30/09/2010

Carta Aberta: Belo Monte e a palavra do presidente

No dia 22 de julho de 2009, o presidente Lula recebeu no Palácio do Planalto uma delegação de lideranças indígenas e sociais, representantes da comunidade científica e o bispo da Prelazia do Xingu, Dom Erwin Kräutler para uma audiência sobre a controversa megahidrelétrica de Belo Monte. Na ocasião, os representantes da sociedade civil expuseram ao Presidente uma série de questionamentos sobre os enormes riscos e impactos socioambientais de Belo Monte, bem como sobre a duvidosa viabilidade econômica do empreendimento. Ao final da reunião, Lula deu a sua palavra de que o governo federal "não enfiaria Belo Monte goela abaixo" de povos indígenas, movimentos sociais e outros grupos da sociedade brasileira. Assim, o Presidente afirmou que o governo estava aberto ao diálogo e, como um primeiro passo, seriam providenciadas respostas imediatas aos questionamentos sobre:

 

– impactos sociais e ambientais do Complexo Belo Monte sobre os povos indígenas, ribeirinhos e outras populações locais da bacia do Xingu, especialmente no trecho de 100 km da Volta Grande do Xingu, que pode vir a ficar praticamente sem água com o desvio do rio;

 

– a ineficiência energética do projeto, que na maior parte do ano só produziria 40% da energia planejada;

 

– o valor dos investimentos necessários para o empreendimento e a sua viabilidade econômica, considerando os custos de construção, a reduzida capacidade de geração de energia e os reais custos de prevenção e mitigação de impactos socioambientais;

 

– a tarifa a ser cobrada da população brasileira pela energia produzida por Belo Monte, assim como a utilização da mesma para subsidiar industrias eletro-intensivos, sobretudo para a fabricação de alumínio; e

 

– garantias efetivas de que não serão construídas outras usinas no Rio Xingu, Altamira, Pombal e São Felix do Xingu, que teriam impactos sociais e ambientais cumulativos muito maiores, sobretudo para os povos indígenas.

 

Desde a reunião de julho de 2009, o comportamento do governo federal tem sido o oposto daquele que foi prometido pelo presidente Lula. Enquanto todos os questionamentos acima ficaram sem resposta, o governo simplesmente tem se recusado a dialogar com a sociedade civil e outros atores, inclusive negando-se a participar em audiências públicas sobre Belo Monte organizadas em Brasília pelo Ministério Público Federal e pelas Comissões de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e do Senado.

 

Mais grave ainda, tem ocorrido verdadeiras investidas contra instituições democráticas do país, construídas a duras penas ao longo de décadas, inclusive durante a ditadura militar. Alguns exemplos desse comportamento incluem:

 

– audiências públicas realizadas de forma absolutamente irregular, em número insuficiente, para discutir um estudo de impacto ambiental incompleto e distorcido da realidade e sem adequada divulgação prévia, e sob um forte aparato policial repressivo;

 

– descumprimento do artigo 231 da Constituição Federal e da Resolução 169 da OIT, que asseguram aos povos indígenas o direito ao consentimento livre, prévio e informado sobre grandes empreendimentos que afetam seus territórios e suas vidas;

 

– concessão "política" da Licença Prévia para Belo Monte sob forte pressão da Casa Civil, contrariando pareceres das equipes técnicas do IBAMA e da FUNAI;

 

– o uso de falsos argumentos por desembargadores do Tribunal Regional Federal (TRF1), invocando o fantasma de um apagão no setor elétrico, para justificar a derrubada de liminares concedidas por juízes contra a Licença Prévia e o leilão de Belo Monte, em favor de ações movidas pelo Ministério Publico Federal e entidades da sociedade civil;

 

– ameaças pela Advocacia Geral da União – AGU contra juízes federais, procuradores da república e entidades da sociedade civil que têm movido ações judiciais contra irregularidades no licenciamento ambiental de Belo Monte;

 

– alterações de última hora em leis e regulamentos financeiros para conceder um pacote inédito de crédito subsidiado, além de incentivos fiscais, com dinheiro do contribuinte brasileiro, para um empreendimento comprovadamente sem viabilidade técnica e econômica;

 

– manobras por autoridades do governo para obrigar fundos de pensão de empresas estatais (Petros, Previ, Funcef) a investirem em Belo Monte, ignorando riscos financeiros para investidores e o desrespeito a diretrizes de responsabilidade socioambiental dos mesmos.

 

No final de agosto, Lula assinou o Decreto de Outorga que permite a Contrato de Concessão para a UHE Belo Monte ao Consórcio Norte Energia. Na oportunidade, o Presidente afirmou que seu governo se diferencia de seus antecessores no tratamento de Belo Monte “por não ter medo de debater” com a sociedade civil (sic!). Tal comentário foi antecedido por declarações igualmente equivocadas numa recente visita a Altamira para “inaugurar” as obras de Belo Monte, onde o presidente hostilizou e procurou ridicularizar e desqualificar os questionamentos de críticos sobre a usina.

 

No momento, o Governo Federal ensaia a aprovação de uma Licença de Instalação "parcial" – algo que inexiste na legislação ambiental brasileira – para as chamadas "instalações iniciais" de Belo Monte (canteiro, acampamento, linha de transmissão, travessões de acesso), na tentativa de tornar o empreendimento um "fato consumado".

 

O Presidente do BNDES, Luciano Coutinho, anuncia que o banco vai conceder um empréstimo recorde de cerca de R$ 20 bilhões para financiar 80% das obras de Belo Monte. Com dinheiro emprestado do mercado financeiro internacional, o BNDES pretende aprovar um megaempréstimo com juros subsidiados (abaixo daqueles pagos pelo Tesouro), tudo por conta do contribuinte. Ao mesmo tempo, falta ao BNDES um mínimo de transparência sobre os critérios utilizados para a análise da viabilidade econômica e riscos financeiros de Belo Monte, inclusive relacionados aos impactos socioambientais do empreendimento.

 

Pautado em visões ultrapassadas sobre desenvolvimento econômico incompatíveis com os desafios do século XXI e motivado por laços promíscuos com empreiteiras e interesses eleitorais que se sobrepõem ao interesse público, o governo de Lula descarta oportunidades para promover a eficiência energética e fontes alternativas de energia, enquanto ressuscita um autoritarismo aterrador que imaginávamos ter superado com o fim da ditadura militar.

 

Se prevalecer a vontade do atual governo, será assinada uma sentença de morte do Rio Xingu e de seus habitantes, em flagrante descumprimento da Constituição Brasileira e de acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário, tais como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas e a Convenção sobre Diversidade Biológica. É esse o Brasil que queremos? Em que situação ficará a democracia de um pais cujo presidente não honra a própria palavra, enquanto passa do discurso da “ética na política” para a “política da contravenção”?

 

29 de setembro de 2010

 

Assinam esta carta os seguintes participantes da reunião com o Presidente Lula em 22/07/09:

 

– Antonia Melo da Silva – Coordenação do Movimento Xingu Vivo Para Sempre

– Célio Bermann, Professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo

– Dom Erwin Krautler – Bispo da Prelazia do Xingu e Presidente do Conselho Indigenista Missionário – CIMI

– Felício Pontes, Procurador da República, Ministério Público Federal – Pará

– Idalino Nunes Assis – Representante das comunidades ribeirinhas do Xingu,

– José Carlos Ferreira da Costa – Associação da Resistência Indigena Arara do Maia- Volta Grande do Xingu,

– Lucimar Barros Silva – representante dos moradores da Agricultura familiar da Volta -Grande do Xingu,

– Ozimar Pereira Juruna – representante da Aldeia Juruna Paquisamba – Volta Grande do Xingu

 

Endossam esta carta as seguintes organizações da sociedade civil brasileira:

 

ABONG – Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais

Amigos da Terra – Amazônia Brasileira

Articulação de Mulheres Brasileira – AMB

Associação Alternativas para a Pequena Agricultura no Tocantins -APA-TO

Associação Brasileira dos Estudantes de Engenharia Florestal – ABEEF

Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé

Associação de Desenvolvimento da Agroecologia e Economia Solidária – ADA AÇAÍ

Associação de Proteção ao Meio Ambiente de Cianorte – APROMAC

Associação de Saúde Ambiental – TOXISPHERA

Associação do Povo Indígena Juruna do Xingu

Associação dos Agricultores da Volta Grande do Xingu

Associação dos Índios Moradores de Altamira

Associação Floresta Protegida

Associação Global de Desenvolvimento Sustentado

Associação Nacional de Ação Indigenista da Bahia

Associação para o Desenvolvimento Integrado e Sustentável – ADEIS

Associação Paraense de Apoio às Comunidades Carentes – APACC

Associação Rádio Comunitária de Altamira – Nativa FM

BankTrack

CAMPA

Centro de Defesa dos Direitos Indígenas de Altamira – CDDI

Centro de Educação e Assessoria Popular – CEAP

Centro de Pesquisa e Assessoria Esplar

Centro de Referência do Movimento da Cidadania pelas Águas Florestas e Montanhas

Iguassu Iterei

Comitê de Desenvolvimento Sustentável Porto de Moz

Comitê Dorothy

Comitê em Defesa da Vida das Crianças Altamirenses

Comitê Independente por Justiça Ambiental – C.I.J.A

Comitê Metropolitano Xingu Vivo para Sempre, Belém/PA

Conselho Indígena de Altamira – COIA

Conselho Indigenista Missionário – CIMI

Conselho Municipal da Cidade de Porto Velho

Conservação Internacional – Brasil

Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB

Federação das Associações de Moradores e Organizações Comunitárias de Santarém –

FAMCOS

Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional – FASE

Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil – FEAB

FEM- Fundação Irmã Elza Marques

Fórum Brasileiro de Economia Solidaria – FBES

Fórum Carajás

Fórum da Amazônia Ocidental – FAOC

Fórum da Amazônia Oriental – FAOR

Fórum das Mulheres da Amazônia Paraense – FMAP

Fórum de Mulheres da Amazônia Paraense – FMAP

Fórum dos Direitos Humanos Dorothy Stang Regional Transamazônica e Xingu

Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social

Fórum Popular de Altamira

Frente Cearense Por uma Nova Cultura de Água

Fundação Tocaia

Fundação Viver, Produzir e Preservar – FVPP

Greenpeace

Grupo Ambientalista da Bahia – Gamba

Grupo de Articulação dos Direitos Indígenas de Altamira

Grupo de Defesa da Amazônia – GDA

Grupo de Mulheres Brasileiras – GMB

Grupo de Trabalho Amazônico – GTA

IBASE

Instituto Amazônia Solidaria e Sustentável – IAMAS

Instituto Ambiental Vidágua

Instituto Brasileiro de Inovações Sociedade Saudável – IBISS-CO

Instituto de Estudos Socioeconômicos – Inesc

Instituto de Pesquisas em Ecologia Humana

Instituto Madeira Vivo – IMV

Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul – PACS

Instituto Socioambiental – ISA

Instituto Terramar

Instituto Universidade Popular UNIPOP

International Rivers

Iterei – Refugio Particular de Animais Nativos

Justiça Global

Mana-Maní Círculo Aberto de Comunicação, Educação e Cultura

Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB

Movimento Articulado de Mulheres da Amazônia – MAMA

Movimento de Mulheres do Campo e Cidade do Pará

Movimento de Mulheres Regional Transamazônica e Xingu

Movimento de mulheres Trabalhadoras de Altamira Campo e Cidade

Movimento Nacional de Direitos Humanos – MNDH

Movimento Xingu Vivo para Sempre – MXVPS

Núcleo Amigos da Terra Brasil

Operação Amazônia Nativa – OPAN

Organização Não Governamental Arirambas – ARIRAMBAS

Organização pelo Desenvolvimento da Amazônia com Direitos Humanos – ONDAS-DH

Organização Universalista em Direitos Humanos – U.S.O.S.

Prelazia do Xingu

Rede Alerta contra o Deserto Verde

Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais

Rede Brasileira de Arteducadores

Rede Brasileira de Justiça Ambiental

Rede Jubileu Sul Brasil

Sindicato das Trabalhadoras Domésticas Região Transamazônica e Xingu

Sindicato de Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais de Altamira

Sindicato de Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais de Porto de Moz

Sindicato de Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais de Vitória do Xingu

Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública Regional Transamazônica e Xingu

Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Federal no Estado do Pará – SINTSEP/PA

SINTEPP Altamira

Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos – SDDH

Survival International

Terra de Direitos

Terræ Organização da Sociedade Civil

União das mulheres indígenas da Amazônia Brasileira – UMIAB

União dos Estudantes de Ensino Superior de Santarém (UES)

 

Fonte: Cimi
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