Bombas, cães e balas na aldeia
As mulheres procuram proteger as crianças. O cheiro forte do gás as deixa atônitas. Não conseguem fugir da ira dos cães e policiais que procuram empurrar os índios Terena para fora do local onde vivem há mais de meio ano. O acampamento Futuro das Crianças, com mais de trinta barracos, é esvaziado em pouco tempo. Seguem as máquinas que estavam de prontidão para concluir a destruição. Em menos de meia hora barracos estão no chão e as plantações destruídas. Gritos, choros, correria…Terra arrasada. Sonhos destruídos. Dizia o professor Elvisclei: “Destruíram nossas casas, acabaram com nossas plantações, mas não passaram por cima de nossa dignidade”.
Quem vem dos porões da liberdade dos tempos da ditadura talvez tenha bem presente na mente cenas semelhantes. Porém em pleno século 21, em tempos em que tanto se proclama a consolidação da democracia, nas terras dos habitantes primeiros desse território, isso poderia parecer ficção. Mas é realidade. O dia 17 de maio ficará na memória do povo Terena de Cachoeirinha, município de Miranda, no Mato Grosso do Sul, como o dia da resistência e da agressão truculenta. “Com aquele cheiro insuportável, tiros, cães…a gente não sabia o que fazer…a gente não está acostumado com essas coisas…”, desabafou Maria, que além disso sofreu ofensas morais, com um policial apontando a arma para sua cabeça.
O dia seguinte
Quem imaginasse encontrar um povo abatido, um dia após a expulsão violenta, certamente ficaria impressionado com a força, coragem e dignidade de uma comunidade guerreira, consciente de seus direitos e fortalecida em sua decisão de continuar lutando pela terra da qual acabavam de ser expulsos e que já está demarcada como terra Terena. Nas falas, afloravam os sentimentos de repulsa pela violência sofrida, mas principalmente a grandeza de quem se sente fortalecido e encorajado de levar avante a luta pelos seus direitos. Os depoimentos das mulheres, dos guerreiros, das lideranças eram entrecortados com silêncios fortes e lágrimas incontidas. Foi um dia marcante na história da conquista da terra, da afirmação dos direitos e identidade, de elevação da dignidade e auto-estima da comunidade.
Em todas as falas ficou registrado sua profunda crença e gratidão a Deus por tê-los protegido, tendo apenas saído alguns com ferimentos leves. As feridas mais profundas foram as sofridas no coração, na alma, com as expressões preconceituosas e racistas proferidas pelo oficial de justiça e policiais durante a truculenta operação de despejo, conforme inúmeros relatos dos indígenas.
No rosto e olhar de cada indígena Terena ali presente estava estampada a altivez e dignidade de um povo aguerrido, agredido, expulso, mas não vencido!
Egon Heck