse os maracujás e limão que nós plantamos aqui, até valeria o preço da dor”.

 

A Ferrovia Oeste Leste faz parte do conjunto de obras feito sob medida para servir unicamente aos Grandes Projetos. Cerca de 85% da carga transportada pela FIOL será oriunda da mina Pedra de Ferro, da Bahia Mineração LTDA. O restante fica por conta das monoculturas que devastam o cerrado no Oeste baiano. As populações tradicionais são invisibilizadas e desconsideradas numa ação clara de racismo ambiental.

 

O cotidiano de mais de 1000 famílias será completamente abalado sem que as mesmas tenham sido minimamente informadas e, sobretudo, sem que conheçam claramente os seus direitos. Teme-se que mais uma vez a paga pelo progresso seja a vida das comunidades, silenciadas em prol das negociatas entre o poder público e o capital privado, nestes casos quem paga o preço alto do negócio é o povo que sente mesmo quando a ferida não dói mais, pois continua doendo a cicatriz (B.Brecht).

 

Fonte: CPT Sul/Sudoeste
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