07/05/2010

No encalço da justiça

Aramy (pequeno céu) parece incansável. Está descobrindo o mundo. O mundo da cidade grande muito diferente da aldeia Kaiowá Guarani, no Mato Grosso do Sul. Mas ela não parece se importar com a multidão de gente nas ruas, no metrô, na estação da Sé, em São Paulo.  Vai desvendando aos poucos o mundo que a rodeia, como se fosse naturalmente a extensão da aldeia. Olha, pega, corre, vai no colo de todos os que a cercam. Não se importa com os temores dos que estão ao redor. O pouco que fala é em Guarani. Mas está muito atenta a tudo que aparece pela frente. Talvez mais tarde compreenderá que sua mãe ali estivera para pedir justiça e punição dos assassinos de seu pai, avô da pequena Aramy, Marcos Verón. Com um ano e três meses e muita esperteza ela ocupa um lugar especial na delegação indígena, nesta véspera do dia das mães.

 

Representantes e parentes de lideranças Kaiowá Guarani assassinados, de comunidades despejadas para a beira da estrada, vieram a São Paulo no encalço da justiça. “É aqui que são tomadas muitas das decisões sobre nossas vidas, nossas terras, nossas lideranças. Por isso viemos aqui para São Paulo, não para pedir esmola, mas para exigir justiça, exigir nossos direitos”, falou uma das lideranças da delegação de sete representantes de cinco aldeias.

 

Querem cortar nossa língua

 

“Estou muito indignada, muito triste. Querem cortar minha língua. Será que não tenho o direito de falar, me expressar e defender em minha própria língua?, indaga Valdelice Verón, filha de Marcos Verón, diante dos procuradores do Ministério Público Federal, em São Paulo. Disse que seus familiares estão profundamente revoltados e desanimados por já terem vindo duas vezes a São Paulo como testemunhas de acusação, no julgamento dos acusados pelo assassinato de Marcos Verón, e as duas vezes o julgamento foi adiado. Os procuradores disseram que partilham a mesma indignação, porém estão convencidos de que lhes será assegurado o direito de se expressarem em Guarani, quando o julgamento for retomado. E mais, disseram que esse fato se tornará uma referência importante para todos os povos indígenas no Brasil. Afirmaram estar convencidos de que esse direito será confirmado pela justiça e se tornará um marco para os povos indígenas que poderão utilizar sua língua materna nos tribunais e em todos os espaços da sociedade nacional. “É uma questão de honra para o Ministério Público Federal”.

 

Em depoimento emocionado e indignado, Valdelice Verón lamentou que pessoas “com tanta educação”, não saibam respeitar as diferenças, como está garantido na lei. “Onde está a educação dessas pessoas que podem julgar um povo tão diferente como nos indígenas?” E concluiu: “Cortar a nossa língua será acabar com nossa história e o nosso povo Kaiowá Guarani”.

 

Onde está a justiça?

 

As falas dos representantes das aldeias de Kurusu Ambá, Ypo’i, Takuara, Laranjeira Nhanderu e Nhanderu Marangatu aos procuradores do Ministério Público foram todos numa mesma direção: “Não agüentamos mais o massacre do nosso povo. Se nossos direitos não são respeitados, se não é feito justiça, se a violência e mortes aumentam cada dia, e nada é resolvido, nós é que vamos agir. É isso que viemos dizer aqui aos senhores. No Mato Grosso do Sul nós não somos vistos como gente, como ser humano. Estamos sendo engolidos pela cana, pela indústria, pela soja”.

 

O pai do professor Rolindo, sumido há mais de seis meses na mesma ocasião em que foi brutalmente assassinado o professor Genivaldo, na retomada do tekoha Ypo’i, município de Paranhos, disse que veio buscar respostas. Se a Polícia Federal não voltar a buscar o corpo de seu filho, eles mesmos terão que procurá-lo. “Nada foi resolvido. E os assassinos estão todos soltos lá na região”, desabafou Rodolfo, irmão de Genivaldo.

 

Os representantes de Kurusu Ambá externaram seu temor de que com eles venha acontecer o mesmo que aconteceu com Laranjeira Nhanderu. Ou seja, que depois dos 80 dias que restam, sejam despejados novamente para a beira da estrada. O procurador da Funai garantiu que estão sendo tomadas todas as providências para que isso não venha acontecer.

 

Numa conversa muito franca a delegação buscou esclarecimentos sobre as graves situações que enfrentam em decorrência da luta pela terra e as conseqüentes violências. Ouviram as ponderações sobre os limites e possibilidades da atuação do ministério público, uma vez que a decisão é da justiça e esta tem se revelado cada vez mais conservadora e lenta quando se trata dos direitos dos povos indígenas e conquistas sociais constitucionais.

 

São Paulo, 07 de maio de 2010.

 

Egon Heck

Movimento Povo Guarani Grande Povo

 

 

Lideranças Guarani Kaiowá, em São Paulo

Por Justiça, Terra e Vida

 

Viemos do Mato Grosso do Sul a São Paulo na luta por nossos direitos, buscando apoios e aliados, esclarecendo a dramática situação por que passam os mais de 40 mil Kaiowá Guarani, espremidos em menos de 40 mil hectares de terra e jogados às beiras das estradas em 22 acampamentos indígenas. Estamos cada vez mais sendo engolidos pela cana, soja e gado. O nosso direito que foi conquistado na Constituição de 1988, não está sendo cumprido.

 

Várias usinas de etanol estão em construção, sendo previsto um total de 60 novas usinas, a serem construídas nos próximos anos, em cima de nossos territórios. Tudo isso põem em perigo a nossa sobrevivência como povo Guarani, caso não sejam tomadas as providências imediatas de reconhecimento de nossos territórios.

 

A situação de violência a que estamos submetidos e que acontecem em nossas aldeias é considerada superior ao que acontece nas grandes cidades como Rio de Janeiro e São Paulo e mesmo nas áreas de guerra, como Iraque e outros lugares de conflitos abertos, pelo mundo afora.

 

Sabemos que essa situação só vai melhorar com a nossa efetiva luta e apoio dos aliados e amigos no Brasil e pelo mundo afora. É por isso que estamos aqui em São Paulo nesses dias.

           

Viemos reivindicar e exigir das autoridades responsáveis:

 

1. A urgente conclusão da identificação e demarcação de todas as terras Guarani Kaiowá, do Mato Grosso do Sul.

2. Que dentro dos próximos 80 dias, a FUNAI tome providências necessárias para o reconhecimento e permanência da comunidade Kurusu Ambá em suas terras, ressaltando que o grupo de trabalho de identificação da FUNAI está paralisado;

3. Que ocorra a punição dos responsáveis pelos assassinatos de todos os Guarani Kaiowá, nos últimos anos, na luta por seus direitos;

4. Queremos o julgamento imediato, dos acusados do assassinato da liderança Guarani Marcos Verón;

5. Queremos o empenho da Polícia Federal para a localização do corpo do professor Olindo Vera, desaparecido há mais de 6 meses e a punição dos assassinos do professor Genivaldo Vera; 

6. O julgamento imediato da Terra Indígena Nhanderu Marangatu, pelo Supremo Tribunal Federal;

7. Urgente solução para a dramática situação em que se encontra a comunidade Laranjeira Nhanderu, despejada na beira da BR-163, em setembro de 2009, encontrando-se em situação de extrema insalubridade, violência e miséria.

 

Somos os verdadeiros donos desta terra.

Acabou a nossa paciência, o que nos

resta é a nossa união e mobilização

na luta pelos nossos direitos e apoio de todos

 

São Paulo, 05 de maio de 2010.

 

Lideranças das comunidades Kaiowá Guarani, do Mato Grosso do Sul: Kurusu Ambá, Ypo´í, Laranjeira Nhanderu, Taquara, Nhanderu Marangatu

 


Fonte: Cimi - Regional Mato Grosso do Sul
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