23/07/2010

Direitos sim, migalhas não

O que talvez pudesse ser uma conquista do movimento indígena, numa conjuntura de reconhecimento dos direitos dos povos indígenas no Mato Grosso do Sul, torna-se reveladora das contradições e cinismo com que é tratada a questão indígena neste estado.

 

Por iniciativa de um dos poucos deputados sensíveis à causa indígena no estado, foi proposto que, considerando o expressivo número de indígenas na região, justo seria que estes tivessem acesso ao trabalho nos concursos públicos. Assim como aos negros já estava aprovado a percentagem de 10%, o projeto de lei previa a destinação de 3% de vagas nos concursos públicos aos povos indígenas. Nada mais justo. Ainda mais numa população indígena que tem mais de 500 indígenas fazendo curso superior, vários fazendo pós-graduação e um grande número formado em escolas técnicas. Numa Assembléia Legislativa massivamente anti-indígena o projeto foi aprovado.  Foi para a sanção do governador Pucinelli, visceralmente contra a demarcação das terras indígenas. Ainda recentemente o estado do MS entrou com ação no Supremo Tribunal Federal pedindo a anulação da portaria declaratória da Terra Indígena Taquara. E conseguiu. Após a decisão do STF o ministro da Justiça anulou a portaria.

 

Quando todas as terras indígenas já deveriam estar demarcadas há mais de duas décadas, conforme determina a Constituição, e há mais de trinta anos conforme determinou o Estatuto dos Povos Indígenas, lei 6001 de 1973, no Mato Grosso do Sul temos o triste cenário de ver a quase totalidade das terras indígenas Kaiowá Guarani e Terena ainda sem estarem regularizadas. Esses povos, que representam mais de 95% da população indígena do estado, continuam confinados em ínfimos espaços de terra, constituindo-se em depósitos de mão de obra barata (o que era manifesto na criação das reservas indígenas pelo Serviço de Proteção aos Índios – SPI, no início do século passado), submetidos a extrema violência, comparável ao de países em guerra.

 

De que adianta ter alguns funcionários indígenas a mais, se as comunidades continuam se debatendo em violência e fome, nos “chiqueirinhos”, como se referem aos confinamentos em que se encontram, ou passando frio e desnutrição nos acampamentos nas beiras das estradas?

 

Se parece existir tanta sensibilidade na esfera política pela vida dos povos indígenas, porque não se aprovam outros projetos de lei que busquem equacionar a questão das terras indígenas? Ou quem sabe aproveitando essa onda incontida de pagar as dívidas históricas desses povos não se promova uma campanha massiva de informação sobre a real situação desses povos e seus direitos garantidos na Constituição e em legislação internacional?

 

Em tempos eleitorais, os povos indígenas contam pouco. Eles estão muito conscientes disso. Por isso tem afirmado reiteradas vezes: “queremos nossos direitos, não precisamos de migalhas”. Os Kaiowá Guarani estarão realizando mais uma importante Aty Guasu, em Kurusu Ambá, na próxima semana. Nela não estarão festejando os 3%, mas exigindo que o governo demarque as terras o quanto antes e impeça novos despejos e mais sofrimento.

 

Egon Heck

 

Campanha Povo Guarani Grande Povo

 

Dourados, 23 de julho de 2010

Fonte: Egon Heck - Cimi Regional MS
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