É legal portaria que deu posse permanente da reserva Porquinhos dos Canela a índios do Maranhão
É perfeitamente legal a portaria do ministro de Estado da Justiça que declarou como sendo de posse permanente do grupo indígena Canela-Apãnjekra a terra indígena Porquinhos dos Canela-Apãnjekra, reserva localizada nos municípios maranhenses de Barra do Corda, Fernando Falcão, Formosa da Serra Negra e Mirador. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) denegou, por unanimidade, mandado de segurança em que os municípios pretendiam desconstituir a portaria, alegando irregularidades.
No mandado de segurança impetrado contra ato do ministro da Justiça, os municípios questionaram, inicialmente, parcialidade do antropólogo responsável pelo estudo antropológico elaborado pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Afirmaram, ainda, que a Funai não examinou a contestação apresentada no procedimento administrativo e que, nos termos do decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da Petição n. 3.388/RR (Raposa Serra do Sol), tem-se que é inviável ampliação de terra indígena demarcada.
Consta do processo que a demarcação da área teve início no ano de 1977 e terminou no ano de 1979, oportunidade em que a Funai realizou estudos científicos, ouviu os municípios e a população envolvida, além de identificar a terra indígena. Em outubro de 2000, o presidente da Funai assinou a Portaria n° 1.122, constituindo grupo técnico para realizar estudos de identificação e remarcação das reservas já demarcadas nos municípios de Grajaú, Fernando Falcão e Barra do Corda.
O objetivo era adicionar à reserva existente na região e demarcada na década de 1970 uma área de
No mandado de segurança, os municípios alegaram, ainda, que a expansão da terra indígena Porquinhos até os limites da terra indígena Canela (Rankankomekrá), como pretende a Funai, não encontra ressonância na comunidade Rankankomekrá, por serem povos com diferentes hábitos. Alegaram, também, que a expansão da terra indígena aos limites da terra indígena Bacurizinho (etnia Tupi-Guarani), adversários históricos, significa menosprezar a capacidade de escolha dessas comunidades.
Ao contestar a portaria, a defesa dos municípios afirmou que a expansão da terra indígena implicará a remoção dos não índios, particulares residentes no local, que detêm registro imobiliário expedido pelo estado. Sustentaram, ainda, que o Maranhão possui apenas 15% de terras férteis, dos quais 8% estão em mãos de índios.
A liminar foi concedida pelo presidente do STJ, ministro Cesar Asfor Rocha, em janeiro de 2010, entendendo relevantes os fundamentos da impetração e configurado o perigo na demora. O Ministério Público Federal e a União pediram reconsideração.
A Primeira Seção denegou a segurança pedida pelos municípios, julgando prejudicado o pedido de reconsideração. Para a relatora, ministra Eliana Calmon, o processo administrativo cumpriu os trâmites legais previstos no Decreto n. 1.175/96, tendo obedecido o previsto no artigo 231, parágrafos 1° e 6°, da CF/88, que afirma pertencerem aos índios as terras por estes tradicionalmente ocupadas, sendo nulos os atos translativos de propriedade.
Para a ministra, a existência de propriedade, devidamente registrada, não inibe a Funai de investigar e demarcar terras indígenas. "A ocupação da terra pelos índios transcende ao que se entende pela mera posse da terra, no conceito do direito civil. Deve-se apurar se a área a ser demarcada guarda ligação anímica com a comunidade indígena", observou.
"Logo, uma vez constatada a posse imemorial na área, não se há de invocar em defesa da propriedade o seu título translativo, sendo ainda inservível a cadeia sucessória do domínio, documentos que somente servem para demonstrar a boa-fé dos atuais titulares, sem eliminar o fato de que os índios foram crescentemente usurpados das terras de ocupação tradicional, sendo forçados a tornarem-se empregados nas fazendas para não deixar romper o vínculo social, histórico e afetivo com os lugares que tinham como referência de suas vidas", considerou.
Ao votar pela denegação, a relatora afirmou, ainda, que a interpretação sistemática e teleológica do texto constitucional de 1988 permite concluir que pode ser revisto o processo administrativo de demarcação de terra indígena que tenha sido levado a termo em data anterior à promulgação da constituição vigente.