23/08/2010

Terra Livre: a guerra da terra

Madrugada. Os três ônibus que vão levar de volta às suas aldeias e comunidades no sul do Mato Grosso do Sul, os Guarani Kaiowá, vão sendo apinhados de corpos cansados, sonolentos, mas alegres e esperançosos. Afinal de contas eles não foram apenas os anfitriões do mais importante momento do movimento indígena do Brasil, mas foram também seus animadores, com seus constantes rituais de invocação das forças protetoras da vida e da natureza. Eles também deram a tônica das fortes denúncias de violação de seus direitos, discriminação, criminalização e assassinato de suas lideranças. A denuncia configura um claro processo de etnocídio e genocídio de seu povo.

 

O Acampamento Terra Livre é o grande espaço de solidariedade, debate dos problemas, desafios e definição das estratégias do movimento indígena em termos nacionais. As primeiras seis edições do evento se deram na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Diante do gravíssimo quadro de violência e violação dos direitos dos povos indígenas no Mato Grosso do Sul, foi decido que o acampamento aconteceria este ano no estado, entre os dias 16 a 20 de agosto.

 

A tônica principal dos debates foi a questão da terra, violência e criminalização dos povos indígenas no estado e no país. Após apresentação de um ritual pelos Xavantes, a liderança deste povo explicou: “Podem pensar que fizemos uma dança alegre, mas não é. É o grito de guerra pela terra, pela terra Guarani”. 

 

Três boas notícias

 

No decorrer do acampamento algumas notícias e decisões trouxeram alegria e ânimo, em especial aos povos indígenas do Mato Grosso do Sul. A primeira foi a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) anulando a ação que determinava o aviso prévio de dez dias para os antropólogos realizarem trabalhos de levantamento de informações nas fazendas. Com isso a Funai está liberada para colocar imediatamente os Grupos de Trabalho (GTs) em campo para concluir dentro dos próximos meses os trabalhos de identificação de todas as terras indígenas Guarani Kaiowá e Terena no estado.

 

A outra boa notícia foi a decisão do Tribunal Regional Federal de São Paulo (TRF/SP), que concedeu mais 90 dias de permanência da comunidade de Kurusu Ambá na parte da área de seu tekoha, retomado em novembro do ano passado. Esse é o tempo suficiente para a Funai publicar o relatório de identificação da área, e com isso dar uma tranqüilidade definitiva ao grupo.

 

E, finalmente, a notícia do retorno da comunidade de Ypo’i ao local em que foram assassinados os professores Genivaldo e Rolindo. A intenção é procurar até encontrar o corpo de Rolindo. O Acampamento Terra Livre aprovou uma moção de apoio, em que está expresso que “os povos indígenas do Brasil, reunidos no VII Acampamento Terra Livre, em Campo Grande, exigem justiça e a localização do corpo de Rolindo”.

 

Envolvidos em grande dor pela perda de seus queridos filhos, Genivaldo e Rolindo, os familiares e a comunidade de Ypo’i esperam todo apoio e não a cruel violência que resultou nos dois assassinatos e vários feridos. Esperam solidariedade e apoio a seus direitos e a qualquer ato de violência.

 

No documento final do encontro o principal acento foi a exigência da urgente demarcação e garantia das terras dos povos indígenas do Mato Grosso do Sul.  Eles também fizeram críticas contundentes ao atual modelo econômico adotado no país. “Não pode mais prevalecer sobre a vida e o bem viver dos nossos povos e da própria humanidade a imposição de um modelo de desenvolvimento depredador, voltado para satisfazer apenas os interesses de uma minoria. Mesmo submetidos a mais de 500 anos de genocídio e etnocídio contínuo, os nossos povos têm muito a ensinar e a contribuir com seus saberes ancestrais e com a preservação de seus territórios, a sobrevivência do planeta terra e da humanidade. Por tudo isso, o VII Acampamento Terra Livre vem a público cobrar do Estado brasileiro o cumprimento de seu papel constitucional de garantir respeito aos nossos direitos reconhecidos pela Constituição Federal e tratados internacionais assinados pelo governo brasileiro”.

 

Como ato final do VII Acampamento Terra Livre foi realizada uma marcha denunciando as violações aos direitos indígenas, em especial as graves violências que se abatem sobre os povos indígenas, a negação da terra, por parte do agronegócio , governo do estado e políticos regionais.

Fonte: Egon Heck - Cimi Regional MS
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