19/08/2010

Informe nº 927: Chega ao fim o 7º Acampamento Terra Livre

Evento aconteceu em Campo Grande (MS) e reuniu lideranças indígenas de diversas regiões do país para discutir questões relacionadas a garantia de direitos, como saúde educação e demarcação de territórios tradicionais

 

Terminou hoje (19) a sétima edição do Acampamento Terra Livre em Campo Grande (MS). Foram quatro dias de reunião, desabafos, reivindicações e reencontros de parentes. Uma oportunidade de colocar os problemas vividos para debate e buscar soluções. Nos momentos de denúncia, os indígenas reforçaram a importância da demarcação das terras para a preservação da cultura, da vida em comunidade e da auto-sustentação. O encerramento do evento aconteceu com uma caminhada de 2 quilômetros pelas ruas de Campo Grande, que teve início às 15h.

 

No primeiro dia do ALT – 16 de agosto, com a coletiva de imprensa, as lideranças colocaram para os veículos de comunicação presentes os anseios dos povos indígenas do Brasil e dentre eles, o principal, que é a conquista da sua terra tradicional. Os coordenadores do encontro reafirmaram que esta é uma necessidade de todo o país e que a Constituição Federal não é respeitada quando se fala em direitos indígenas.

 

Anastácio Peralta, como representante do povo Guarani Kaiowá, exemplificou o enorme preconceito existente no estado do Mato Grosso do Sul. "Aqui, um boi vale mais do que uma criança! Este estado precisa ser reeducado!". Ao ser questionado sobre as principais necessidades dos indígenas tratadas no acampamento, ele enumerou terra, educação e saúde.

 

Acesse o documento final do ATL 2010

 

Confinamentos no MS

 

Durante o segundo dia, o procurador do Ministério Público Federal do MS, Marco Antônio Delfino, relatou um pouco do histórico dos povos indígenas no estado, além de apresentar dados atuais e assustadores de confinamento, discriminação e violência contra os Guarani Kaiowá, os Terena, os Guató e os Guarani Ñandewa, entre outros.

 

Segundo o procurador, 68 mil indígenas vivem em 0,5 % do território do MS e o embate pela terra tem sempre o agronegócio como ator principal. São várias comunidades no estado que vivem em beira de estradas e em terras diminutas, sem oportunidade de auto-sustentação, de disseminação da cultura tradicional. De acordo com o procurador, as terras indígenas muito pequenas ocasionam uma grande desorganização social. "A violência fica muito grande, surge a criminalização interna, a saída dos jovens para a cidade sem perspectiva de vida", afirmou.

 

O cenário de violência é pesado. Marco Antônio informou que são 140 homicídios para 100 mil habitantes na terra indígena de Dourados. Um número extremamente alto, que chega a ser maior que os índices de estados em guerra civil, como o Iraque.

 

Acesse o documento final do ATL 2010

 

Descaso

 

Farid, uma liderança da comunidade Laranjeira Ñanderu, informou com tristeza a situação de seu povo que está a cerca de um ano e meio na beira da BR que liga Campo Grande a Dourados. "Muitos bebês morreram, muita gente passou mal porque não tem água, alimentos…estamos morrendo ali!".

 

A falta de demarcação de terras foi o principal assunto debatido. Eliseu Guarani falou da importância da demarcação de terras para a diminuição da violência contra os povos indígenas no MS. "Sofremos muita violência, matam nossas lideranças, mas o único jeito de acabar com isso é indo para nossa terra. E nós não vamos parar de lutar. Vamos retomar a nossa terra sim!".

 

Já Elvisclei Polidoro, Terena da Comunidade Cachoeirinha, fez várias denúncias sérias em relação à Funai e ao governo do estado. "A Funai aqui age de acordo com a política do estado. A Funai é antiindígena e o coordenador já chegou a fazer denúncia na Polícia Federal contra os indígenas que fazem retomadas e lutam por suas terras!", afirmou.

 

Violência sistemática

 

Em documento, que será enviada aos candidatos à Presidência da República e a organismos nacionais de internacionais que trabalham em prol da garantia dos direitos humanos, os participantes do ATL citam um slogan que tem sido amplamente divulgado no estado: “produção sim, demarcação não”.

 

Isso confirma, mais uma vez, o que a doutora em Educação Iara Tatiana Bonin, carateriza como racismo institucional. “A violência sistemática registrada nos últimos anos permite afirma que nesse estado se configura um tipo de racismo institucional, materalizado com ações de grupos civis e omissões do poder público”.

 

Os casos de violações de direitos entre as populações indígenas do MS demonstram a opção feita pelo governo federal ao tratar as questões intimamente ligadas a esses povos, como a demarcação dos territórios tradicionais, atitude que tem ignorado ou até facilitado as investidas de grandes latinfundiários e até da própria população local contra esses povos.

 

De acordo com o Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil 2009, somente no ano passado 33 indígenas foram assassinados em Mato Grosso do Sul, o que representa 54% do total de 60 casos apresentados pela publicação, que é organizada pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

 

De acordo com o coordenador do Cimi Regional MS, Egon Heck, a opção política do Estado tem sido de omissão. “O estado apresenta o maior número de ocorrências desde 2003 e nada tem sido feito para transformar essa realidade. O que prospera na região são as usinas de etanol que incidem sobre as terras indígenas, tanto as já demarcadas quanto as que aguardam a identificação”.

 

Para o Cimi, há lentidão e omissão do governo federal em identificar, demarcar e homologar as terras indígenas. Somente em Mato Grosso do Sul, há cerca de 20 áreas em processo de regularização, que deveria ter sido concluído há mais de um ano, conforme Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado pelo Funai.

 

Seis grupos de trabalho foram escalados pela Fundação para fazer a identificação das terras indígenas nas bacias dos rios que cortam o estado, mas a atividade é impedida por meio de recursos judiciais dos fazendeiros que disputam a área. “Essa é a última estratégia para inviabilizar a identificação”, aponta Egon Heck.

 

Documento final

 

Na manhã de hoje foi aprovado um documento, onde os participantes reafirmam solidariedade aos povos do MS. “Unidos pela mesma história, os mesmos problemas, as mesmas ameaças, os mesmos desafios, a mesma esperança e a mesma vontade de lutar por nossos direitos, viemos das distintas regiões do país para nos solidarizar com os povos indígenas deste estado, que de forma incansável lutam, resistem e persistem na defesa de seus mais sagrados direitos, principalmente, à vida e à mãe terra”.

 

O documento final apresenta as principais reivindicações dos diferentes povos do país em relação à saúde, educação, direito á terra e grandes empreendimentos. Entre os pontos principais estão: situação de abandono e miséria vivida pela maioria dos povos como no Mato Grosso do Sul, discriminação em relação aos povos indígenas, criminalização de lideranças e assassinatos dos que lutam pela terra.

 

De acordo com o texto, o crescimento econômico almejado pelo governo não condiz com a situação em que vive a maioria dos povos no Brasil. “Em regiões como Mato Grosso do Sul, as comunidades Guarani Kaiowá vivem confinadas em territórios diminutos ou acampadas na beira de rodovias, aguardando a demarcação de suas terras, invadidas ou submetidas sob pressão do latifúndio e do agronegócio, da pecuária e das grandes plantações de cana de açúcar e de eucalipto, sob olhar omisso, a cumplicidade ou a morosidade dos órgãos públicos”.

 

Entre as reinvidicações em relação à demarcação de terras estão: criação de um Grupo de Trabalho (GT) para acelerar o processo de identificação e demarcação de terras indígenas; garantia de segurança nas terras indígenas, na posse e permanência dos indígenas no território ocupado; articulação junto ao Ministério Público Federal (MPF) para entrada de agravo de instrumento para garantia de posse dos indígenas nas áreas ocupadas, entre outras.

 

Outras reivindicações

 

Os participantes ainda pedem que o atendimento à saúde indígena seja estendido a toda a população independentemente do local em que moram (terras demarcadas, aldeias urbanas ou acampamentos), bem como que durante esse atendimento sejam respeitados os conhecimentos e a medicina tradicional dos pajés e parteiras, além do uso de plantas medicinais durante o tratamento.

 

Quando se voltaram ao tema educação, eles reivindicaram que o acesso à educação de qualidade aconteça nas próprias comunidades ou em áreas próximas as mesmas e de forma permanente e diferenciada, atendendo as necessidades de cada povo, com condições apropriadas de infra-estrutura, recursos humanos, equipamentos e materiais.

 

“Que seja implementada a escola indígena em todas as aldeias, com proejto político-pedagógico próprio, calendário e currículo diferenciado, conforme a tradição e a cultura dos nossos povos e de acordo coma Resolução nº 3, do Conselho Nacional de Educação (CNE), assegurando apoio operacional técnico, financeiro e político”.

 

No documento, ainda tratam das questões e discussões que envolvem o Decreto 7.056/2009, que estrutura a Fundação Nacional do Índio (Funai) e sobre os grandes empreendimentos previstos pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal. Eles cobram respeito às leis brasileiras e internacionais que tratam dos direitos dos povos indígenas, como a Constituição Federal, a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

 

Acesse o documento final do ATL 2010

Fonte: Cimi
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