18/08/2010

Segundo dia de ATL em Campo Grande

Em seus testemunhos, indígenas fazem um retrato da realidade indígena em todo o país

Por Maíra Heinen
De Campo Grande

Nesta terça-feira, 17, depois da abertura oficial do Acampamento Terra Livre 2010, os indígenas tiveram espaço aberto para apresentar suas dificuldades, questionamentos, situações cotidianas de suas comunidades. O painel abarcou direito territorial, criminalização de lideranças indígenas, grandes empreendimentos e discriminação. No período da tarde, o evento também contou com a presença do procurador do Ministério Público Federal Marco Antônio Delfino de Almeida.

Num primeiro momento, o coordenador da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Marcos Apurinã, fez um rápido apanhado histórico das outras edições do ATL. Ele lembrou as lutas e conquistas dos povos indígenas que foram iniciadas nestes encontros, como a criação da Secretaria Especial de Saúde Indígena, a criação da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), a elaboração do Estatuto dos Povos Indígenas, entre outras.

Ainda na linha de uma reconstrução histórica, o procurador Marco Antônio relembrou um pouco da luta dos indígenas no Mato Grosso do Sul, dos confinamentos que surgiram nas décadas de 1970 e 1980 devido ao avanço do agronegócio. "O latifúndio provocou a retirada dos indígenas de suas terras e o confinamento destas pessoas em espaços mínimos para a perpetuação de seus costumes", afirmou o procurador.

Marco Antônio também apresentou números marcantes da situação indígenas no MS. "Cerca de 68 mil indígenas ocupam 0,5% do território deste estado. O embate pela terra é devido à força do agronegócio aqui! Além disso, outro número marcante apresenta o que este confinamento causa. O número de homicídios na terra indígena de Dourados, por exemplo, é aterrorizante e fica numa proporção de 140 homicícios por 100 mil habitantes", declarou. De acordo com Marco Antônio, esta proporção é maior do que em países em situação de guerra civil.

Desabafos

Muitos representantes indígenas viram o espaço como oportunidade para desabafar as decepções com o atual governo, com o descaso da Funai e de outras instituições indigenistas. Foi o caso de Rildo Kaingang, indígenas do Paraná, que afirmou que o governo federal mentiu muito e continua tentando enganar os povos indígenas em relação à construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, à transposição do rio São Franscisco, em relação às demarcações de terras indígenas, e em relação à reestruturação da Funai.

Já o sr. Farid Guarani Kaiowá, da comunidade Laranjeira Ñanderu, fez um relato emocionado e triste sobre a situação de sua comunidade que está acampada na beira da estrada há cerca de um ano e seis meses. "Ninguém vê a nossa situação! Cadê a Funai? Cadê as autoridades quando acontece alagamento em nossos barracos? Se um índio mata um branco aqui, depois de alguns minutos ele está preso, mas se um branco mata um índio, ele está de parabéns! Para mim, está situação já chega! Vou voltar pra minha terra e de lá eu não saio", ressaltou.

Governo antiindígena

Uma fala que também foi bastante significativa, foi a do professor Elvisclei Polidório, indígena Terena de Cachoeirinha, principalente no que se refere ao tratamento dispensado aos indígenas pelo Governo do MS. Segundo o professor, este é um estado que trabalha para tirar a voz dos povos indígenas a qualquer custo. "Querem calar nossas lideranças, mas nós que somos da base não vamos ficar calados!", declarou.

Ele também afirmou que o governo chegou a oferecer 200 casas para a população Terena para que parasse com a luta pela terra tradicional. "Além disso, este governo também se junta sempre com a Famasul para articular contra os povos indígenas e a favor do agronegócio no estado. Ele também questionou a atuação da Funai e afirmou que ela é na verdade um órgão para agir contra os índios.

As falas dos outros representantes também seguiram na linha da denúncia e do desabafo, o que apenas confirma uma situação de descaso em todos os cantos do país.

Apoio da CNBB

Além da presença das lideranças, do procurador da república, os indígenas também contaram com a presença de Dom Moreira, bispo de Três Lagoas – MS. O representante da CNBB ressaltou a importância de um evento deste porte acontecer em Campo Grande. "É só encontrando gente com as mesmas questões e a mesma vontade de lutar é que a gente consegue seguir na luta! Só assim sabemos que somos sujeitos da história e é isso que estes índios fazem aqui neste momento!", afirmou.

Segundo ele, a CNBB manifesta solidariedade e procura alertar as autoridades dos problemas vivenciados por estes povos no estado. "Temos grande procupação e reconhecemos o valor da luta destes índios aqui. E como cristãos, pedimos que olhem com atenção para os indígenas porque eles vivem situações muito compliacadas aqui no Mato Grosso do Sul.", declarou.

Nesta quarta-feira, os indígenas devem se reunir em pequenos grupos de discussão para debater questões específicas de saúde, educação, demarcação de terras, entre outros. Da plenárias destes debates deverá sair o documento final que será levado aos candidatos à presidência da República.

Fonte: Cimi
Share this: