06/08/2010

Povo Awá-Guajá: Acampamento “Nós existimos”

Por Diego Janatã

Jornalista

 

Na região conhecida como Alto Turiaçu, no Noroeste Maranhense, mais uma parte da Amazônia brasileira é destruída. Diariamente, caminhões saem lotados da mata, roubando e assassinando os povos indígenas que sofrem com o drama da derrubada de madeira em seus territórios.

 

Na contramão dessas tragédias anunciadas, grupos de guerreiros deixam suas casas no seio da floresta para se encontrarem com os seus parentes. Em busca de aliados, o povo Awá Guajá sai da mata e com a cantoria dos karawaras, viajam para o céu e descobrem do alto um novo horizonte de destruição e aterrissam de volta com o grito: “Nós existimos”.

 

O Conselho Indigenista Missionário e o Povo Awá-Guajá, em parceria com a CNBB Regional Nordeste V, Diocese de Zé Doca, pastorais e movimentos sociais, realizaram o grande acampamento “Nós existimos: terra e vida para os caçadores e coletores Awá-Guajá”.

 

O evento que aconteceu entre os dias 1 e 3 de agosto na cidade de Zé Doca, localizada há 400 quilômetros da capital, São Luiz, e também contou com a participação de lideranças indígenas de outras etnias como os Guajajara e os Ka’apor.

 

O Acampamento foi palco de palestras e denúncias sobre a situação de invasões de Terras Indígenas no Brasil, em especial as do povo Awá, bem como outros informes sobre o atual momento do povo.

 

Funai tenta atrapalhar reencontro

 

A princípio, o acampamento contaria com a presença dos representantes das quatro aldeias do povo Awá-Guajá:  Tiracambu, Awá, Guajá e Juriti. Mas na última hora a Funai, que seria a responsável pelo transporte dos indígenas da aldeia Juriti para o lugar do evento, alegou que não mandaria os índios e nenhum representante do órgão pois, segundo a sede de Brasília,  a cidade de Zé Doca estaria controlada por madeireiros e não oferecia segurança para os participantes. Entretanto, para os indígenas presentes, o órgão não participou porque não tem interesse em ajudar. “Funai tem é medo de índio”, revela Takaiju, liderança da aldeia Guajá.

 

O Acampamento é um espaço necessário para compreender e a apoiar as lutas dos Povos Indígenas, de maneira concreta, pela garantia de seus direitos e proteção de suas terras e por uma política indigenista voltada às verdadeiras necessidades das comunidades indígenas. No encontro é possível perceber as relações do “bem viver” estabelecidas pela maioria dos povos indígenas fundamentadas na reciprocidade entre as pessoas, na amizade fraterna, na convivência com outros seres da natureza e num profundo respeito pela terra.

 

O grande encontro

 

Em um primeiro momento antes do Acampamento que aconteceu na Praça Matriz da cidade, os Awa Guajá das aldeias Tiracambu, Guajá e Awá estiveram no Centro Diocesano de Zé Doca e celebraram com muita cantoria o reencontro dos parentes que há muito tempo não se viam. Em parceria com os Ka’apor, o duelo de cantadores se estendeu até altas horas, revelando uma grande harmonia entre esses povos.

 

Na manhã seguinte, os Awá se reuniram para traçarem estratégias para o Acampamento. Na pauta de discussões, a questão da madeira foi a mais debatida, pois se trata da mesma realidade para todo o território Awá.

 

Itati, liderança da Aldeia Awá, falou a respeito da vida de seu povo, mostrou como vivem os Awá, os utensílios que utilizam. “Tudo isso aqui quem fez foi Awá, branco não deu nada pra índio. E eu acho muito bom”, orgulha-se a jovem liderança que também reclamou a ausência da Funai no encontro, mas destacou o apoio dos aliados. “Como vamos fazer para resolver nossos problemas? O Cimi pode nos ajudar! Vamos nos organizar para nos encontrar outras vezes, dessa vez com os nossos parentes do Juriti.

 

Saulo Feitosa, secretário adjunto do Cimi,  afirmou que o momento dos Awá é histórico e muito significativo. “Vocês mostram que querem resolver seus problemas. Fiquei impressionado com a força da sua cultura, isso é um projeto de vida”. Saulo também comentou a respeito da dificuldade dos Awá deixarem as suas aldeias, as suas famílias e seus bichos. “É um esforço de vocês para mostrar para a população brasileira que o povo Awá Guajá existe”, afirmou.

 

Madalena Borges, missionária do Cimi, se emocionou ao falar do encontro, revelando ser um sonho que foi realizado. "Os Awá ainda vão conquistar muita coisa”, profetizou.

 

O acampamento

 

Na manhã do dia 2, os Awá Guajá saíram em direção à Praça Matriz, onde se realizou o Acampamento. Sob o olhar curioso da população local, os indígenas cruzaram a praça entoando os cânticos dos karawaras.

 

Carlo Ellena, bispo da diocese de Zé Doca, foi o responsável pela abertura do evento, deu as boas vindas a todos os presentes. Na oportunidade ele destacou a preocupação da igreja com relação à situação dos povos indígenas, que é uma realidade de muita luta e resistência, lembrou que os povos indígenas estão presentes na mente e no coração da Igreja do regional e conhecem as dificuldades que os indígenas passam em suas aldeias. ”Eu fico muito feliz em encontrar vocês, meus irmãos. Hoje é um dia muito importante e vocês devem expressar suas vontades, dificuldades e desejos”.

           

Don Xavier, presidente do Regional, leu para os participantes uma mensagem da XV Assembléia Regional de Pastoral da CNBB Nordeste V sobre a situação dos povos indígenas do Maranhão. “Deixam-nos perplexos as intervenções do governo federal que, em nome do progresso regional, financia hidrelétricas e outros projetos de grande impacto social e ambiental sobre as comunidades indígenas e seus territórios sem a devida consulta prévia, inclusive pelo artigo 169 da Organização Internacional do Trabalho”.

 

Takaiju, liderança Awá, comentou a relação do índio no mundo dos brancos e do branco no mundo indígena, que é a realidade da mata. Do respeito de cada um quando vai na casa do outro. “Nós chegamos na cidade e não roubamos nada. Não fazemos mal pra ninguém. Se tiver dinheiro, índio compra. O karaí chega na mata e corta madeira, rouba a mata da gente, que somos os donos da terra. Parente não gosta disso”, afirma.

 

O jovem cacique da aldeia Awa, Manãxika, falou do seu avô, que não vive mais. “O branco veio para terra dos índios e colocaram roça. Branco botou roça dentro da terra do índio e o madeireiro chegou também. Estamos aqui na cidade para mostrar que Awá existe. Eu sou Awá e estou aqui com os meus parentes. Venho mostrar que eu estou vivo e madeireiro não vai acabar com a gente”, afirma.

 

Tiparexa’a, liderança da aldeia Tiracambu, desabafou que o branco entra em sua terra, porque branco não gosta de índio e nem da natureza. “Nós gostamos muito da terra, comemos de graça. Quando venho para a cidade tenho que comprar comida de branco”, diz.

 

A busca de aliados

 

Para o combate aos madeireiros que devastam seus territórios e a retirada dos invasores, os Awá perceberam que é necessário muito apoio. As entidades presentes no evento e também os Ka’apor e os Guajajaras, firmaram o compromisso com a causa Awá, se mostraram parceiros para eventuais campanhas e outras manifestações de apoio. “É vergonhoso para o Governo Brasileiro que seja preciso que os índios montem um acampamento para provarem que existem. A Sociedade Maranhense de Direitos Humanos se coloca a disposição para trabalhar em parceria com o Cimi e os povos índígenas”, prometeu  Vicente, representante da SMDH.  

 

A linguista e professora da Universidade de Brasília (UnB), Marina Magalhães que trabalha com o povo Awá estudando sua língua materna, destacou a importância do encontro e considera os indígenas seus professores na arte de viver em harmonia com a natureza. “Vocês podem contar com a gente, estou propondo um grupo de pesquisa e de apoio entre os estudantes da UnB para contribuírem com o povo Awá”, disse.

 

De acordo com o professor István Varga, da Universidade Federal do Maranhão, boa parte da população sertaneja que é jogada contra os índios tem sangue indígena e não se dá conta disso. “Aqui na região do alto Turiaçu houve no passado aliança entre os negros quilombolas e as populações indígenas para controlarem o avanço das frentes agrícolas”, comentou.

 

Antonio Guajajara, da Aldeia Nova, no município de Arame, convidou a população não indígena presente a apoiar a luta dos Awá. “As pessoas da cidade de Zé Doca precisam apoiar os meus parentes. Eles são muito importantes, um dia vocês vão precisar deles”, pediu.

 

De acordo com cacique Ceron Ka’apor esse tipo de reunião é muito boa para os índios, pois têm a oportunidade de conhecer a história de outros povos. “Estamos aqui também junto com os parentes Awá-Guajá para dizer que do jeito que está é muito difícil. O problema da madeira é muito grave. Madeireiro quer destruir tudo. Não pode deixar. Lá em nossa aldeia não deixamos madeireiro entrar”, afirma.

 

Para Saulo Feitosa o Acampamento teve várias conquistas. A própria realização do evento, por si só, já é uma delas, pois se trata de uma região de conflito. “Foi um evento importante para a mudança de paradigma da população local, pois existe no imaginário popular uma visão muito distorcida dos povos indígenas”, afirmou Saulo, destacando a importância dos depoimentos das pessoas da paróquia, que se solidarizam com a luta do povo Awá.

Fonte: Cimi Regional Maranhão
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